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IMIGRAÇÃO
AÇORIANA NO MARANHÃO
E FUNDAÇÃO DE SÃO LUÍS
...se tu te fores
como dizes que te vais
deixa-me o teu nome escrito
numa pedrinha do cais...
A presença açoriana no Maranhão
está diretamente vinculada ao projeto de fundação
da ilha de São Luís em 1612, fato que a torna a
única capital brasileira inicialmente francesa. Nesta época,
dois projetos de colonização diametralmente opostos
entre si concorriam para o mesmo objetivo: o projeto francês
desejava fazer de São Luís um entreposto comercial
a meio caminho entre a Europa e a Índia, enquanto o projeto
português pretendia tornar toda a região, sob a linha
do Equador, autônoma e capaz de suportar as invasões
que teimavam em agitar este lado do atlântico.
Esta disputa pela ilha de São Luís
começa em 7 de junho de 1494 quando D. João III
e os reis católicos da Espanha Fernando e Isabel resolvem
assinar o tratado de Tordesilhas, dividindo o mundo em duas partes
de polo a polo, por meio do princípio do maré clausum,
deixando de fora as demais monarquias européias que não
poderiam ter acesso às riquezas ibéricas, sem a
autorização dos dois países, segundo o acordo.
«Note-se, aliás, que o mare clausum não significou,
como já aludimos, barragem aos estrangeiros. Apenas lhes
era proibido viajarem para as zonas interditas, sem autorização
da Coroa Portuguesa, proibição extensiva, de longa
data, aos portugueses, e que servirá, mais tarde, para
defender esta prática no quadro internacional.» (Ferreira
1984 : 333)
O Tratado de Tordesilhas, oficializado pela
bula Inter Coetera, assinada pelo Papa Alexandre VI definia uma
linha imaginária a 370 léguas a oeste das ilhas
de Cabo Verde para divisão do mundo em duas partes. Todas
as terras que ficavam a oeste passariam a pertencer à Espanha
e as que ficavam a leste seriam de Portugal, que nesta altura
queria garantir o seu projeto de expansão para as Índias
Orientais, cujo comércio lhe garantia um lucro de 6 mil
por cento ao ano na venda de especiarias. E tinha todas as condições
para bancar tal projeto: era um governo absolutista, possuía
saída para o Oceano Atlântico, juntava o capital
público e o capital privado, queria a circunavegação
para a África e, principalmente, detinhas as principais
invenções da época como a bússola,
o astrolábio, o canhão, a pólvora e as caravelas.
O mare clausum tornou-se, portanto, à
partida, na condição indispensável para o
prosseguimento e, depois, na necessidade vital para se manter
o monopólio sobre as terras ultramarinas , com a bênção
da Santa Fé que surge, nesta época como poder arbitral
na recém-criada e por isso imatura política interestatal,
a fundamentar o direito português ao usufruto exclusivo
das regiões. Através da estrutura ideológica
da cruzada, a Igreja justifica a expansão portuguesa, a
aquisição de territórios e o domínio
dos mares, sob o argumento de que o país iria fomentar
a pregação da fé, missão essencialmente
religiosa que o Papa tinha o direito de entregar a um Príncipe,
ordenando aos outros que respeitassem a ação exercida.
Quem desobedecesse a ordem papal poderia sofrer excomunhão,
censura e maldição de todos os tipos.
De todas as monarquias européias, a francesa
foi a que mais se sentiu prejudicada pelo acordo, tanto que o
rei Francisco I escreveu ao Papa Alexandre VI perguntando em que
parte do seu testamento Adão teria legado o mundo para
Portugal e Espanha. Junto com a Holanda e a Inglaterra, a França
reclamava o antigo direito romano que dizia que o mar ou mare
liberum era coisa comum res comunis omnium-, e tal como o ar ou
o vento não era propriedade de ninguém. Só
que esse mesmo direito estabelecia o parâmetro de águas
territoriais, onde o poder que estava mais próximo podia
exercer o direito de soberania. É
verdade que isso era limitado à vigilância, ao pagamento
de taxas e ao financiamento de armadas protetoras. A diferença,
segundo Ferreira (1984 : 336), que se colocava no caso das pretensões
portuguesas dizia respeito à extensão e à
qualidade do mar que se pretendia exclusivo.
Por isso, discretamente e, sem uma política
real definida, a França começou a marcar a sua presença
no Brasil em 1503/1504 ao mesmo tempo que Portugal. O francês
Binot Paulmier de Gonneville saiu de Honfleur em 1503, a bordo
da nau L'Espoir, aportou em Santa Catarina à procura de
especiarias, estabelecendo laços de amizade e de comércio
com os índios, durante os meses que aí permaneceu.
Segundo Ferreira, quase todas as viagens, ou muitas, em princípio,
se destinavam à Índia, mas os seus contratadores
acabavam por se contentar com a costa brasileira ou com a costa
africana. Na mesma época, Portugal recebe uma bula em 1506
confirmando os seus direitos de posse sobre o Brasil, documento
que seria reconfirmado em 1551.
A cobiça da monarquia francesa, sobretudo
da Normandia, da Bretanha e da Picardia , e dos mercadores do
Norte da Europa pelo lucrativo comércio ultramarino é
acentuada depois da expedição do cosmógrafo
André Thevet (1516-1592) que na obra Lês singularitez
de la France Antarctique, autrement nommée Amerique, publicada
em 1557 transforma o Brasil num mito do imaginário geográfico
francês, fato que é depois reforçado com a
publicação da obra de Jean de Léry
(1534-1613) Historie d'um voyage faict em la terre du Bresil.
Enquanto em 1530 Portugal divide o Brasil em 12 capitanias donatárias
repartidas em 15 lotes para fomentar o povoamento das terras sul-americanas
e conter a invasão de povos estranhos à coroa portuguesa,
a França reforça sua presença no país
através de várias expedições e, de
algumas lutas isoladas, como a destruição da feitoria
de Pernambuco em 1531 pelos franceses, depois de uma rápida
guerra com os portugueses.
Assim, o primeiro passo para marcar a presença
oficial da monarquia francesa no Brasil dá-se entre 1550
e 1560 quando, sob a influência de Henrique II e Catarina
de Médicis, o cavaleiro de Villegagnom, Nicolau Durand,
se fixa com um conjunto de colonos e de pesquisadores na baía
da Guanabara criando aí a França Antártica,
cujas primeiras descrições das riquezas naturais
configuram um primeiro cenário de ocupação.
Apesar do curto período em que passou no local, a expedição
de Nicolau Durand, cuja expulsão coube
posteriormente ao governador português Mem de Sá
em 1560 a pedido da Coroa Portuguesa, obteve uma grande repercussão
em toda a Europa por conta das obras publicadas nesta altura sobre
o Brasil.
Entre 1580 e 1600, a costa brasileira é
constantemente explorada pelos navios franceses que tentam, a
todo custo, criar no país um espaço territorial
e político próprio, requerendo pela força
aquilo que lhe tinha sido negado pelo Tratado de Tordesilhas e
pelo poder de Roma. «Guiavam-se pela lei da conquista e
do uso, aonde quem chegasse primeiro poderia ocupar, usufruir
e colonizar a terra.» (Martins 2002 : 17)
Tanto é que em 1594, o armador Dieppe
Jacques Riffault, em associação com Charles dês
Vaux, aportam no Maranhão e estabelecem um posto de comércio
de madeiras com os índios que eram enviadas à França
para a produção de tintas . Depois de aprenderem
a língua dos índios, voltam à França
para falar das riquezas da região, fato que incentiva o
calvinista e Senhor de La Ravardière Daniel de La Touche
(1570- 1631) e os Senhores Francisco de Rasilly e Nicolau D?Arley
a virem para o Maranhão organizar a criação
de um entreposto comercial, depois de terem explorado a Costa
da Caiena, atual Guiana Francesa.
De fato, em 16l0, Daniel de La Touche, assim
como Francisco de Rasilly são nomeados locos-tenentes-generais
das Índias Ocidentais por Henrique, o Grande e por sua
mãe Maria de Médicis e, junto com outros sócios,
conseguem a autorização para fundar uma colônia
francesa em terras sul-americanas. Em março de 1612, os
navios Regente, Carlota e Santa Ana partem da França para
o Maranhão, onde fundam em 8 de setembro do mesmo ano,
o forte de São Luís, na presença de 500 homens,
em homenagem ao rei Luis XIII, escolhido por ser o dia da natividade
da Santíssima e Imaculada Virgem Maria. A colônia,
conhecida como França Equinocial, é também
chamada de Ilha Grande e São Luís pelos fundadores
que aportam em agosto no porto de Jevirée, depois denominado
de Porto de Santa Maria. Um forte é imediatamente construído
de frente para a Baía de São Marcos, local privilegiado
de onde era possível vigiar as embarcações
que entrassem ou saíssem da ilha, e o denominaram de forte
de Saint Louis.
Desejando os Srs. De Rasilly e La Ravadière
construir um forte para segurança dos franceses e conservação
do país, escolheram uma bonita praça para esse fim,
muito própria por ser numa alta montanha, e na ponta de
um rochedo inacessível, superior a todos os outros, e de
onde se descobre terreno a perder de vista, e embora separada
da terra firme, é inconquistável e muito forte,
por estar cercada de dois rios profundos e largos, que desembocam
no mar ao pé do dito rochedo, onde é o único
porto da Ilha do Maranhão , e nele podem fundear com toda
a segurança navios de mil a mil e duzentos toneladas (D'abbeville
2002: 83)
A fundação de São Luís
é, portanto, oficializada no dia primeiro de novembro,
dia de todos os santos, juntamente com a realização
da primeira missa, quando os franceses juntamente com todos os
chefes indígenas da região fincam o estandarte da
França, ressaltando a soberania francesa do local em relação
ao resto do Brasil português. Este fato é ressaltado
por um dos quatro padres jesuítas Claude d?Abeville que
vieram para o Maranhão colaborar na evangelização
da nova terra, juntamente com os capuchinhos Frei Ivo d'Evreux,
Frei Arsênio de Paris e o Frei Ambrósio d'Amiens."Senhores:
vede com os próprios índios fincam este estandarte
de França na sua terra, fazendo-a assim possessão
do Rei, jurando todos viver e morrer connosco, como verdadeiros
súditos e fiéis servos da sua majestade. O Sr. De
Rasilly, cuja fidelidade ninguém pode por em dúvida,
parte um destes dias para a França, onde fará conhecer
a Sua Majestade e à toda a França a importância
deste ato, e suplicará muito humildemente e em vosso nome
a satisfação de trazer-nos quando regressar, os
necessários socorros para completo estabelecimento desta
colônia" (D'abbeville 2002:166)
Desta forma, a França descumpre o tratado
de Tordesilhas numa altura em que Portugal ainda está sob
o domínio espanhol, depois que o rei D. Sebastião
desaparece numa cruzada ao Norte da África, em 1580. Como
D. Sebastião deixa o trono de Portugal sem sucessor, Felipe
II, rei de Castela, ocupa Portugal à revelia do povo proclamando-se
rei com o título de Felipe I, causando uma profunda crise
na identidade nacional portuguesa. A França aproveita-se
deste momento de instabilidade nacional e, estimulada pelas trocas
comerciais que mantém com os índios há mais
de 30 anos, estabelece a colônia, chamando-a de França
Equinocial.Para o reino espanhol, que dominava Portugal nesta
altura, a presença dos franceses no Maranhão representa
uma séria ameaça para a segurança das rotas
e do comércio português com o Brasil, assim como
para a própria soberania lusa na América do Sul.
«A Espanha, em particular, não desejava que os franceses
instalados em São Luís chegassem às suas
terras penetrando para o oeste pois já faziam incursões
pelos rios para o interior do continente nas quais possuiam minas
de ouro, resolvendo mobilizar as forças militares portuguesas
no Brasil para acabar com a ameaça.» (Martins 2002
: 18)
Por isso, depois de informado sobre a invasão
francesa, Felipe III ordena ao governador-geral do Brasil Mem
de Sá que retome a região
para a Coroa Portuguesa, que, por sua vez, dá esta função
ao comandante Jerônimo de Albuquerque. Segundo Simão
Estácio da Silveira, depois de várias batalhas na
região amazónica e próximo ao Maranhão
e, depois de muitas mortes, as tropas de Jerônimo Fragoso
de Albuquerque, compostas por 400 portugueses e 220 índios
amigos, que trouxera consigo de Pernambuco, Paraíba e Rio
Grande, conseguem reconquistar o território amazónico,
incluindo o Maranhão, para a Coroa Portuguesa na Batalha
de Guaxemduba em 1615, com a colaboração do comandante
Alexandre de Moura, facto que marca um novo momento para a história
da colonização portuguesa no Brasil . No confronto,
morrem mais de 500 índios e outros 100 franceses, o que
causa um abalo na monarquia francesa.
«Em 1614, à frente de portugueses
e mais de duzentos índios amigos, Jerônimo de Albuquerque
viajou para a região Amazônica e obteve uma primeira
vitória a 19 de novembro, derrotando os franceses e os
seus aliados Tupinambás. Um ano mais tarde, as forças
portuguesas reforçadas em homens e munições,
conseguiriam conquistar São Luís.» (Couto
apud Rodrigues & Madeira 2003 : 251)
Passado o momento da reconquista, é necessária
a consolidação do domínio português
na região amazônica, principalmente, pela importância
econômica, geopolítica e estratégica que esta
área representa para o comércio ultramarino e para
a manutenção do princípio do mare clausum.
A primeira providência é a criação
provisória de um Senado da Câmara, ainda em 1615,
por Alexandre de Moura que coloca-o sob o governo de Jerônimo
de Albuquerque e determina a reforma do forte de Saint Louis que,
a partir da conquista, passa a chamar-se Forte de São Felipe.
O engenheiro-mor do Rei, Francisco de Frias Mesquita, é
o responsável pela reforma e pelo primeiro plano urbanístico
da ilha de São Luís para o qual contou com a colaboração
de seis pedreiros, carpinteiros, ferreiros, oleiros e serralheiros.
Nesta altura, a tarefa mais urgente é
o povoamento português na região, já que o
número de brancos e de mulheres residentes em São
Luís por esta altura é bastante reduzido.A intenção
é garantir fronteiras e afastar as ameaças das nações
rivais, principalmente a França, a Holanda e a Inglaterra.
«Na verdade, a princípio, havia
um audacioso projeto de colonização da faixa de
Capitania Hereditária, denominada de Maranhão e
doada a
João de Barros em 1535. Para concretizá-lo, em outubro
de 1535 saiu
de Lisboa uma expedição com 10 navios, ocupados
por 900 homens de armas, sendo 113 com cavalos, farta munição,
comandada pelo capitão-mor Aires da Cunha, com representação
de Fernão d'Álvares de Andrade e dois filhos de
João de Barros. Foi a maior expedição despachada
do Reino em caráter particular, mas naufragou na costa
brasileira. Houve ainda duas outras expedições fracassadas,
em 1550 e 1555, a última por terra.» (Meireles apud
Martins 2002:17)
Já em 1615, o governo português
apela para a Igreja através dos Jesuítas e para
os Açores , através de decreto real, requisitando
casais para virem conquistar a região amazônica,
prometendo-lhes em troca uma nova vida num novo mundo. Nesta altura,
a intenção da coroa portuguesa é, ao mesmo
tempo, controlar a densidade populacional do
arquipélago açoreano mas também dar aos habitantes
da nove ilhas melhores condições de sobrevivência
no Novo Mundo, já que as ilhas eram constantemente assoladas
por terramotos e erupções vulcânicas; saqueadas
por piratas e corsários de todos os lados e por pragas
que arrasavam as suas lavouras, causando mutações
na economia local e transtornos às famílias. Mas,
por outro lado, também queria garantir na região
Amazônica a consolidação do domínio
português e a fixação das fronteiras geográficas,
quer assegurando a defesa do litoral, quer organizando núcleos
de colonização no Pará e no Maranhão.
Mas, o decreto real que requisitava os casais
era selectivo e não aceitava qualquer cidadão que
desejasse se alistar. A preferência era para os casais com
filhos jovens ou em fase de procriação e para as
mulheres donzelas, jovens e solteiras que desejasse constituir
família. Era desta forma que a coroa portuguesa pretendia
garantir um povoamento de qualidade na região, já
que a intenção da coroa era a de que essa primeira
corrente migratória fosse definitiva e pudesse iniciar
um processo de miscigenação em cada parte do novo
território.
Assim, o alistamento dos casais imigrantes consistia
em anotar, além do
nome, a naturalidade, a residência, a idade, a profissão,
a estatura, a cor dos cabelos, da pele e dos olhos, o formato
do rosto, a forma do nariz, da boca e da barba, o estado civil
e, se casado, o nome da mulher, a filiação desta,
a sua naturalidade e idade, e, caso tivessem filhos, o nome e
as respectivas idades. Mas, para além destes, a Coroa Portuguesa
enviou também muitos degredados do Reino, assim como uma
grande quantidade de homens de pequenos ofícios tais como
pedreiros, oleiros, serralheiros, mercadores, mecânicos
e ferreiros para a fixação definitiva dos casais.
Daí que, os primeiros imigrantes açoreanos
que aportaram no Maranhão em 11 de abril de 1619 vieram
às custas do contratador Jorge
de Lemos de Bettencourt que conseguiu, através da carta
régia de 12 de abril de 1617, autorização
para transportar 300 casais ao Pará, num total de mil pessoas,
ao final do qual receberia o valor de 400 mil réis e a
capitania de Pernambuco. Em 1618, os imigrantes partem dos Açores,
sob o comando do Capitão Simão Estácio da
Silveira, em três navios, mas parte deles morre na viagem
chegando ao Maranhão apenas 95 casais ou 561 almas, segundo
Frei Vicente do Salvador. com estes primeiros imigrantes vieram
os costumes, a culinária, as festas, o modo de ser e de
estar açoriano, os bailados, as lendas, os mitos e as superstições,
o jeito de falar e a alma alegre que se incorporaram ao saber
local, tornando-se aspectos comuns às duas culturas desde
então. «Na nau de que fui por capitão se embarcaram
perto de trezentas pessoas, alguns com muitas filhas donzelas,
que, logo chegando, casaram todas e tiveram vida que cá
lhes estava mui impossibilitada, e se lhes deram suas légias
de terra.»
(Silveira 2001 : 25)
Mas, logo que chegam estes primeiros imigrantes
também rebelam-se contra as precárias condições
que tiveram que suportar desde o início da viagem; condições
semelhantes as que eram infrigidas aos escravos africanos e que
iam desde a má alimentação até a super-lotação
das embarcações, já que estas viagens eram
sempre financiadas por particulares em troca de favores da Coroa
Portuguesa. Por exemplo, a viagem que deveria ser efetuada pelo
contratador João Pereira Seixas custaria: «os casais
(marido e mulher) em idade útil e com filhos, num total
de 400 praças, implicariam num investimento de 1.600 mil
réis, ou seja, 4 mil réis por casal; a roupa, 400
mil réis; as ferramentas e as armas, outros 400 mil réis,
e o fretamento do navio, 600 mil réis.» (Rodrigues
& Madeira 2003 : 258)
É evidente o fato de que nesta altura,
a monarquia hispânica envolvida com diversas frentes de
guerra, procurava direcionar a política de transporte e
fixação dos casais para particulares que, em troca,
recebiam títulos, algum dinheiro ou através da doação
de terras no Novo Mundo, além de percentuais sobre as riquezas
adquiridas com extração de minérios ou da
produção de produtos agrícolas. Portanto,
assim que chegam ao Maranhão, os colonos recusam-se a seguir
para o Pará. «Em terras amazônicas, o conflito
estalou entre Jorge de Lemos de Bettencourt e os colonos, que,
ao invés de seguirem para o Pará, ficaram no Maranhão,
situação que levou o rei a ordenar que se determinassem
os motivos por que tal acontecera.» (ibidem : 252)
Este primeiro conflito denota desde logo uma
situação que se tornaria comum nas expedições
posteriores: a falta de uma política real para a vinda
dos colonos que, sem garantias de qualquer ordem, acabavam por
se envolver em conflitos com os contratadores num primeiro momento
e, com os residentes locais num segundo momento. De fato, já
nesta primeira viagem, os colonos açorianos, com receio
de serem mortos ou de passarem fome do Pará, exigem do
rei que garanta a permanência de 333 pessoas no Maranhão
ou a terça parte dos mil indivíduos envolvidos que
Jorge Lemos de Bittencourt se obrigara a transportar. O contratador,
no entanto, insistia que a sua missão tinha sido cumprida
a serviço do rei e que os colonos eram apenas súditos,
sem vontade. «esta jente são suditos (sic) e não
tem vontade (....) toda esta gente veo por sua vontade para o
para como he notorio não tem de que se queixar.»
(ibidem : 253)
Apesar de representar a primeira tentativa de
colonização de homens livres em territórios
de além-mar, a falta de uma política de fixação
definitiva tanto por parte da Coroa Portuguesa, como dos contratadores
acabou por causar alguns transtornos ao processo de colonização
da nova região. A vida na nova terra, coberta por florestas,
animais selvagens e por índios, era muito difícil
e, por isso, havia a necessidade de usar a mão-de-obra
indígena para colaborar na instalação dos
novos povoamentos, mas também na organização
da agricultura, o que acabou gerando uma série de revoltas.
«Como em regra, no Maranhão, o colonizador usufruiu
a rivalidade tribal para efeitvar o seu projeto de domínio.
Entretanto, as etnias restantes do grande extermínio, bem
como os guerreiros nativos aliados, deveriam ofertar trabalho
à nova civilização em construção,
dividida em interesses de dois projetos: ora perseguidos pelo
colono que os queriam escravos, ora defendidos pelos jesuítas,
que os queriam cristãos e nas obras da Igreja.» (Martins
2002 : 23)
Para tentar resolver os impasses gerados por
essas revoltas, o Senado da Câmara que havia sido criado
provisoriamente em 1615 é finalmente instituído
em 1619 com o objetivo de organizar a vida civil e econômica
da ilha, ficando o Capitão Simão Estácio
da Silveira como juiz e Presidente; Antonio Simões como
Procurador; os Sargentos-mor
Antonio Vaz Borba e Álvaro Barbosa como Vereadores e Jorge
da Costa Machado como Juiz. «Dentre as medidas mais importantes,
cite-se a instalação da Câmara, de que Estácio
da Silveira foi feito juiz. Já em dezembro do mesmo ano
de 1619, regressava ele a Lisboa, credenciado pela Câmara
como procurador da conquista do Maranhão, cujos interesses
se propunha defender.»
(Duarte 2001 : 7-8)
As dificuldades enfrentadas pelos colonos não
impediu, no entanto, que
novas levas de imigrantes chegassem ao Maranhão, despertados
pelas promessas de uma vida melhor e de enriquecimento no Novo
Mundo.Do mesmo modo, era necessário insistir no povoamento
do extenso litoral da região Norte/Nordeste do Brasil que
continuava vazio e fustigado por invasões estrangeiras
e, do interior (sertão) que permanecia inexplorado e, por
isso, a Coroa Portuguesa estimulava os particulares com recursos
para participar do projeto de colonização. É
certo que os contratadores tinham que dispor de capital suficiente
para suportarem os gastos com os navios, os fretes e a alimentação
dos casais, sem qualquer garantia da Coroa de retorno, caso o
investimento
não desse certo. «A colonização era
não apenas o capítulo menor na aventura de guerra
e de controle de territórios, mas também deixava
esses homens e mulheres nas mãos dos seus agentes.»
(Marin 2002 : 44)
No entanto, o sonho da aventura de conquistar
o Novo Mundo e de encontrar aí grandes riquezas, tal como
aconteceu com a conquista espanhola na América do Sul e
Central, não impediu que em 1620, Manoel Correa de Melo,
conseguisse transportar 200 casais, oferecendo em troca 400 mil
réis para Jorge de Lemos Bittencourt. Antes, em 12 de julho
de 1619, Antonio Ferreira de Bittencourt, natural da ilha de São
Miguel, conseguiu uma autorização da Fazenda Real
dos Açores para transportar, no período de três
anos, cerca de 50 casais para o Maranhão, tudo à
custa da sua fazenda. De fato, o navio São Francisco chega
ao Maranhão no dia 29 de outubro de 1621 com 40 casais,
totalizando 148 pessoas, conforme consta a certidão datada
de 24 de novembro de 1622, apresentada pelo provedor da Fazenda
Real dos Açores . «Estavam esses colonos contemplados
no plano de governo metropolitano de instalar a indústria
de açúcar incluindo dois engenhos de moer cana-de-açúcar,
o primeiro sendo instalado na terra firme à margem do rio
Itapecuru.»
(ibidem : 43)
Politicamente, e por causa das dificuldades
de comunicação que existiam entre o Maranhão
e a sede do governo em Salvador, foi criado em 1621 o Estado do
Maranho e Grão-Pará, com capital em São Luís,
posteriormente desmenbrado do resto do país pelo alvará
de 21 de março de 1624. Este fato, juntamente com a criação
da Companhia do Comércio do Estado do Maranhão em
1682 transformou a região em exportadora dos produtos agrícolas
para Portugal, facilitando o intercâmbio entre a colônia
e a Coroa, mas também aumentando a necessidade de reforço
populacional em toda a foz do Amazonas. Esta companhia seria substituída
em 1755 pela Companhia Geral do Comércio do Maranhão
e Grão-Pará iniciando a exportação
de algodão para a Inglaterra, fato que acabou por separar
o Maranhão do Pará em 1774.
Os primeiros imigrantes açorianos foram
responsáveis pelo estabelecimento de uma base demográfica
mais estável para a ocupação e exploração
dos solos, incluindo aí também os responsáveis
pela viagem como aconteceu com o Capitão-mor Simão
Estácio da Silveira que recebeu em 30 de julho de 1619
duas léguas de terras e, uma outra por carta no dia 6 de
agosto do mesmo, confirmadas de acordo com a Ordenação
de Felipe III em 27 de julho de 1622, conforme registro das Chancelarias
Régias de Felipe III. Os colonos recebiam na sua chegada,
mantimentos fornecidos ou pelos contratadores ou pelo governo
local; terras para fazerem casa de moradia e para o aproveitamento
agrícola dos solos com as culturas de pimenta, tabaco canela
e também de cana-de-açúcar para a produção
de açúcar e aguardente.
Desbravador, Simão Estácio da Silveira
tudo fez para desenvolver a nova terra, conforme refere Duarte.
«Nesse sentido, de Lisboa e de Madri dirigiu petições
ao Rei, ora propondo novo itinerário para a prata extraída
do Perú, ora buscando arrendar a exploração
de pau-brasil, pelo que oferecia pagamento em dinheiro e se comprometia
a fundar povoações, desde que lhe fosse permitido
introduzir colonos e gado nas novas terras. Do muito que pleiteou,
nada obteve.»
(Duarte 2001 : 8)
Não conformado e ainda no governo do Capitão-mor
Diogo da Costa Machado, Simão Estácio da Silveira
escreve a obra Relação Sumária das cousas
do Maranhão: dirigida aos pobres deste Reino de Portugal,
onde relata com entusiasmo as riquezas e a exuberância da
nova terra. Ele começa por reforçar as fronteiras
que nesta época estavam a ser confirmadas pelo Tratado
de Tordesilhas:
«O Maranhão é uma conquista
muito grandiosa e dilatada, cuja governação Sua
Magestade tem demarcado desde o Ceará (que está
em três graus e um terço da parte do Sul) até
o último marco do Brasil, que está em dois graus
da banda do Norte, em que há de costa perto de quatrocentas
léguas até o rio de Vicente Yánez Pinzón,
onde dizem estar um padrão de mármore com as armas
de Portugal desta parte, e as de Castela da outra, mandado ali
fixar pela cesárea magestade do Imperador Carlos V. Corre
dele a costa a leste quarta a sueste. Tomou este nome de Maranhão
do capitão que descobriu seu nascimento no Perú,
e para o sul tem mais de quinhentes léguas pelo sertão.»
(Silveira 2001 : 29)
Depois, fala dos rios Munim, Itapecuru, Pindaré, Mearim
onde abundam peixes, mariscos e moluscos de todas as espécies,
«em todos e em cada um destes rios se pode fundar um reino
opulentíssimo, porque tem boníssimas águas,
muitos pescados, muitos excelentes terras, muitas madeiras, frutas
e caças.» (ibidem : 38), fala do clima ameno e suave
da região onde sempre é verão; da pureza
das águas com suas inúmeras fontes e ribeiras; da
fertilidade da terra onde se plantando tudo dá; do pão
feito de milho; do vinho feito de mel e de palma de babaçu;
dos rebanhos de bovinos, de caprinos e de suínos, além
dos muito animais de caça que viviam na ilha . Para este
açoriano, o Maranhão era a melhor terra do planeta
pela riqueza, abundância e tranquilidade tal como diz no
final da sua Relação :
«Eu me resolvo que esta é a melhor
terra do mundo, donde os naturais
são muito fortes e vivem muitos anos, e consta-nos que,
do que correrem os portugueses, o melhor é o Brasil, e
o Maranhão é Brasil melhor, e mais perto de Portugal
que todos os portos daquele Estado, em derrota muito fácil
à navegação, donde se há de ir em
vinte dias oridnariamente.» (ibidem : 63)
Em 1624, quando estas palavras são escritas
o Maranhão contava já com 300 habitantes, divididos
nas fortalezas de São Felipe e São Francisco em
São Luís; São José, no povoado de
Itapari e a de Nossa
Senhora da Conceição na região de Itapecuru.
Além dessas, contava com duas estâncias onde moravam
alguns franceses que ficaram na ilha, depois de casados com índias,
mestiços e portugueses, assim como 09 aldeias espalhadas
nas circunvizinhanças, cujos índios serviam aos
colonos.
Enquanto os franceses faziam nova tentativa
de colonização na região da Caiena, a partir
de 1633, disputando a área com os holandeses e ingleses,
novas levas de imigrantes estimulados pelas palavras de Simão
Estácio da Silveira-, chegaram no Maranhão em dois
períodos distintos, já depois de Portugal ter reconquistado
a sua independência em 1640. O primeiro foi em 1648-1649
quando um decreto real, expedido em 19 de setembro de 1648, quiz
recrutar 100 casais na ilha de Santa Maria, ou mais ou menos entre
500 a 600 pessoas, tarefa que foi concedido por ordem do Conselho
Ultramarino de 6 de abril de 1649 ao mercado alemão Martin
Filter. Deste modo, além dos 52 casais que foram de Santa
Maria, outras 365 pessoas da ilha de São Miguel chegaram
ao Maranhão em agosto do ano seguinte, conforme relata
Manuel de Sousa Menezes num artigo de 1952 .
Outra leva de imigrantes ocorre entre 1666-1667
quando outros 50 casais da ilha do Faial chegam ao Maranhão
e ao Pará, a pedido do governador Antonio de Albuquerque
Coelho de Carvalho que precisava de mão-de-obra para continuar
o processo de colonização da nova terra. Além
do governador, o representante dos colonos, Paulo da Silva Nunes
também escreve ao Rei de Portugal dizendo que a solução
estaria em povoar o Maranhão com casais da Madeira, fato
que levou a Coroa Portuguesa, através de decreto, a requisitar
anualmente 50 casais das ilhas.
Se a situação no Maranhão
era grave, a do Pará era muito pior já que, nesta
altura, existiam somente 200 casais em toda a região, um
contigente muito pequeno para consolidar o processo de povoamento
da região e consolidar uma política econômica
mínima de subsistência. Mais tarde, em 1674, o capitão-mor
da ilha do Faial, Jorge Goulart Pimental, embarcou 50 casais ou
234 pessoas provenientes da comunidade de Feiteira que havia sido
devastada por uma erupção vulcânica em 1672.
Assim, em 18 de agosto de 1675, a fragata Nossa Senhora da Palma
e São Rafael parte da ilha do Faial chegando a Belém
no ano seguinte para trabalhar na agricultura. Desta vez porém,
a solicitação de colonos exigia que os casais fossem
compostos por homens idôneos para o trabalho, cujas mulheres
fossem capazes de procriação, isto é, que
pudessem ter muitos filhos para formar novas povoações.
Além disso, os homens deveriam ter alguma profissão
ou pequeno ofício tal como ser sapateiro, lavrador, alfaiate,
carpinteiro, ferreiro, serralheiro, entre outros.
Novamente, em 1677, mais 50 homens, 47 mulheres
e 126 pessoas de
família partiram da ilha Terceira com direção
ao Pará, na charrua Nossa Senhora da Penha de França
e São Francisco, para consolidar a fixação
da Nova Terra fato que continou pelos anos seguintes, segundo
relatos da época. Apesar de todos os esforços de
fixação de colonos no Maranhão e no Pará,
os franceses continuavam a tentar marcar a sua presença
na região amazônica entre os rios Amazonas e Orenoco
até 1700 quando conseguem fixar-se na Guiana. «O
conflito fronteiriço luso-francês seria objeto de
um tratado em 1697 e de outro, provisório, em 1700, confirmado
por novo acordo de 1701. O tratado de 1700 estipulou que a fronteira
entre os territórios portugueses e os franceses era o rio
Oiapoque, também identificado como rio de Vicente Pinzón.
À França caberiam todos os territórios localizados
a norte do Oiapoque.» (Rodrigues & Madeira 2003 : 260)
Ainda assim, os conflitos sobre os limites territoriais atravessaram
os séculos XVIII e XIX e só acabaram em 1900 com
a fixação definitiva dos limites do Brasil e, depois
de vários tratados e acordos.
De qualquer modo, os problemas diários
enfrentados pelos colonos como o clima quente e úmido,
a falta de uma política econômica, o descumprimento
do acordo de fronteiras por parte dos franceses obrigaram a Coroa
Portuguesa a definir um novo projeto cartográfico do território
brasileiro e a realizar quatro grandes expedições
militares, destinadas a confirmar o domínio português
na região. «Seria somente durante o consulado pombalino
e na sequência do Tratado dos Limites m 1750, que novos
contigentes de Açorianos chegariam ao litoral amazônico
(...) Desse modo, desde o início de 1750 que assistimos
à execução por parte da Coroa Portuguesa,
de uma política de incentivos ao transporte de colonos
para o então Estado do Grão-Pará e Maranhão.»
(ibidem : 261)
De fato, é somente com a intervenção
pombalina em 1750 que os colonos passaram a ser denominados de
açorianos e a ter um tratamento diferenciado porque tinham
que cumprir dois objetivos claros: o de miscigenação
e o de urbanização. Para tanto, os colonos passaram
a ser pequenos proprietários de terras que antes pertenciam
a donatários, foram incentivados a produzir com financiamentos
públicos-, maior diversidade de produtos, entre os quais
legumes e mandioca para o abastecimento da região e até
poderiam receber honras e títulos pelo trabalho desenvolvido.
Assim, logo em 1751, 86 casais alistados na ilhas
ou 486 pessoas chegaram ao Pará por solicitação
do governador e capitão-general do Grão-Pará
e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado,
situação que se repetiria em 1752 quando em novembro
chegaram mais 432 pessoas das ilhas, entre os quais alguns velhos
e muitas crianças.
Estes colonos colaboraram na fixação dos povoamentos
de São José do Macapá, Bragança e
Ourém, no Pará, assim como os 900 soldados
açorianos que chegaram em 1753 para substituir os casais
desistentes.Contudo, as precárias condições
de sobrevivência a que foram submetidos, os comportamentos
reprováveis de alguns ilhéus, sobretudo dos degredados,
as informações sobre violência sexual contra
as índias e, principalmente os confrontos entre os colonos
e os escravos, índios e mestiços ou entre os colonos
e os contratadores continuava a impedir um projeto de povoamento
equilibrado. Apesar disso, a influência açoriana
contribuiu não somente para a fixação das
fronteiras, povoamento e miscigenação, mas também
para a fixação de capitais locais, a adaptação
de técnicas comerciais e agrícolas, a organização
de um mercado de trabalho escravo, o incentivo e diversificação
da produção agrícola. «A colonização
fez emergia um grupo de pequenos produtores escravistas, combinando
na relação terra, trabalho e crédito a dinâmica
da agricultura mercantil. Todavia, a entrada dos produtos nos
circuitos mercantis significou, em muitos casos, o endividamente
e a estagnação dos empreendimentos.»
(Marin 2002 : 58)
Durante todo este tempo, a França, a Inglaterra
e a Holanda continuaram tentando derrubar o princípio do
mare clausum, juntando ao direito divino aspectos do direito natural,
cujo argumento refutava a tese da Igreja. Os países alegavam
que o Papa não tinha o direito de transferir os territórios,
porque o dominium não dependia do direito divino, mas do
direito natural, daí que os títulos apresentados
por D. João III não tinham força nem vigor
de lei. Assim, para a França o conceito de propriedade
era o que se ocupava e se podia guardar, o que forçava
de alguma maneira Portugual colonizar o Brasil ou deixá-lo
livre para outros conquistadores.
Chamados de Os chineses do Ocidente pelo sociólogo
Gilberto Freire, os açorianos que, de fato imigraram para
o Maranhão, nestes primeiros
tempos instalaram-se, misturaram-se, casaram-se sem grandes preocupações
ou escrúpulos de cor, de origem, de cheiro ou de altura.
Também tinham um profundo sentido de família; eram
trabalhadores natos, com tino para a agricultura e o comércio,
mas não se lançavam a grandes empreendimentos, preferindo
o pequeno investimento.A família, a tradição,
o pequeno comércio, a capacidade teimosa de sobrevivência.
E uma religiosidade de fé, de certos cultos, mas pouco
eclesial como relata Monjardino: «são profundamente
rústicos, intensamente resistentes, são como a vinha
Isabela, que não cede às doenças mas que
só dá vinho rico depois de enxertada. Em qualquer
caso, quando as outras vinhas se perderam, a vinha de cheiro perdurou...»
(Monjardino 1980 : 47)
Passados quatro séculos desde a primeira
leva de imigrantes, ainda é possível observar vestígios
desta presença em todos os cantos do Maranhão. Da
festa do Divino do Espírito Santo ao baile de São
Gonçalo, das festas juninas ao carnaval passando pela culinária,
pela decoração e cores das casas, pelos nomes das
famílias e pelos traços fisionômicos a presença
açoriana ainda se faz sentir em cada sorriso do maranhense.
Estas vestígios aprofundaram o nosso sentido de identidade
lusitano, possíveis de manter em aberto a perspectiva de
uma memória comum que possa continuar movimentando o motor
da história de uma forma mais compartilhada e comprometida
com a manutenção e dinamicidade desta história
no mundo, não somente como uma maneira de se contrapor
a todas as tentativas de standardização/ homogeneização
cultural, mas como um processo específico de singularidade
e diferenciação.
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