CARMEN PONTE GOUJON - O testemunho dos viajantes Romeiros
de São Miguel

A mulher  e o homem no exemplo da romaria

Introdução

            No âmbito da história da religiosidade insular, um dos temas relevantes e de um certo modo singular no arquipélago dos Açores diz respeito à prática religiosa popular Romeiros de São Miguel. Esta romaria que remonta ao século XVI e que se mantém ainda hoje é realizada apenas na ilha de São Miguel e praticada exclusivamente pelo sexo masculino. Esta prática ritual com características bastante peculiares leva-nos a colocar algumas questões sobre a diferenciação sexual e o testemunho sacrificial do homem nesta romaria. A questão da exclusão da mulher na romaria deve-se a uma diferença biológica de sexos ou a um condicionamento social e cultural? O sacrifício corporal nesta romaria será assim a forma pela qual o homem micaelense testemunha a sua própria fé? E de que maneira o corpo do Romeiro testemunha, age e torna-se credível?

            A partir deste questionamento, pretendemos apresentar apenas alguns traços ilustradores do papel do homem e da mulher a partir do exemplo da romaria Romeiros de São Miguel, conscientes de que este tema é demasiado complexo para ser analisado exaustivamente no âmbito destas páginas.

            Relativamente ao terreno de estudo, a nossa análise concentrar-se-à em geral na ilha de São Miguel e em particular na freguesia de Água de Pau, local de realização de questionários e entrevistas. Este pequeno meio rural, repleto de crenças, festas religiosas, mitos e sacrifícios, é o lugar ideal para estudar a relação existente entre a comunidade e a religiosidade.

1.      Religião Oficial e Religiosidade Popular nos Açores: enquadramento histórico

Desde o início do povoamento das ilhas, a partir da primeira metade do século XV, os Açores ficaram desde logo submetidos espiritualmente à Ordem de Cristo, cujo objectivo principal era o de estabelecer e propagar a religião cristã. Assim as populações açorianas viviam perfeitamente enquadradas pela estrutura religiosa.

            A construção de várias igrejas, capelas e ermidas (do século XVI até ao século XVIII), como o papel e o controlo do vigário de cada paróquia sobre a comunidade são factores que estruturaram rigidamente a vida religiosa dos açorianos. Por exemplo, o padre tem o dever estrito de exercer a sua autoridade sobre os fregueses obrigando-os a uma prática rigorosa da vida cristã ... [1] e, caso não houvesse obediência às regras estipuladas, os prevaricadores eram punidos através do pagamento de multas e mesmo a possibilidade de excomunhão. Mas, a autoridade eclesiástica não se restringia aos actos de culto estabelecidos pela Igreja, pois a piedade individual e comunitária era também alvo de imposição e de controlo (...) que iam desde as procissões das almas, da Virgem, do Santissimo, a realizar semanalmente, (...) e atinge um nível de coerção como se fosse obrigatória. [2] Tudo isto nos mostra como o poder eclesiástico funcionou não só como autoridade no que se refere à cristianização, mas também no que diz respeito ao controlo dos comportamentos morais e sociais do povo açoriano.

Bettencourt da Câmara, ao abordar a relação Igreja – povo açoriano do meio rural, observa que ao lado da liturgia oficial católica, o povo açoriano como que criou a sua liturgia, mais próxima de si, a que pode aderir com facilidade e em que activamente participa. [3] É, pois neste meio rural moldado moral e socialmente pela Igreja, onde o analfabetismo e a oralidade são traços identitários da população, que a religiosidade  aparece e é vivida não só,como afirma Carreiro da Costa como expressão, por nós próprios revelada, de Deus, mas sim também como uma prova segura e permanente de que o trilhamos. [4] Assim, e segundo José Luís Garcia Garcia La religiosidad popular no se constituye en los restos de una ignorância secular del pueblo, sino en el proceso secular de asentamiento de la religión oficial. Allí donde no existe una religión oficial, no cabe hablar tampoco de uma religiosidad popular, en el sentido habitual del concepto. [5]

A partir deste conceito, podemos considerar que mesmo partindo de uma eventual matriz cristã comum, as várias ilhas se tenham diferenciado ao longo do tempo no exercício dos seus cultos e crenças, assumindo singularidades em determinadas manifestações sociais do religioso. [6]

A ilha de São Miguel, como destaca Francisco da Costa, é aquela onde o povo é mais religioso, de uma religiosidade feita de temor, sincera, sem fanatismo, mas nebulosa e apavorada… [7] . Este espírito de índole religiosa do micaelense, que pode ser comprovado segundo o mesmo autor, na designação de castigo, aplicado, não só às grandes catástrofes, como a pequenas desgraças triviais, a morte, a morte de um animal doméstico, uma colheita escassa, uma doença, um prejuízo, torna-se evitente no culto Senhor Ecce Homo, que se venera na igreja do antigo Convento da Esperança das freiras claristas em Ponta Delgada, e nos Romeiros, estranha peregrinação que faz lembrar as antigas penitências e peregrinações medievais. [8]

2.      Os Romeiros de São Miguel: origem e estrutura da romaria

… a Igreja-Instituição age, investiga, procede, recompensa (raramente) quase sempre castiga e vê em todas as manifestações, ainda que naturais, o castigo de um Deus, descontente com as atitudes humanas, procurando reconduzir os homens ao recto caminho através de duras provas. [9]

A partir desta ideia podemos considerar que a imagem de Deus para o micaelense era associada a um Deus protector mas ao mesmo tempo um Deus temido por “justiceiro”.  Assim o modo de pensar do micaelense esteve directamente ligado ao factor religiosidade-medo, medo de vingança de Deus sempre presente, sempre temido, sempre respeitado, sempre pronto a castigar, se houvesse ofensa. Os Romeiros de São Miguel é uma das práticas populares que se enquadra perfeitamente, nas suas origens, nesta ideia religiosidade-medo. Para além disso ela constitui além de uma das mais antigas demostrações de fé religiosa, uma prova que os micaelenses não esquecem as suas tradições. [10]

 Sobre a origem desta romaria, a pouca bibliografia existente aponta para o século XVI, mas a data exacta é ainda um problema controvertido. Temos, no entanto conhecimento que esta prática terá resultado de uma série de cataclismos de natureza vulcânica e que tanto afligiu a população micaelense entre 1522 e 1586. Revisitando a obra Saudades da Terra, do cronista Gaspar Frutuoso, verificamos que, em 1522 e em 1563, houve dois grandes abalos de terra que destruiram uma parte da ilha. No ano de 1523 grassou uma epidemia de peste que matou um número considerável de habitantes, para além das cheias e das secas que destruíram muitas culturas. Estes dados são referidos por Gaspar Frutuoso como um castigo divino:  a Deus, que mandou este castigo, prometeram os povos desta terra fazerem procissões no tal dia, cada ano, como sempre fazem  [11] e apontam para a hipótese de que o aparecimento desta romaria se tenha dado nesta época.  Pelo que é dito por Carreiro da Costa, estas procissões continuaram a ser realizadas mas feitas em determinada época do ano, escolhendo-se para elas a Quaresma, provavelmente por ser esta a quadra mais propícia à penitência e em que os trabalhos agrícolas exigem menos braços. [12]

             Relativamente à organização e estrutura da romaria, as referências bibliográficas da época não nos permitem verificar se estas se mantiveram ou se modificaram. Segundo a voz popular, “esta tradição já vem de muito antigamente” e, segundo Bettencourt da Câmara esta prática na segunda metade do século XVII já tinha possivelmente adquirido a maior parte das características que ainda hoje exibe. [13]

            Podemos definir os Romeiros de São Miguel como grupos ou ranchos de penitentes que, durante uma das semanas da quaresma, percorrem a ilha de São Miguel a pé (200 km) e visitam todas as igrejas onde haja exposta a imagem da Virgem Maria ( cerca de 100 templos). Os ranchos de Romeiros constituem-se por freguesia e possuem uma dimensão variável (pode ir dos 50 até aos 200).

            A partir da recolha minuciosa de informações sobre a organização e estrutura do grupo de Romeiros da freguesia de Água de Pau, reunimos um certo número de características particulares e próprias desta romaria.

Assim, o “rancho de romeiros” é constituído por um Mestre que tem que ser uma pessoa honrada e que toda a comunidade respeite. Ao Mestre compete exercer a autoridade necessária, todos lhe devem obediência e sempre que precisarem de algo devem pedir-lhe a permissão. É também o Mestre que se encarrega da oração, quase sempre improvisada, nas igrejas. A seguir ao Mestre vem o Contra-Mestre. Compete ao Contra-Mestre substituir o Mestre em todos os domínios, nos momentos da sua ausência (orações na igreja, etc). A seguir ao Contra-Mestre aparece uma outra personagem importante - o Procurador das Almas - que deve “contabilizar” a oração do rancho, isto é, a ele se dirigem as pessoas de cada freguesia por onde passam, para pedir “as avé-marias”; ele, por sua vez, informa o número de avé-marias pedidas a um outro membro do grupo chamado de Lembrador das Almas, que tem por função o “bradar às almas”, levando o rancho a recitar tantas avé-marias quantas as pedidas pela pessoa alheia do grupo. Segundo o Procurador das Almas do rancho de Água de Pau, o pedido desenrola-se da seguinte forma:

Habitante: Irmão, quantos são?

Procurador das Almas: Irmão (ou Irmã) são 70.

Habitante: Irmão uma avé-maria pelas almas do purgatório.

Este é o único diálogo que se repete durante toda a caminhada sacrificial para o Procurador das Almas,  notando-se assim que ele é feito de uma forma rigorosa e padronizada, de maneira a evitar qualquer tipo de conversa prolongada com a comunidade.

Assim o habitante deverá rezar 70 avé-marias (número de romeiros do rancho) e o Procurador das Almas informa o número de avé-marias pedidas (neste caso é uma) pelo habitante ao Lembrador das Almas e este último recita em conjunto a avé-maria pedida, o que no total faz 70 avé-marias. Este princípio de reciprocidade é respeitado estritamente pelos romeiros e pela pessoa que pediu.

            Esta romaria é composta, também, por um ou dois Dispenseiros, que têm a função de ocorrer às necessidades dos romeiros durante a marcha (alimentos, água, produtos farmacêuticos, chamar um médico se necessário...), por dois Guias, a quem cabe a condução do rancho, num itinerário tradicionalmente estabelecido, e  pelo Cruzado que é aquele que leva o crucifixo e que normalmente é uma criança.

O rancho, quando em marcha, adopta uma formação convencional constituida por três alas de romeiros. As alas dos lados são compostas pelos romeiros, estando à frente de cada ala os Guias. A ala do meio integra o Mestre, o Contra-Mestre, o Lembrador das Almas, o Procurador das Almas e o Cruzado:



A forma de organização do rancho leva-nos a reflectir sobre a questão representativa de unidade social, com uma certa estrutura hierárquia mas que, ao mesmo tempo, apaga traços caracterizadores da vida social corrente, como conflitos, diferenciação social, individualismo, visto que, no interior do grupo e durante os oito dias de penitência, os valores de humildade, igualdade e fraternidade são explicitamente introduzidos no ritual pela forma de tratamento mútuo - irmão - e pelo abraço, modo habitual de saudação no interior do rancho. [14] A harmonia vivida no grupo é uma característica que marca o Romeiro. Alguns testemunhos são particularmente significativos a este propósito: “nós somos uma grande família”; “ sentimos uma união muito forte”; “a gente no rancho somos todos irmãos”.

Uma outra característica a salientar desta romaria diz respeito às insígnias do Romeiro, interpretadas, em termos simbólicos, como referentes ao culto da Paixão e Morte de Cristo. Cada Romeiro apresenta-se vestido com o traje que usa diariamente, mas este traje é recoberto por acessórios que nada têm a ver com o modo de vestir do quotidiano micaelense: um xaile pelos ombros, que simboliza o manto de Cristo; um lenço ao pescoço que simboliza a coroa de espinhos de Cristo; uma cevadeira às costas que simboliza a cruz que Jesus transportou ao Calvário; um terço na mão e um ou mais ao pescoço; um bordão na mão que simboliza o ceptro de Jesus. Quanto a este último, o Romeiro não pode apoiar-se ao bordão durante a caminhada, excepto em caminhos muito perigosos e em frente à igreja durante a oração. Todos estes elementos simbólicos reforçam o carácter penitencioso do Romeiro relembrando-lhe o suplício e morte de Cristo. A partida é precedida de várias reuniões e ensaios dirigidos pelo Mestre sobre as orações, os cânticos e as regras a seguir durante a romaria. O Romeiro antes de partir confessa-se, comunga e assiste à missa a fim de iniciar a sua viagem penitencial em estado de graça.

Segundo o Mestre Roberto Vieira (Mestre dos Romeiros de Água de Pau), nas freguesias por onde que o rancho passa, entra na igreja, deixando os bordões em fila no chão do adro. Segundo as suas palavras “ o bordão fica sempre cá fora, porque é uma forma de substituir a nossa presença”. À porta da Igreja, o mestre começa a oração cantada e iniciada sempre da mesma maneira “Chegamos em santa hora/ aos vossos divinos pés/ Cobri-nos com o vosso manto/Rainha dos altos céus” Dentro da Igreja são apresentadas as intenções por que oram os romeiros e, depois da meditação, salva-se o rancho dizendo Seja para sempre louvada a vida de Jesus paixão e morte de nosso Senhor Jesus Cristo. Por fim, o Mestre termina a oração com as quadras finais: “ Nossa oração já fizemos/Senhora em vossa presença/Ir embora já nós queremos/Senhora dá-nos licença; Romeiros vamos embora/seguir nossa Romaria/louvando a toda a hora/ cantando a Avé-Maria”.  Esta oração de delicadeza e cortesia é uma das orações transmitidas oralmente de geração em geração. A seguir, continuam o caminho até à freguesia mais próxima. Ao fim do dia ( 8 horas da noite, porque o romeiro se levanta por volta das 4 horas da manhã, havendo assim um horário rigoroso) os romeiros ao chegarem à freguesia prevista, dirigem-se ao adro da igreja, cantando até que sejam recolhidos pelas famílias da dita freguesia. Um dos membros da família dirige-se ao Mestre e informa-o do número de romeiros que deseja receber em sua casa. Normalmente são as crianças as primeiras a serem recolhidas, depois as pessoas mais idosas e por fim os restantes adultos. Quando o alojamento é reduzido, os que não puderam ser recolhidos pelas famílias pernoitam na igreja local.

            Em casa da família que o acolhe há um conjunto de regras a seguir. O romeiro ao entrar na casa profere a saudação evangélica: A paz esteja convosco, e a família responde Amen Irmão. Antes do jantar trazem-lhe água quente para lavar os pés [15] la coutume du lavement des pieds “du jeudi saint”, pratique dans l’Eglise catholique, est un geste d’humilité en souvenir de la scène où Jesus lava les pieds de ses fidèles selon les règles de l’hospitalité orientale. [16] O romeiro janta, agradece e deixa um terço com a família dizendo: “Aqui têm os irmãos um terço já rezado, que amanhã retomaremos.” Este terço rezado pelo romeiro é uma oferta simbólica e serve como testemunho à familia que o recebeu. De madrugada (4 horas da manhã) a freguesia é acordada pela campaínha do mestre, meio de chamar e de reunir os romeiros. Eles saudam-se entre si sempre de irmão, porque esta a única forma de tratamento imposta na romaria, e continuam o percurso.

Uma outra característica que não podemos deixar de realçar consiste no tradicional canto e oração. Durante toda a romaria o canto desempenha um papel relevante, mas elementos como a dança é inconcebível e a alimentação é reduzida ao necessário, pois há mesmo romeiros que por promessa fazem o percurso a pão e água. O próprio canto, pelas suas caracteristicas revela fortemente este sentido de penitência e sacrificio e o lúdico é completamente ausente nesta prática.

            Para além das orações feitas aos santos e à Virgem Maria, é recitada a secular oração “Livrai-nos Senhor do Fogo, da Fome, da Peste e da Guerra”. Esta oração é uma das mais tradicionais da romaria, pois ela exprime o temor do micaelense pelos cataclismos naturais. Além desta oração secular, a chamada “Avé Maria dos Romeiros” cantada é outro traço tradicional e característico desta viagem sacrificial. Esta oração ancestral foi transmitida oralmente de geração em geração. Deste modo, ela tornou-se o distintivo musical da romaria. Ela anuncia a chegada dos romeiros a cada lugar. Toda a gente a conhece mas ninguém ousa repeti-la, porque, segundo a tradição, ela pertence unicamente a este ritual. É o ritmo lento deste canto, o seu carácter rigorosamente monódico e pungente, o peso atribuído a certas sílabas, o tom de voz com austeridade e tristeza, que se perpetua como forma de tradição oral e memória colectiva.

3.      O conceito de Gender no exemplo dos Romeiros de São Miguel

Após a apresentação da romaria, torna-se relevante fazer uma breve análise do papel que a mulher e o homem desempenham tanto a nível social como religioso. A partir do exemplo da romaria, será que a questão da exclusão da mulher resulta de uma diferença biológica de sexos ou de um condionamento social e cultural?

Responder a esta questão é algo de bastante empreendedor para desenvolver neste artigo, mas tentaremos traçar algumas considerações sobre as funções do homem e da mulher na vida social e religiosa, a fim de tentar responder ao nosso questionamento.

Numa comunidade repleta de tradições e de crenças, como a de Água de Pau, em que persiste ainda um sistema de organização patriarcal, a identidade feminina revela uma certa dicotomia em relação à identidade masculina. A Mulher em geral é, de portas para dentro, recatada, embiocada, tratando dos filhos e do marido, submissa a este, que ele é o dono, o senhor da casa, o ganhador, ela apenas é a administrada, a regeira do casal. (… )A subordinação de mulher ao marido sente-se em todos os actos da vida, antes e depois do casamento. [17]

A partir desta descrição, observamos que todos este actos comprovam a sujeição da mulher ao homem. Mas esta dicotomia de funções não se dá simplesmente no meio familiar, mas também no seio comunitário. Normalmente a praça pública e os cafés constituem os lugares privilegiados de conversação dos homens, enquanto que a casa e a igreja são os lugares mais frequentes das mulheres.  Esta divisão sexual traduz-se num sistema de funções sociais bem definidas e bem distintas entre o homem e a mulher, havendo quase que uma corporação masculina de um lado e uma corporação feminina do outro. E a nível religioso, também existe esta dicotomia de sexos? Qual é a percepção da Igreja em relação à mulher e ao homem?

Nos Açores, a religião cristã oficial procurou agir sobre as gentes da cultura oral tentando a clarificação do sagrado. [18] A partir desta noção a Igreja pretendia atingir dois objectivos principais: depurar o sagrado de todos os elementos profanos e impor canônes éticos que regulassem toda a vida social. [19] Um dos grandes esforços da Igreja era sobretudo o de estabelecer uma rigorosa disciplina dos comportamentos individuais e colectivos, de forma a obter um controlo total da comunidade. O papel da mulher foi uma das principais preocupações da Igreja, pois ela foi objecto de medidas restritivas na organização cultural e nos respectivos pressupostos doutrinais ... [20] . No enquadramento religioso, a mulher era vista como mágica e fêmea, bruxa e feiticeira, procurada pelos necessitados e desejosos e temida por todos. [21] Certamente, é por esta razão que a mulher era considerada como o objecto primeiro de repressão disciplinar: Ela constituía com a noite um perigo duplo que ameaçava a consciência colectiva e punha em causa ou dificultava o processo de aculturação que a Igreja mantinha em curso. [22]

Face a esta reflexão, a Igreja tomava todas as medidas e precauções para que todos os espaços sagrados se encontrassem fechados e que houvesse interdição da realização de actos cultuais ( romarias, novenas, via-sacras, procissões) durante a noite, pois a Igreja via que estes actos realizados à noite pelos homens juntamente com as mulheres originavam desvios e escândalos. Os relatos das visitas pastorais dos Prelados da Diocese dos Açores (datados de 1696, 1698, 1699, 1707) revelam perfeitamente a proibição sobretudo da mulher nestes actos de culto durante a noite: Capítulos há que determinavam simplesmente que mulher algũa corresse via-sacra ou fizesse romarias e novenas ante manhãa, desde as Avé-Marias até ao dia seguinte, sob pena de excomunhão maior. [23]

            Assim, a mulher causa do pecado sexual, de desvios e perversão adquire uma imagem negativa, inferior e malífica em relação ao homem. A culpa e os castigos não só recaíam sobre a mulher, mas também lançavam penas sobre os maridos, pais, irmãos e tios que não impedissem a transgressão referida. Não só lhes eram cominadas multas pecuniárias, como depois de tomados a rol, eram enviadas ao Ouvidor do distrito para que fossem castigados conforme a sua culpa merecesse. [24] O valor de culpabilidade atribuído à mulher e à família a quem ela pertencesse era considerado como uma desonra, indignação e indecência aos olhos da sociedade. Além disto, era relevante a imposição da Igreja na separação do homem e da mulher, pois eram numerosas as advertências no sentido de separar os homens e as mulheres no recinto sagrado. Davam-se instruções consoante a arquitectura dos templos de modo a garantir tal separação. [25] Mas a “obsessão” da Hierarquia eclesiástica em controlar todo o acto que levava a desvios  à verdadeira doutrina e às normas estabelecidas pela Igreja, não se dava apenas nos espaços religiosos, mas também nos espaços tradicionais de sociabilidade. As assembleias, os serões, as bodas, as festas dos baptizados, noivados e casamentos, todas estas tradições de divertimento eram qualificados pela Igreja de pagãos, pois os efeitos mais perniciosos decorrentes destes actos consistiam na destruição da modéstia e virtude das mulheres. [26] A repressão recai assim duma forma intensa sobre a mulher.

            Todas estas considerações aqui apresentadas sobre a luta da Igreja na separação entre o sagrado e o profano, através do controlo severo na vida social das comunidades, levam-nos a reflectir sobre a questão da Romaria Romeiros de São Miguel ser exclusivamente de carácter masculino. A questão da exclusão da mulher nesta romaria deve-se simplesmente à sua própria qualidade de mulher ou a uma diferenciação ligada ao condicionamento social e cultural?

            Um questionário feito à comunidade de Água de Pau (um total de 97 questionários respondidos: 69 do sexo feminino e 28 do sexo masculino) permitiu reunir um certo número de considerações sobre a acepção desta romaria para o homem e para a mulher. O objectivo deste questionário consistia em conhecer o significado e a representação dos Romeiros para o homem e a mulher e também as razões pelas quais  a mulher não participa nesta romaria. A partir das respostas dadas, pudemos constatar que, de uma maneira geral, os Romeiros representam tanto para o homem como para a mulher uma penitência, um sacrifício. Quanto à questão da interdição da mulher na romaria, tanto o homem como a mulher deram as seguintes razões: 1 - a mulher é mais fraca fisicamente que o homem (15 respostas do sexo masculino e 34 do sexo feminino); 2 – por causa das condições higiénicas ( 5 respostas do sexo masculino e 16 do sexo feminino); 3 – porque é uma tradição só feita por homens (8 respostas do sexo masculino e 15 do sexo feminino ); 4 – Jesus era um homem ( 4 respostas do sexo feminino). A partir destas respostas, concluímos que a fraqueza, a falta de força física constitui a principal justificação ideológica da sua exclusão.

            Revisitando e apoiando-se em alguns estudos feitos dobre a temática Sexo e Gender (género) e considerando que existe uma certa distinção entre estas duas noções, tentaremos compreender se esta exclusão se deve de facto e unicamente ao sexo (características biológicas) ou ao género.

            Marie-Claude Hurtig, Michèle Kail e Hèlene Rouch distinguem estas duas noções – sexo e género – da seguinte forma :

Cette distinction associe à la notion de sexe les caractéristiques biologiques permettant de différencier les hommes des femmes. À la notion de genre, elle associe les attibuts psychologiques, les activités, et les rôles des statuts sociaux culturellement assignés à chacune des catégories de sexe et constituant un système de croyances, dont le principe d’une détermination biologique est le pivot. [27]

Assim, podemos considerar que o sexo se traduz pela diferença biológica e o género está associado mais propriamente a uma diferenciação social e cultural dos sexos. Como salienta Eleni VARIKAS L’analyse de genre part en effet de l’hypothèse que ce qu’est un homme ou une femme dans une société et une époque données, est le produit d’une organisation sociale hiérarchique qui différencie les tâches, les fonctions, les richesses, etc., selon la distinction de sexe. [28] Partindo deste principio e transpondo-o para o exemplo dos Romeiros, podemos desde já considerar que a justificação ideológica da exclusão da mulher na participação da romaria não se deve ao sexo biológico, mas ao género, visto que esta  divisão sexual foi causada pelo condicionamento social e religioso da época.  Como sublinha Christine Delphy  … le genre serait un contenu, et le sexe un contenant. Le contenu peut varier, et certaines estiment qu’il doit varier ; mais le contenant est conçu comme invariable, dans sa nature, puisqu’il est la nature, « ce qui ne bouge pas … » [29] Desta maneira, as categorias ou funções sexuais – género – de uma sociedade não são determinadas biologicamente – sexo - , mas contróem-se, evoluem ou transformam-se. No caso dos romeiros, a proibição da mulher em participar na romaria advém de aspectos culturais engendrados pela hierarquia eclesiástica. Com efeito, a partir do século XV a imposição da Igreja no controlo das mentalidades do meio rural levou a que a imagem da mulher adquirisse um valor negativo e inferior à do homem. No entanto, esta diferenciação foi-se engrandecendo e manteve-se até hoje como tradição e ritual de ordem cultural, o que explica de certo modo a razão pela qual a mulher não participa nesta romaria, visto que os Romeiros de São Miguel é a única romaria que se pratica desde o século XVI até aos nossos dias. A exclusão da mulher nesta romaria não se traduz como um factor de inferiorização do sexo feminino, definido biologicamente e fisicamente de mais fraco que o sexo masculino, até porque a mulher do romeiro não participa activamente na romaria,

mas desempenha a função do marido no meio familiar durante a semana de penitência, pois é ela que dirige todo o trabalho durante a ausência do marido, havendo assim, de um certo modo, uma participação passiva da parte dela.

 

4.      O sacrifício corporal como testemunho de fé

No exemplo da romaria aqui delineada, o testemunho corporal leva-nos a reflectir sobre o estatuto do corpo e os suportes que ele utiliza para que esta prática seja reconhecida como testemunho de fé.

Segundo David LE BRETON: Chaque groupe social elabore un registre propre de mises en jeu du corps dans le cadre de l’échange avec autrui […]. Chaque groupe a ses signes spécifiques pour connoter physiquement un message ou un sentiment dans le cadre de l’interaction. [30] Assim, o romeiro exprime o seu testemunho de fé a partir de um certo número de marcas corporais (gestos, vestuário, orações) num espaço e num momento bem definidos.

Os três elementos portadores do testemunho corporal do Romeiro

a)      O corpo sacrificado do Romeiro

O corpo do romeiro sacrifica-se percorrendo durante uma semana a ilha de São Miguel a pé. São as marcas da dureza que aparecem de dia para dia cada vez mais insuportáveis, o cansaço da caminhada que começa a manifestar todo o tipo de sequelas como as bolhas e calos nos pés, as dores musculares, o frio, o calor. Todos estes estigmas físicos provocados pela marcha constituem assim os elementos de carácter testemunhal do romeiro. A marcha é assim o gesto ou acto principal de expressão corporal, pois é através dela que o corpo se ressente e revela traços ou marcas físicas que reforçam a identidade do romeiro durante esta semana de penitência.

b)      O corpo que reveste os símbolos de Cristo

O próprio corpo revestido pelas insígnias próprias à romaria é um outro referente ligado ao testemunho corporal do penitente. O modo como a disposição dos atributos é feita no corpo do romeiro sublinha o carácter próprio do ser romeiro. O xaile pelos ombros – representação do manto de Cristo - , o lenço ao pescoço – símbolo da coroa de espinhos -, a cevadeira às costas – identificação à cruz transportada por Cristo -, um terço na mão e um ou mais ao pescoço, um bordão na mão – símbolo do ceptro de Jesus. Todo este conjunto de elementos, pela sua composição e apresentação, adquirem o seu verdadeiro valor unicamente no corpo do romeiro durante o acto sacrificial, uma vez que estes acessórios só são utilizados pelo romeiro e unicamente durante a semana da romaria. Assim, todos estes elementos simbólicos reforçam o carácter penitencioso do romeiro relembrando-lhe o suplício e morte de Cristo.         

c)    A  voz que canta orações ancestrais

A voz do romeiro que declama e canta durante o dia inteiro as orações ancestrais e tradicionais  deste ritual é outro referente testemunhal. A oração Livrai-nos Senhor do fogo, da fome, da peste e da guerra, transmitida de geração em geração, é um símbolo tradicional e identitário da romaria e da sua origem, pois o fogo simboliza os tremores de terra de 1522 e 1563, a peste representa a epidemia ocorrida em 1523 e a fome corresponde às secas e cheias que destruiram grande parte das culturas e conduziam à fome. Além desta oração, existe também a tradicional Avé Maria do Romeiros cantada de uma forma bastante peculiar. Triste e melancólico, este canto se repete durante toda a marcha. É um canto sem dança, onde o lúdico se encontra completamente ausente nesta prática ritual. O carácter rigorosamente monódico, como também o peso atribuído a certas sílabas, fazem deste canto um emblema da romaria. É a Avé Maria dos Romeiros, cantada de forma plangente que anuncia a passagem dos penitentes em cada freguesia. Este canto reservado unicamente à romaria representa uma das formas orais mantida até aos nossos dias.

d)      O reconhecimento da Comunidade

A comunidade desempenha também um papel muito importante na realização desta prática, porque ela constitui o testemunho ocular e auricular do acto romeiro. Este testemunho do romeiro adquire o seu reconhecimento porque é o corpo do penitente que demonstra face a um público o sacrificio e o sofrimento, através da postura, de gestos, de marcas físicas. Cada atitude, cada gesto, cada oração exprimida pelo corpo sacrificado do romeiro atingem o seu verdadeiro valor através do reconhecimento da comunidade. Como sublinha Pierre Ansart  c’est cette connaissance d’autrui, par laquelle un sujet comprend immédiatement le sens de certaines actions et expressions d’autrui et est capable, en quelque sorte, de se mettre à sa place. [31]

Além do respeito e do reconhecimento é a empatia do corpo romeiro que cria a base de credibilidade desta prática tradicional religiosa e que vem a ser memória colectiva.

Conclusão

Nesta abordagem à religiosidade popular, através do exemplo dos Romeiros de São Miguel, fizemos aflorar apenas algumas temáticas que nos pareceram dominantes. Tentámos mostrar - a partir de uma apresentação geral do poder e do controlo da Igreja na vida social e religiosa do povo açoriano em geral, e micaelense em particular –  o papel desempenhado pela mulher e pelo homem a nível social e religioso. Consideramos que a diferenciação de sexos, no exemplo da romaria analisada, não  se deve a uma diferença biológica, mas cultural. Assim a justificação ideológica da exclusão da mulher na romaria pela fraqueza física em relação ao homem torna-se neste contexto ultrapassada. A imagem negativa e inferior da mulher, imposta, historicamente, pela Igreja nas mentalidades individuais e colectivas, constituiu o factor principal da exclusão do sexo feminino na romaria.

Para além disso, tentámos demonstrar a importância do testemunho corporal e do seu reconhecimento por parte da comunidade. Como sublinha Eugénio Lacerda Rituais, enquanto eventos críticos ou eventos comunicacionais de uma sociedade, são bons para pensar formas básicas de sociabilidade, na medida que os atores vivem, nos acontecimentos rituais, a experiência de seus modos básicos de interação, modos tais socialmente significativos e reconhecidos pelo grupo envolvente. [32]   Assim, esta tradicional prática religiosa não poderia ter algum sentido, nem o seu verdadeiro valor, sem a presença destes dois agentes – o Romeiro e a comunidade. O corpo aparece aqui como elemento principal da romaria. Os gestos, as atitudes, as insígnias do Romeiro são elementos que a Comunidade testemunha e confere credibilidade e reconhecimento.

Carmen Ponte Goujon
CRLA / Archivos
(FRE 2793 do CNRS)
Universidade de Poitiers



[1] ENES, Maria Fernanda Dinis Teixeira, 1985, A Reforma Tridentina e a religiâo vivida nos Açores, 1580 – 1750, Ponta Delgada : [s.n.], pp. 71 – 109.

[2] ENES, Maria Fernanda Dinis Teixeira, 1988, “Poder Político “versus” Poder Religioso na vida Paroquial (Os Açores na época moderna)”, In Arqueologia do Estado, Lisboa, História e Crítica, p. 803.

[3] CAMARA J. M. Bettencout da, 1984, Para a Sociologia da Música Tradicional Açoriana, Instituto da Cultura e Língua Portuguesa – Ministério da Educação, Biblioteca Breve, Lisboa, 110 p.

[4] COSTA, Francisco Carreiro da, 1961, « Religiosidade do povo açoriano através do seu folclore »,  I Semana de estudos, Universidade dos Açores, Ponta Delgada, p. 2.

[5] Tradução: “a religiosidade popular não se constitui de restos de uma ignorância secular do povo, como é vista por muitos, mas do processo secular do assentamento da religião oficial. Lá onde não existe uma religião oficial, não cabe nem tão pouco falar de religiosidade popular, no sentido habitual do conceito.”, GARCÍA José Luís García, 2003, El Contexto de la religiosidad popular, In La religiosidad popular, V. I, Barcelona, Anthropos Editorial, 621 p., p.29.

[6] COSTA Susana Goulart, 1999, “Visitas Pastorais na Paróquia do Faial da Terra – apontamentos para o estudo das religiosidades de Antigo Regime (1698-1765)”, In Arquipélago (História), 2ª Série, Vol. III, Universidade dos Açores, Ponta Delgada, p. 66

[7] RIBEIRO, Luís da Silva, 1964, Subsídios para um ensaio sobre a Açorianidade, Col. INSVLA, Angra do Heroísmo, p. 26

[8] Loc. Cit.

[9] SARAIVA Álvaro, DIAS José 1987, Romeiros : peregrinos de hoje, Ed. dos Autores, Ponta Delgada, p.10.

[10] COSTA, Francisco Carreiro da, 1961, « Religiosidade do povo açoriano através do seu folclore »,  I Semana de estudos, Universidade dos Açores, Ponta Delgada, p. 23.

[11] FRUTUOSO, Gaspar, 1981, Saudades da Terra, Livro IV, Vol. II, Instituto Cultural de Ponta Delgada, Ponta Delgada, 397 p., p.310.

[12] COSTA, Francisco Carreiro da, 1961, « Religiosidade do povo açoriano através do seu folclore »,  I Semana de estudos, Universidade dos Açores, Ponta Delgada, p.3.

[13] CAMARA J. M. Bettencout da, 1984, Para a Sociologia da Música Tradicional Açoriana, Instituto da Cultura e Língua Portuguesa – Ministério da Educação, Bibiteca Breve, Lisboa, p.83

[14] Segundo nos informou um “irmão” de um dos ranchos, no seu, a forma habitual de saudação matinal era o do beijo facial.

[15] Em famílias mais tradicionalistas, chega a ser o dono da casa a lavar os pés ao romeiro. Há também que notar que, em muitas casas, é oferecida ao romeiro a possibilidade de tomar duche.

[16] Tradução : o costume do lavamento dos pés « da quinta-feira santa » praticado na Igreja católica é um gesto de humildade em lembrança da cena de Jesus que lavara os pés dos seus fiéis segundo as regras da hospitalidade oriental … CAZENAVE Michel (sous la dir), 1989, « Pied », in Encyclopédie des Symboles, Encyclopédies d’aujourd’hui, p.525.

[17] DIAS Urbano de Mendonça, 1944, A Vida dos nossos Avós, Vol. IX, Tip. De “A Crença”, Vila Franca do Campo, p. 99.

[18] ENES, Maria Fernanda Dinis Teixeira, 1986, “Um aspecto da luta contra o sincretismo da cultura oral : a mulher, a noite e o sagrado nos Açores durante a época moderna”, In Revista de história das Ideias 8, Faculdade de Letras, Coimbra, p.72.

[19] Ibid., p.72.

[20] ENES, Maria Fernanda Dinis Teixeira, 1986, “Um aspecto da luta contra o sincretismo da cultura oral : a mulher, a noite e o sagrado nos Açores durante a época moderna”, In Revista de história das Ideias 8, Faculdade de Letras, Coimbra, p.73.

[21] Ibid., p.74.

[22] Ibid., p.81.

[23] Ibid., p.83.

[24] Ibid., p. 87.

[25] Ibid., p. 88.

[26] ENES, Maria Fernanda Dinis Teixeira, 1986, “Um aspecto da luta contra o sincretismo da cultura oral : a mulher, a noite e o sagrado nos Açores durante a época moderna”, In Revista de história das Ideias 8, Faculdade de Letras, Coimbra, p.91.

[27] Tradução: « Esta distinção associa à noção de sexo as características biológicas permitindo diferenciar os homens das mulheres. À noção de género, ela associa os atributos (qualidades) psicológicos, as actividades, e as funções  dos estatutos sociais culturalmente atribuídos a cada uma das categorias de sexo e constituindo um sistema de crenças, cujo princípio de uma determinação é a base. », HURTIG Marie-Claude, KAIL Michèle, ROUCH Hélène, 2002, Sexe et Genre, CNRS Editions, Paris.

[28] Tradução: “A análise do género parte de facto da hipótese que o que é um homem ou uma mulher numa sociedade e numa época dadas, é o produto de uma organização social hierárquica que diferencia as tarefas, as funções, as riquezas, etc., conforme a distinção de sexo.”, VARIKAS Eléni, 1998, “Sentiment national, genre et ethnicité”, In Tumultes: Appartenances et ethnicité, Nº 11, Ed. Kimé, Paris, pp 88-89.

[29] Tradução: «… o género seria um conteúdo, e o sexo um continente (o que contém). O conteúdo pode variar, e certas acham que ele deve variar; mas o continente é concebido como invariável, na sua natureza, visto que ele é a natureza , “o que não se altera …”», DELPHY Christine, 2002, “Penser le genre: quels problèmes?”, In Sexe et Genre, CNRS Editions, Paris, p.92

[30] Tradução: “Cada grupo social elabora um registo próprio da encenação do corpo com o objectivo de intercâmbio com outrem […]. Cada grupo tem as suas marcas específicas para conotar fisicamente uma mensagem ou um sentimento no contexto da interacção.”, LE BRETON David, 1997, “Les marcheurs d’horizon”, La Marche, La Vie, Ed. Autrement, Coll. Mutations, Paris, pp 88-89.

[31] Tradução: “é este conhecimento do outro, pelo qual um sujeito comprende imediatamente o sentido de certas acções e expressões e é capaz, de certa forma, de se pôr no lugar dele.”, ANSART Pierre, 1999, “La prière”, in Dictionnaire de Sociologie, sous la dir. de André Akoun et Pierre Ansart, Le Robert, Seuil, Paris, p.180.

[32] LACERDA PASCELE, Eugénio, 2003, O Atlântico Açoriano – uma antropologia dos contextos globais e locais da açorianidade, (Tese de doutorado), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 290 p., p.174.