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Entrevista com o António Cunha

Um Breve Retrato da Comunidade Portuguesa no Reino Unido
(Entrevista com António Cunha, Conselheiro das Comunidades)

A. Pereira
Adiaspora.com


Londres, 15 de Dezembro de 2008

O Adiaspora.com em Londres teve a oportunidade de trocar algumas impressões com António Cunha, um dos quatro Conselheiros que representam a Comunidade Portuguesa do Reino Unido, no Conselho das Comunidades Portuguesas. Embora o CCP seja um órgão consultivo do Estado Português, cuja função é inteirar as instâncias governamentais das realidades, problemáticas e dinâmicas evolutivas vigentes nas diversas Comunidades que compõem a Diáspora Lusa pelo mundo, desempenha, todavia, um papel muito importante nas relações entre Portugal e os portugueses que vivem fora do país. O CCP, ao veicular as particularidades e carências de cada uma das Comunidades suas componentes, constitui uma ferramenta útil, na elaboração de políticas e estratégias eficazes por parte do Estado Português, capazes de promover o bom relacionamento de Portugal com as suas Comunidades, e as relações intracomunitárias.
Na entrevista que se segue, António Cunha traça um breve retrato da Comunidade Portuguesa no Reino Unido, partilhando com o Adiaspora.com um pouco da sua experiência pessoal como imigrante, e como representante dos Portugueses, em terras de Sua Majestade.

António Cunha (à direita) na companhia de Steve Reed,
líder da Câmara de Lambeth, Londres.

Adiaspora.com: António Cunha, Conselheiro das Comunidades pelo Reino Unido, fale-nos um pouco sobre a sua trajectória pessoal como imigrante português no Reino Unido.

António Cunha: Nascido em Angola, fui para Portugal quando tinha por volta de 10 anos onde estive a viver em Vila Real. Um ou dois anos depois, a minha família mudou-se para Londres onde resido há já 32 anos. Até aos 18 anos, fui um adolescente normal, ou seja, ia à escola. Por volta dos 18 anos comecei a trabalhar num bar, aventura que durou cerca de 5 anos. Depois disso, seguiu-se uma carreira de chauffeur. Primeiro da BBC, depois do conhecido Compositor-Autor, Sir Andrew Lloyd Webber, e por fim do também conhecido empresário Sir Alan Sugar. Desde essa altura, tenho sido empresário por conta própria. 
 

Adiaspora.com: O que o levou a emigrar?

AC: Não foi decisão minha. Tinha 12 anos de idade quando a minha família mudou para outras paragens.

Adiaspora.com:
Como caracterizaria a Comunidade Portuguesa que conheceu quando cá chegou? Era muito diferente da actual?

Era muito mais reduzida. Predominantemente havia (e ainda há em termos relativos) uma grande comunidade Madeirense. Entretanto, mais recentemente, o fluxo migratório aumentou, inclusive a emigração de Portugueses com qualificação que simplesmente não encontram condições em Portugal ou que pretendem desenvolver uma carreira internacional. Quando cheguei, a grande maioria dos Portugueses trabalhavam na hotelaria - como ainda hoje uma grande parte o faz. Havia ensino do português mas não me recordo - até pela idade que tinha - se seria organizada e eficiente.

Adiaspora.com: Quando começou a interessar-se por uma carreira política no seio da Comunidade? O que o motivou a candidatar-se a Conselheiro das Comunidades?

AC: Ser Conselheiro não é uma carreira política. Não tem qualquer vínculo nem reconhecimento políticos. Poderá haver Conselheiros que enveredam por uma atitude e relacionamento mais politizados. Eu não. Ser Conselheiro e’ (e devia ser a prática regular) estabelecer o contacto e fazer a ponte entre os órgãos oficiais Portugueses e a comunidade. Em relação ao que me motivou para avançar... para ser sincero, um grupo de amigos sugeriu e insistiu para que eu me candidatasse pelo papel dinamizador que tinha na comunidade Portuguesa onde, na altura, dinamizava eventos e espectáculos. Não fazia ideia do que era ser um Conselheiro da Comunidade. Entretanto, nesses 4 anos... comecei a ter.

Adiaspora.com:
Está a exercer o seu segundo mandato? O que o levou a recandidatar-se?

AC: Exactamente o ter começado a ter consciência do que é ser um Conselheiro e do muito que havia para fazer em termos de atenção por parte das autoridades Portuguesas. E de facto há muito por fazer em termos dos serviços consulares e representação das pessoas em todo o Reino Unido, bem como da própria organização da comunidade, razão pela qual os Portugueses no Reino Unido não têm ainda algumas das estruturas que fomentem a identidade e a cultura Portuguesas, nem mesmo infra-estruturas básicas de desenvolvimento, como por exemplo uma escola Portuguesa, uma biblioteca ou um Centro Comunitário Português. Se ficarmos à espera do Estado Português...

Adiaspora.com: Qual é o papel sociopolítico do CCP? Que funções desempenham os Conselheiros das Comunidades?

AC: O CCP teria um papel sociopolítico se, para tal, fosse reconhecido como parceiro das instâncias de análise e intervenção sociopolítica. Mas não é. Para além disso, dos Conselheiros espera-se que “aconselhem” o Estado Português sobre a realidade das comunidades Portuguesas. Ora para isto acontecer, torna-se essencial que haja, primeiro, uma atitude de escuta por parte do Estado, o que raramente acontece. Resumindo, por legislação, os Conselheiros devem aconselhar o Estado. Na realidade, cada Conselheiro terá mais ou menos influência noutros círculos consoante o seu posicionamento e a sua atitude no desenvolvimento de uma network, dinamização de projectos, e organização da Comunidade. No Reino Unido, assumimos esta atitude pró-activa.

Adiaspora.com: Actualmente, quem são os Conselheiros das Comunidades que representam o Reino Unido?

AC: Actualmente são quatro os Conselheiros. Eu próprio, o Sr. Augusto Nunes também de Londres, a Sra. Elisabete Silva Abreu de Stansted e o Sr. António Duarte Choça de Norfolk.

António Cunha, Conselheiro das Comunidades Portuguesas R.U.

Adiaspora.com: Na sua perspectiva, quais são as carências mais prementes da Comunidade Portuguesa em Londres? O que urge ser feito para que a Comunidade Portuguesa em Londres e no Reino Unido atinja maior índice de progresso?

AC: Não só em Londres, mas por todo o Reino Unido, é necessário que se criem mecanismos de informação e estruturas de representação. Há muitas pessoas que não têm o Inglês suficiente para interagir e, logicamente, não se conseguem integrar. O domínio da língua Inglesa acaba por ser a base de todo o processo, pois tem impacto directo no acesso a emprego, aos serviços de saúde, na relação social com outras comunidades. Depois há também a questão da mentalidade, da qual os portugueses raramente se conseguem libertar... mas precisamos muito de ser mais unidos.

Adiaspora.com: Tem havido alguma polémica ao longo do tempo no que tange à actuação dos Serviços Consulares em Londres. Quer elucidar-nos?

AC: É bem simples. Não há o cuidado necessário por parte de Lisboa. Assim que se faz algum barulho em Lisboa e se “aponta o dedo” aos sítios certos, começam a sentir-se mudanças. Neste momento: novo Cônsul Geral em Londres (para já apenas interino), correcção de comportamentos de funcionários, reestabelecimento de um horário completo de funcionamento, reorganização dos recursos humanos para uma melhor produtividade. Ou seja, está tudo relacionado com a vontade de fazer e fazer bem. Lisboa (a Secretaria de Estado) dispersa-se muito facilmente, mergulhada em agenda política e partidária... torna-se então necessário garantir que as necessidades da comunidade são devidamente consideradas e que as “altas instâncias, todas-poderosas” percebem de uma vez por todas que a realidade carente da comunidade Portuguesa no Reino Unido, ao não lhe ser dada a merecida atenção, apenas fará com que um mau cartão-de-visita sobre Portugal. Se o Estado não se preocupa com os Portugueses, então ao menos aja por se preocupar com os cartões-de-visita.

Adiaspora.com: A Comunidade Portuguesa em Londres tem alguma representatividade articulada nas estruturas e na hierarquia dos poderes local e nacional britânicos?

AC: Ainda não a tem de forma consistente. Esse é um dos próximos passos e que será naturalmente implementado quando algumas das estruturas e infra-estruturas de organização e representação estiverem no terreno. Existem naturalmente contactos a nível diplomático e oficial entre o Estado Português e o Britânico. Mas esses contactos, em pouco ou nada influem na realidade e nas condições da comunidade. Por outro lado, existem contactos estabelecidos pelos Conselheiros e por algumas associações Portuguesas, com entidades de poder local. Em termos de presença de Portugueses nos poderes locais, temos conhecimento de um Português. Já é bom... mas ainda manifestamente pouco. Portanto, o que há a fazer é organizar os Portugueses, sensibilizar para o registo nos cadernos locais, atribuir-lhes forca de representação e de voto... e depois, naturalmente, serão as próprias estruturas locais a aproximarem-se.

Adiaspora.com:
Sabemos que um dos assuntos que mais o empolga é o ensino da língua portuguesa. Quer comentar sobre as estratégias recentemente anunciadas pelo Governo Português no sentido de facultar às Comunidades docentes devidamente certificados e qualificados para atender às necessidades de aprendizagem dos luso-descendentes?

AC: Se me permite, prefiro não comentar as estratégias anunciadas pelo Governo. Não tenho nada contra as estratégias definidas para a difusão da língua portuguesa e posso desde já confirmar que considero as mesmas muito bem escritas e que ficam muito bem no papel. Agora... como é que se vão materializar? Se o Governo Português garantir primeiro que há, no Reino Unido, a vontade, capacidade, recursos e canais de comunicação eficazes, terá depois todos os ingredientes necessários para aplicar uma estratégia. Seja ela mais inteligente e robusta... ou não.

Adiaspora.com:
Temos conhecimento que se encontra actualmente empenhadíssimo na criação em Londres de um Centro de Apoio ao Imigrante, ou seja, um Centro Comunitário Português? Gostaríamos que nos falasse um pouco sobre este projecto.

AC: Este projecto não é exactamente nem um Centro de Apoio ao Imigrante nem um Centro Comunitário. É um Centro Português para a representação da identidade e cultura portuguesas bem como para colmatar algumas das maiores necessidades das comunidades de língua portuguesa. Necessidades que passam pela assistência técnica-legal, educação e ensino, saúde e cuidados preventivos, traduções, formação profissional, entre outras. Esta iniciativa está a ser discutida, já desde 2005, com o Council de Lambeth - a Câmara de um dos Boroughs de Londres. Finalmente consegui reunir um grupo com capacidade técnica e experiência para avançar com este projecto e uma primeira verba inicial foi já aprovada pelo Council. Ainda será prematuro avançar com datas de implementação do projecto, mas sem dúvida que em 2009 haverá novidades e mais informação.

Adiaspora.com: Que conselho daria aos jovens portugueses que pensam emigrar de Portugal para o Reino Unido nos dias de hoje?

AC: “Se vais ao mar, avia-te em terra”. Esta frase popular diz tudo. Para aconselhar os jovens e não só... primeiro que pensem bem. Depois que procurem informação ainda em Portugal (em páginas de internet que já divulguem essa informação). De seguida, que estabeleçam os contactos necessários para garantir, pelo menos, as condições mínimas para habitar e trabalhar. Isto de vir “às três pancadas” e resolver quando cá chegam... infelizmente, não resulta com todos, nem todos têm sorte. Há a necessidade das próprias pessoas serem sensatas mas também é verdade que devem ser informados da realidade mais dura da emigração não qualificada ou que não esteja organizada. O Estado deve também assumir a responsabilidade de informar devidamente os portugueses para que não permita que as pessoas emigrem iludidos.

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