ERMELINDO ÁVILA

PE. JOSÉ RAPOSO FERREIRA

Ao longo da vida tenho encontrado bons e dedicados amigos. Pessoas
desinteressadas que se dedicam pela simples amizade fraterna. E muitos deles vem da já longínqua juventude, naquela época distante em que se criam sólidas amizades que se mantêm pela vida fora. Não daqueles de que fala Manuel Bernardes (Nova Floresta, I, pág.143):"Quando alguém tem pão em sua casa, tem também em sua casa amigos". E continua: "Essa casta de amigos, não meus, senão do meu, tem várias semelhanças que declaram mais a sua falsidade" Mas há amigos meus. Dedicados. Desinteressados. Apenas fieis a uma amizade que vem do coração.
Era assim o Pe. José Raposo Ferreira. Dedicado aos amigos, jamais procurou deles se "aproveitar" para conseguir algo em proveito próprio. Conheci-o deste a juventude. Fomos colegas de curso. Um companheiro excelente. Incapaz de prejudicar os outros, embora por vezes não deixasse de discordar das opiniões alheias com veemência.
Se vivo fosse o padre José Raposo Ferreira teria completado no dia 12 de Setembro último, noventa anos de idade.
Natural da Lomba do Botão, da Vila da Povoação, São Miguel, o Padre Raposo foi ordenado pelo Bispo Dom Guilherme Augusto Inácio da Cunha Guimarães, (depois de sagrado Bispo de Angra em 1928, não desejava que mencionassem o apelido "Inácio" na Sé de Angra), conjuntamente com um grupo de cerca de vinte colegas no sacerdócio, em 12 de Junho de 1938, sendo a seguir nomeado Pároco da Criação Velha, desta Ilha.
Estou a ver desembarcar o Pe. Raposo, do navio "Lima", que então fazia carreira entre Lisboa, Madeira e Açores e aqui chegava mensalmente no dia 15. Com ele veio o colega, Pe. Anselmo, para pároco da Candelária. Mas foi curta a demora deste último naquela paróquia.
O padre Raposo por cá se conservou a vida inteira de sacerdote.
Esteve de Pároco da Criação Velha durante cinquenta e um anos. Meio século!
E ali terminou a sua existência, num brutal acidente de viação, em 1989.
Fazia a sua habitual viagem até à Madalena, depois de haver celebrado a Eucaristia na sua Paroquial. Um acontecimento que enlutou aquela zona da Ilha e
quantos o conheciam e com ele tinham amizade. O Padre Raposo era um bom. Sempre bem disposto, com um sorriso que a todos cativava. Nem sei se alguma vez teve uma palavra menos correcta com qualquer
interlocutor. Foi um autêntico benemérito, em boa verdade, para a Criação Velha. Quando ali chegou a freguesia vivia em sérias dificuldades económicas. As vinhas estavam abandonadas porque o vinho nem preço tinha e a sua exportação era difícil. O Pe. Raposo começou por comprar algumas e iniciou a sua recuperação, começando por assalariar alguns trabalhadores da localidade. E foi alargando as compras e desbravando e arroteando os terrenos. Aumentou a produção e deu trabalho aos trabalhadores locais.
Nunca esqueceu a terra natal. Dela era um apaixonado defensor. E até nunca perdeu o sotaque ou dialecto micaelense. Nisso tinha até grande orgulho.
No verão viajava sempre até São Miguel e aí fazia venda dos seus vinhos aos comerciantes locais. Estimulou outros vinhateiros e foi assim que a produção vinícola da Criação Velha se desenvolveu satisfatoriamente. Os anos foram decorrendo, a freguesia da Criação Velha começou a prosperar, principalmente com a criação da Adega Cooperativa e o Padre Raposo passou a vender os seus terrenos. Tinha chegado a hora de passar o facho a outrem...
Todos os dias visitava a Vila onde tinha bons e simpáticos amigos que no Café Central, salvo erro, faziam o seu ponto de encontro. A cavaqueira prolongava-se até à "lancha da tarde", Dr. Luís Mendonça, João Quaresma, Eng. Manuel Costa, Francisco Pessanha e poucos mais, ali se encontravam não faltando o Guarda - fiscal, Bilro, já reformado.
Depois recolhia à sua casa na Criação Velha, viajando no seu carro, sempre em marcha moderada. E por lá ficava.
E foi numa dessas viagens, entre a freguesia e a Vila da Madalena, que a morte o levou.
Há dias, alguém da Criação Velha, recordando o Padre José Raposo, dizia-me: Casou meus pais. Baptizou-me e casou-me a mim e baptizou os meus filhos. Passados estes anos todos, toda a gente da Criação Velha recorda o antigo Pároco. E os que o conheceram dele falam com simpatia e algo de saudade.
Também o lembro neste escrito com saudade. Menos um dos amigos da juventude, que cedo - aos setenta e quatro anos - desapareceu . E já passaram dezasseis anos!

Vila das Lajes, Dezº. 2005
Ermelindo Ávila