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Os açorianos são, desde os seus
primórdios, um povo emigrante. Vindo povoar as ilhas açorianas,
poucos anos após a descoberta, os homens do Infante, depois
séculos decorridos, já tentavam emigrar para outras
terras, à procura de uma vida mais folgada e que lhes proporcionasse
desafogo económico. E isso aconteceu, principalmente, quando
as crises sísmicas e os vulcões foram abalando os
espíritos e destruindo as terras "conquistadas"
e arroteadas à custa de doloroso penar e sofrer.
Em 1562-4 dá-se a erupção
da Prainha do Norte. Depois foi a crise de 1718 e 1720 que formaram
os "Mistérios" de Santa Luzia, de São
João e da Silveira (Lajes) e que ainda hoje dão
testemunho das horrorosas tragédias.
No presente século registam-se os sismos
do Faial (1926), São Jorge (1964) Ilha do Pico (1973),
Ilha Terceira (1980) e, ainda o Vulcão dos Capelinhos (1958)
e as crises que se seguiram.
Já então as populações
atingidas tiveram de refugiar-se nas terras vizinhas ou emigrar
para longe.
Não cabe, porém, neste singelo
trabalho fazer o historial do que foram as muitas horas de angústia,
e de fome também, que as houve, vividas pelos povos das
Ilha Açorianas. Não há memória de
crises sísmicas nas ilhas de Santa Maria, Flores e Corvo.
A situação caótica em que
viviam as populações, particularmente nas ilhas
do Atlântico mais atingidas por crises sísmicas,
que provocaram escassez de géneros de toda a espécie,
provocou a emigração, decorridos que eram dois séculos
após o povoamento, para as terras dos Brasis, como eram
conhecidas.
A esse propósito narra um cronista ("Revista
Michaelense"):
" A Ilha de Santa Catarina estivera abandonada
depois de um corsário inglês ter destruído
a Colónia que D. João IV havia dado a Francisco
Dias Velgo, até que, em 1692 João Feliz Antunes,
com 260 açorianos, foi fundar a povoação.
Era a primeira emigração açoriana. Seguiu-se
a de 1676 para o Grão Pará, constituída por
um grupo de cinquenta casais, oriundos da ilha do Faial e autorizados
a emigrar por Jorge Goulart Pimentel, Capitão-Mor na Horta
e Governador na ilha do Pico. Depois foram embarcando, durante
os anos seguintes, diversos grupos de casais, como aconteceu em
1748, após os vulcões de Santa Luzia e São
João e Silveira, na Ilha do Pico. Nesse ano emigraram 461
pessoas. O segundo grupo emigrou em Março de 1749 e era
constituído por 600 individuos, e, ainda no mesmo ano,
emigrou outro grupo de 1066 pessoas. Em 20 de Janeiro de 1750
e em 1753 embarcaram dois grupos no total de 500 pessoas de ambos
os sexos."
E escreve ainda o mesmo cronista: "Em meio
século, Santa Catarina tornava-se um paraíso, devido
à acção dos laboriosos colonos açorianos
e a uma boa administração. A indústria da
pesca da baleia, trazida dos mares dos Açores, rendia 48
contos à Fazenda Real. E tão próspera se
manifestou essa actividade que, por alvará de 15 de Fevereiro
de 1764, foi dado a Ignácio Pedro Quitella e Ca, por arrematação,
por espaço de 12 anos, o rendimento da pesca nos mares
dos Açores e Brasil..."
Mas não apenas em terras de Santa Catarina
os açorianos se revelaram laboriosos e empreendedores.
Foram igualmente laboriosos e empreendedores, em diversas actividades,
nos Estados Unidos da América, no Hawai e mais recentemente
no Canadá, para onde emigraram em grande número.
Precisamente a meados do século 18 desenvolveu-se
nos mares do Açores a caça da baleia, praticada
por navios americanos ainda arvorando o pavilhão inglês.
Segundo o Governador D. Antão de Almeida, andavam nos mares
dos Açores, no ano de 1768, cerca de 200 embarcações
de um só mastro, que tiravam muito azeite e âmbar,
actividade que muito prejudicava os povos das ilhas.
No entanto foi através das baleeiras
americanas que a emigração, principalmente das gentes
jovens, se processou para aquela nação. O seu maior
incremento veio a dar-se na segunda metade do século XIX.
Dai resultou a diminuição da emigração
para o Brasil, onde já existia uma importante e próspera
colónia portuguesa, principalmente oriunda das ilhas açorianas
e que ainda hoje lá continua, já em terceira ou
quarta geração. E é com imenso orgulho que
falam dos seus antepassados, os antigos Casais, como acontece
no Estado de Santa Catarina. Mas não somente pelo Rio de
Janeiro e por São Paulo existem descendentes de casais
açorianos que, ao longo dos tempos, ocuparam e ainda ocupam
os mais elevados cargos na hierarquia estadual.
Hoje, porém, lembro um picoense ilustre
que desta ilha do Pico saiu bastante novo e se fixou no Brasil,
donde nunca mais regressou. Mas, nem por isso esqueceu as suas
raízes e a terra que lhe foi berço, a Piedade do
Pico. Refiro o Comendador Matos Souto. Dele escreveu o professor
Manuel Ávila Coelho (in "A freguesia de Nossa Senhora
da Piedade da Ilha do Pico") : - "O Comendador Manuel
Matos Souto que deixou a sua freguesia de tenra idade, emigrando
para o Brasil, onde fez fortuna, doou à mesma, generosamente,
aí por mil novecentos e oito, a apreciável soma
de oitenta e cinco contos fortes, para construir e manter uma
escola."
O Governo Português, como aliás
lhe competia, aceitou a doação, embora tardiamente,
pois só por decreto de 20 de Maio de 1913, (assinado pelo
presidente da República Dr. Manuel de Arriaga, picoense
- e que outros querem que seja faialense -) criou na Ilha do Pico
uma escola fixa de ensino profissional especial de agricultara,
destinada a habilitar indivíduos como pomicultores e viti-vinicultores,
a qual se denominou Escola Profissional de Pomicultura e Viticultura
"Matos Souto" ; determinando ainda que fossem adquiridos
na freguesia da Piedade (do Pico) os terrenos necessários
para a instalação da escola.
Adquiridos os terrenos, no centro agrícola
da freguesia e construido o respectivo edifício, só
em 1940 entrou aquele complexo escolar em pleno funcionamento.
O " Posto Agrícola Matos Souto",
como passou a denominar-se, passou a ser uma instituição
de muito valimento para o progresso e desenvolvimento da freguesia
e um centro de emprego para a juventude local, com excelentes
reflexos na vida económica e até social daquela
zona.
Apesar de algumas vicissitudes ocorridas com
as modificações politicas verificadas em Portugal,
com o estabelecimento do regime democrático, "Matos
Souto"encontra-se presentemente numa nova fase de progresso
e desenvolvimento que muito agrada os piedadenses e os picoenses
em geral.
Outros emigrantes, Figuras notáveis,
no Brasil, nos Estados Unidos da América e agora no Canadá,
têm singrado com honra e brilhantismo pelos caminhos do
êxito e do progresso, ocupando os mais diversos e qualificados
cargos na política, na magistratura, no ensino dos diversos
graus. No comércio e na indústria, nas profissões
liberais e em outras actividades dignas têm os açorianos
conseguido êxitos extraordinários, mercê de
suas inteligências, trabalho, dinamismo e honestidade. Honram
a terra que lhes serviu de berço e que raramente esquecem
e prestigiam as comunidades e os países onde se radicaram.
Honram os Açores e Portugal!
Deles nos orgulhamos também!
Ilha do Pico, Açores
Ermelindo Ávila
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