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A conversa corria solta, alegre e descontraída
no café da manhã, ou melhor, no pequeno almoço
do hotel. Nas mesas, os muitos sons e vozes dos participantes
das II Jornadas da Emigração/Comunidades, deixavam
transparecer a pluralidade da vivência açoriana extravasada
em conversas, gracejos, imagens reunidas, que no bem dizer do
poeta Eduíno de Jesus “são essas coisas
de nada com que é feito tudo aquilo que é lindo
na vida e se guarda na arca da saudade para depois, quando já
não for”.
Na mesa em que eu me encontrava, Onésimo T. Almeida monopolizava
a atenção com seu jeito peculiar de contar histórias,
transformando fatos banais do dia a dia em deliciosas narrativas.
Contava que na noite anterior estiveram ele mais o Luis Antônio
de Assis Brasil e sua mulher Valesca, escritores brasileiros,
num serão na casa dos sobrinhos de Daniel de Sá,
na freguesia da Maia, onde assistiram a uma bonita Cantoria de
Reis. Minha curiosidade a esta altura já estava para lá
de aguçada pela simples menção do nome do
escritor Daniel de Sá. E, agora para completar ... Cantadores
de Reis. Lembrei-me que em Santa Catarina, os Santos Reis é
uma tradição largamente festejada e os grupos de
Ternos de Reis, nesta época, percorrem as vilas e freguesias
visitando as casas e cantando em trovas a história da Estrela-guia
e dos Reis Magos. Fiquei a escutar o Onésimo a falar dos
cantadores de Reis da Maia, com cor e sabor que só ele
sabe dar a uma história. Disse ele que os “Cantadores
aos Reis” chegaram à porta em um grupo com quatro
guitarras, violas e várias pessoas. Saudaram em cantigas
a família de Daniel de Sá, desejando um bom ano
e entraram na casa sempre a cantar. Lá dentro continuaram
a “botar cantigas” e depois outros entraram
na folia, entre os quais o próprio Daniel, enfatizava Onésimo.
As cantigas entraram, então, em “despiques”
pessoais entre os cantadores, como é o costume do lugar,
cada um gozando o outro e no final houve comes-e-bebes. Seguia
encantada a narrativa da tradicional Cantoria de Reis na Maia,
aqui relembrada em ricos detalhes.
Sim, ainda tinha o Daniel de Sá, o qual para Onésimo
é um excelente escritor e uma igualmente excelente pessoa
a quem vale a pena conhecer. – Impecável, completa
Assis Brasil.
- Tu o conheces, não? Perguntou-me.
- Quem não o conhece. Respondi.
Já descobrira o escritor Daniel de Sá. Talvez, um
pouco antes que o tivesse feito Joel Neto que o descobriu quando,
ainda estudante, num concurso de ortografia havia ganho uns livros
oferecidos pela Direção Regional de Cultura, como
confessou na comunicação “Festas de Amigos
e Cápsulas do Tempo” apresentada, recentemente,
na Praia da Vitória. Hoje, Joel Neto é uma nova
voz açoriana, a partir do continente, atento aos movimentos
globalizantes e ao processo cultural em que se insere, confrontado
com realidades e olhares do jornalista investigador e do escritor
ficcional.
Descobri Daniel de Sá pela difusão oficial da cultura
açoriana em terras catarinenses, nos anos oitenta, por
intermédio das inúmeras ofertas literárias
que chegavam do Governo Regional dos Açores e da Universidade
dos Açores.
Descobri, também, junto a um elenco de autores que dão
vida à literatura açoriana, dentro e fora do arquipélago,
nas inúmeras visitas que fiz e continuo fazendo sempre
que estou em São Miguel, a Livraria Sol Mar. Deixo-me ficar,
olhando, folheando e saboreando, sem pressa, tantos títulos
e nomes pertencentes desde há muito ao cânone literário
açoriano. Na parede, um painel de fotografias chama atenção
por retratar os ícones da cultura insular – alguns
amigos de longa data, cujos mundos aprendi a conhecer e a partilhar.
Entre eles, Daniel de Sá.
Mas, afinal, o que eu conhecera ou descobrira do Daniel? Por que
sua escrita me surpreende? Uma voz criativa a falar da freguesia
da Maia com sensibilidade, de histórias passadas com as
gentes, com as coisas, com a vida. Acrescenta significado, mexe
com quimeras, e brinca com a ficção num humor delicioso
e irônico. Fala sobre o homem e para o homem. O que de fato
lhe interessa é a condição humana. Escreve
para si, faz um registro de memória ou um testamento para
o Amanhã? Seu texto literário flui leve e singelo
revelando, em histórias curtas, a sabedoria popular, o
ser e o fazer acumulado por gerações e gerações.
A narrativa curta que explora com tanta propriedade não
é tarefa fácil. William Faulkner esclarece que quando
seriamente explorada “o conto é a mais difícil
e a mais disciplinada forma de escrever prosa.”
Daniel é mestre na novela, na crônica, no romance,
no ensaio, no conto. Prolífico em sua arte, faz da pena
o cinzel a esculpir uma esmerada produção literária
regionalista que tem na ficção de narrativa a maior
expressão. Num estilo incomparável, sua produção
se alimenta da história social, do tempo, do espaço
geográfico, colocados de forma autêntica. Tão
autêntica, tão sua, que pode ser transformada em
cédula ou bilhete de identidade. Wole Soyinka, prêmio
Nobel de Literatura diz que “o tigre não precisa
proclamar a sua tigritude.” Ou seja, quanto mais autêntica,
mais universal será a literatura. Assim, é a obra
de Daniel de Sá. Rica na imaginação, na psicologia
das emoções e na sociologia da sociedade rural,
nas quais mecanismos da dialética, da tese à antítese,
mostram caminhos de um processo histórico marcado pelo
fenômeno da emigração, pelo multiculturalismo,
por conflitos, pela condição de estar fora da Ilha
ou dentro dela.
Em Ilha Grande Fechada, belíssimo romance, inspirado
na tela do mesmo nome de Tomaz Vieira, o enredo desenvolve-se
em torno do homem ilhéu e seus questionamentos. É
João, personagem em pele de romeiro de São Miguel,
que durante nove dias de peregrinação revive seu
passado e reflete sobre o seu futuro ou a busca de um melhor destino
na emigração. Ponto a ponto o romance vai desnudando
personagens e fatos e dando a conhecer conflitos particulares
e coletivos, expostos algumas vezes de forma hilariante e caricata,
todavia retratando realidades inquestionáveis. O romance
apresenta a historicidade de um povo repartido por países,
culturas e vozes diferentes. Açorianos da diáspora
ou açorianos das Ilhas, os que ficaram. Diferentes e iguais
– sempre açorianos. Daí a afirmação
antológica “Sair da ilha é a pior maneira
de ficar nela” que já mereceu tantas citações
e encerra toda a essência desse romance que, com certeza,
ainda continua a comover por ser verdadeiro mesmo sendo ficção.
Uma verdade percebida por todos, testemunhada e vivenciada por
muitos nas mais diferentes maneiras e jeitos de estar ligado como
por um cordão umbilical a essas Ilhas.
Já na Crônica do Despovoamento das Ilhas,
em crônicas e cartas, volta o olhar ao passado e descreve
o modo de viver ilhéu, numa reprodução fiel
dos usos, costumes e linguagem. De um lado, a sua imaginação,
a criação de arquétipos, o tecer histórias
e do outro, o registro minucioso e documental, a dimensão
da memória coletiva de uma população desvalida
e ao mesmo tempo forte e resistente na adversidade, depositária
de seu patrimônio cultural.
Em seu último romance A Terra Permitida, tendo
por cenário o cotidiano da freguesia da Maia, a trama se
desenvolve a partir da história de vida de António
e Helena. Encontro Daniel de Sá na figura do narrador,
ubíquo e onisciente, a expor, como veias abertas, a vida
comunitária, as relações de trabalho, os
hábitos, as crenças, os valores sociais e morais.
Conflitos coletivos repassados por histórias construídas
e fundamentadas por lembranças ou registros da memória
do autor. Uma voz a conduzir e a transitar na complexa teia de
relações sociais e na urdidura das personagens que
construíram suas vidas desembaraçando os fios entrelaçados
nas vivências e nos códigos sociais e morais que
controlam essa mesma vivência.
Daniel de Sá descortina imagens e lugares da Maia no seu
jeito ímpar de colorir com muitos tons e humor o cotidiano
por vezes amargo da freguesia. No mosaico das emoções,
desvenda a alma das gentes e da Ilha e traz à tona, de
um lado, as mazelas sociais, o preconceito, o socialmente permitido.
Em outro, o romance de António e Helena, no seu conteúdo
novelesco, marcado pela personalidade forte de António
e pela ternura de Helena. Em sua trajetória o personagem
de António cresce e de seu microcosmo desafia a cegueira
de uma comunidade fechada, não se deixando vergar na constante
luta para romper o círculo desse universo, de vencê-lo,
de sobreviver e, enfim, de cruzar caminhos por essa Terra Permitida
mas tão distante da Prometida, aquela onde jorra leite
e mel.
Daniel de Sá, o professor, com sua escrita ensina; mostra,
ao leitor, a importância da percepção das
diferenças por meio da compreensão e do entendimento.
Mostra o amor solidário na desigualdade que os une e os
torna iguais. Com esta capacidade de perceber as sutilezas do
tempo, as inquietações e angústias da sociedade
moderna, as fragilidades e ambições do ser humano,
os valores e dignidades sufocadas pelo próprio homem, criou
e deu voz a personagens tão distantes como Charles Lawson,
o jornalista luso-americano de O Espólio, e Aharon
Csánady Halévy, o sobrevivente de Auschwitz, de
E Deus Teve Medo de Ser Homem. No entanto, tão
próximos nos questionamentos e no entendimento que têm
de si, de seu lugar no mundo, de suas escolhas, de sua capacidade
e de seus limites. Na compreensão de sua relação
ou não-relação com Deus. Em seu encontro
e desencontro.
Mas é em Sobre a Verdade das Coisas que a sua
arte de narrar, realmente me cativa. Conduz seus contos com pleno
domínio da palavra, usando da realidade como alicerce da
construção ficcional de cada história e personagem.
Tem como moldura acontecimentos conhecidos de toda a freguesia
e que estão bem vivos na memória de sua gente. Debruçado
sobre esses fatos humanos, corriqueiros, da faina diária
na luta pelo pão de cada dia, capta imagens e momentos
de tempos idos e rememorados pela tradição oral.
Faz o registro do passado que ficou para trás e do presente,
o agora, o ápice do tempo, na definição
poética de Jorge Luís Borges em Quem sonha.
Seus personagens passeiam livremente, de conto a conto, com espontaneidade,
ganham força e impressionam tanto como Manuel de Sousa
e Deolinda, seu Júlio Francisco, Tia Almerinda, Tio Alfredo.
Ele conhece o que narra e consegue se abstrair, como se tudo acontecesse
embaixo de sua janela e o próprio tempo, também,
passasse pela janela.
Daniel grava verdades e conta histórias. Gosto da narrativa
curta e admiro a capacidade de seu autor de manejar a palavra
e expressar o pensamento num exímio espaço. Mário
de Andrade, a propósito, escreveu em seu livro de crítica
literária O Empalhador de Passarinho que “conto
é aquilo que seu autor batizou com o nome de conto.”
Um gênero que certamente é mais adequado às
exigências do mundo moderno e da evolução
da comunicação escrita. Daniel de Sá, contista
expressivo, tem uma produção literária de
narrativa curta que é, reconhecidamente, paradigma de bem
escrever.
A descoberta do escritor Daniel de Sá levou-me a um breve
périplo por sua obra e despertou um desejo imenso de conhecer
a Maia, essa freguesia situada a 33 quilômetros de Ponta
Delgada, pertencente ao Concelho da Ribeira Grande, cujo povoamento
foi iniciado logo após o descobrimento da Ilha de São
Miguel, no século XV. Gaspar Fructuoso, no Livro IV, de
Saudades da Terra (1591), fala das curiosidades da freguesia,
dos moinhos, do dia a dia e do jeito de ser de seus habitantes.
Daniel de Sá a transforma em palco, num cenário
aberto, para a sua ficção.
No entanto, conheci a Achadinha, no Nordeste, terra do escritor
João de Melo. Mas, naquele lugar, os personagens de Daniel
passeavam sem cerimônia ao lado dos personagens do Meu
Reino não é deste Mundo e Gente Feliz com Lágrimas.
Estavam todos ali. Divertiam-se com a minha confusão. Como
no samba do crioulo doido ou numa aquarela bem brasileira do nosso
carnaval, onde enredos, sambistas, passistas e porta-bandeiras,
todos se encontram no ritmo envolvente e sensual do samba. Assim,
também, era o meu olhar para a Achadinha. De puro deslumbramento!
Tanto Daniel de Sá como João de Melo falam de gente
que leva o mundo dentro de si, falam da condição
humana, o seu problema fundamental, como escreveu o próprio
Daniel: “o meu problema fundamental é o da existência
humana, e esta tem muito ou tudo a ver com Deus.”
O mundo ficcional de Daniel de Sá cabia na Achadinha, do
mesmo jeito que o mundo de João de Melo, profundamente
marcado por esse meio ambiente, entre o mar e o céu. Eu
acabara de chegar e penetrava no espaço que pertencia (e
ainda pertence) a cada um de seus personagens. Será que
João, o romeiro da Ilha Grande Fechada rezou ao
pé do marco às Santas Almas? Ou bebeu água
daquela bica? Ou teria sido Nuno Miguel, de Gente Feliz com
Lágrimas? Ou, ainda, o Padre Governo de Meu Mundo
não é deste Reino? Pensava eu, enquanto
lia a inscrição gravada na pedra “Sufragar
as almas santas/ é dever não devoção/
quem os mortos esquecer/ não tem alma de cristão.”
Meu olhar atento perambulava... roupas penduradas no varal, balançando-se
ao sabor do vento, identificavam os habitantes da morada humilde.
Mais à frente, no muro do passado, o registro no Padrão
do desembarque, em 1831, das tropas liberais que, na batalha da
Ladeira da Velha, derrotaram os absolutistas.
Mesmo num ensolarado domingo de inverno, aquele povo do Nordeste
ainda se fecha por detrás de suas portas. Estariam de ouvido
à escuta? Nem todos. Sentados à mesa do Café
e Restaurante Esplanada alguns homens jogavam conversa fora num
paleio sem fim. Da esplanada visualizo o mar imenso, o verde garrafa
do campo amanhado e ao fundo as pastagens povoadas do gado preto
e branco, num belo contraste dos muitos tons iluminados pelo sol
da manhã. Enfim, sentimentos absolutos a medir ou a procurar
em cada olhar o cansaço da lida cotidiana ou a alegria
de um gostoso e morno domingo vivenciado entre amigos.
Ao visitar a casa da família de Adelaide Freitas, meu olhar
se detém em cada louça, cada móvel, cada
peça, pois todas parecem abrigar vida. Parei à porta
de um dos quartos, chamou-me a atenção a cama grande,
ancestral. Estava ali o centro do mundo, como o altar da casa
de Luísa e Emanuel Botelho de Gente Feliz com Lágrimas.
Imagens perpassam...de paixão, subordinação,
procriação e ternura. De corpos exauridos ao fim
do dia. De ruídos e emoções repartidas. Sim,
Nuno Miguel estava certo, trata-se de “um mundo perdido
e de um tempo presente que ainda falta inventar.” Mesmo
agora, todos parecem sobreviventes e ligados ao espírito
do lugar.
O tempo que estive na Achadinha fez-me sentir dentro de um mundo
onde a fronteira entre a realidade e a ficção era
tênue. Uma vivência perto do surreal. Fui tomada de
assalto por aquela paisagem exuberante que abraça a gente
por inteiro. Perdi-me no verde de todos os matizes, no cheiro
da terra, no som cristalino da água da fonte. Ao longe,
o mar, azul profundo a provocar o imaginário, a salgar
a pele na maresia do tempo, a apontar rotas e a aproximar vidas.
No regaço, a camélia branca colhida no caminho de
volta, no leito da estrada, enquanto no som do carro a melodia
inebriante de “La Vie en Rose”, na maravilhosa
voz de Edith Piaf, propaga-se no espaço e mexe forte com
minha emoção. Imagens inesquecíveis! Momentos
para guardar assim como os versos suaves de João Teixeira
de Medeiros perpetuado no painel de azulejos lá no Miradouro
da Ponta do Sossego. Olho a janela, vejo o reflexo da esperança
que partiu no último raio de luz daquele dia. No silêncio
que alenta meus pensamentos, aguardo a noite que chega de mansinho
diluindo a saudade que ficou .
Retornei à Ilha de Santa Catarina e esta conversa com Onésimo
T. Almeida deveria ter sido dada por encerrada. Mas tal não
aconteceu. No último junho, regressei a São Miguel
e pude, finalmente, conhecer Daniel de Sá e sua Maia, levada
pelo escritor e poeta Urbano Bettencourt, meu amigo de longa data.
O próprio Daniel recebeu-nos à porta de sua casa,
na rua dos Foros, bem junto à Igreja Matriz que tem por
orago o Espírito Santo. De imediato, um clima de camaradagem
se estabeleceu e já no instante seguinte conversávamos
como velhos amigos. Era tanto para indagar, para contar e partilhar.
Tantos assuntos! Eu tagarelava sem parar, como incansável
faladeira que sou. Daniel, paciente a tudo, respondia e informava
com imensa simpatia. Missão que dividia com Urbano Bettencourt,
cuja companhia agradável e enriquecedora estimulava o intercâmbio
de idéias. Entramos os três a caminhar rua abaixo,
numa palração animada, em direção
a uma esplanada localizada à beira-mar. Numa mesa, rodeada
pela beleza palpitante e luminosa da Maia, deixamo-nos ficar por
um bom tempo usufruindo da gostosa tarde. A conversa se enveredou
por mil rumos: história, aspectos políticos e sociais
dos nossos países, vertentes literárias nos Açores
e no Brasil, escritores de lá e de cá, Encontros
dos escritores açorianos no Solar de Lalém, amigos
comuns e histórias partilhadas, Festa do Espírito
Santo na Maia (não poderia faltar!), o imaginário
popular e o fantástico nas nossas Ilhas. Enfim, assuntos
não faltaram refletindo distanciamento e aproximação
das duas margens desse rio alargado chamado Atlântico, como
bem disse Onésimo. A testemunhar este encontro memorável:
o mar, a terra, a Maia. A imensidão do mar, numa dança
de tons verde e azul ametista que se misturam e se confundem com
a branca espuma das ondas a beijar a areia escura da fajã
vulcânica. Ao largo, o esplendor da verdejante paisagem
contrastada com o branco das casas alinhadas nas encostas dos
morros.
Sim, uma tarde para lembrar. Desfrutada na companhia de pessoas
especiais e no degustar de cada palavra, como se fosse um vinho
precioso envelhecido em sólido barril de carvalho. Palavras
trocadas como a palavra prima de que fala Chico Buarque
de Holanda, que não é de escrita e sim do coração.
Muitas fotografias registraram este dia. Porém, segundo
o Eduíno de Jesus, poeta a falar lá de Lisboa, “registram
mas não servem para matar as saudades senão para
as exacerbar. Mas é bom o delicioso pungir de acerbo espinho,
quando é o da saudade de momentos e pessoas.”
Voltei da Maia, trazendo a 2a. edição de Sobre
a Verdade das Coisas, oferta do autor Daniel de Sá,
que traz três contos novos sobre animais (“Loirinha,”
“Malino,” “Calçado”) e duas histórias
(“Buns Anos” e “Sapatos Novos”) tão
autênticas como a maioria das outras. Uma verdadeira delícia!
Aliás, por e-mail, confidenciou Daniel que Branca “a
rapariga da história dos sapatos ainda é viva, e
é a mesma que junto com o marido Manuel apareceu em A
Terra Permitida, na história do tremor de terra que
não foi.”
Conhecer Daniel de Sá e o conjunto de obras que compreendem
sua vasta bibliografia é viajar no tempo, penetrar no imaginário,
é entender o processo cultural desenvolvido nos Açores
e nas comunidades açorianas da diáspora. Não
só. Pois Daniel é um escritor sem limites, nem fronteiras,
nem amarras. Escreve da freguesia da Maia, mas engana-se quem
pensar que esteja isolado, longe do mundo culto, num aquário,
hermeticamente fechado. Não está. Seu espaço
é imenso. É o oceano que o rodeia na Maia e de lá
se faz ouvir. E muito bem!
Nota : Não me enganara ao querer aproximar os mundos de
ficção de Daniel de Sá e João de Melo
nas minhas andanças pela Achadinha. A ligação
existe desde sempre. Dos tempos de professor primário ao
fazer os exames da turma da 4a. classe e lá mesmo conhecer
o professor de João de Melo, personagem de Gente Feliz
com Lágrimas. De reconhecer na Feteira Pequena cenários
que lembram o Meu Mundo não é deste Reino
ou quando ia até a Achadinha jogar futebol. Por outro lado,
foi na Maia que o João de Melo recebeu seu primeiro prêmio
literário da Associação de Cultura e Recreio
a Balada, pelo seu livro Entre Pássaro e Anjo,
no I Encontro de Escritores Açorianos realizado no Solar
de Lalém e organizado pelo Daniel de Sá.
A ponte entre os dois existe para além da ficção,
na admiração e nos laços de amizade que os
unem .
Lélia Pereira da Silva Nunes
Florianópolis - Ilha de Santa Catarina
Julho de 2004
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