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Duas profissões tradicionais na ilha
do Pico, exercidas pelas mulheres. Qualquer delas muito dignas
e valiosas para a economia familiar. Eram exercidas em praticamente
toda a Ilha, se bem que com incidências particulares em
diversas freguesias.
Nas ditas profissões andavam também envolvidos os
homens particularmente o Francisco Rodrigues das Neves, ou o “Francisco
do Alto”, da Candelária, que percorria a ilha mensalmente
a distribuir o fio pelas rendeiras e a recolher os trabalhos executados.
O outro era o João Alvernaz, ou “João dos
Queijos”, da freguesia de São João. Este mais
antigo e que limitava o seu jornadear de São João
à Vila da Lajes, onde se deslocava numa pequena carroça
puxada por uma burrinha, actividade que terminou com a abertura
da Estrada Lajes-Piedade, ao que julgo.
O Dr. Manuel Alexandre Madruga, no excelente trabalho que publicou
no “Boletim do Núcleo Cultural da Horta” (Vol.
l, nº . 2 – Dezº .1957), “A Freguesia de
S. João Baptista da Ilha do Pico na Tradição
Oral dos seus Habitantes”, dá-nos notícia
do início da actividade industrial naquela freguesia. E
escreve:” Da pastorícia deve ter surgido ...
a indústria da tecelagem e a do fabrico do queijo, que
a breve trecho, se desenvolveram apreciavelmente.
“O primeiro aproveitamento da lã deve ter sido completamente
manual: - a fiação executava-se por meio dos fusos
que ora subiam ora desciam no seu rodopiar vertiginoso saído
das mãos experimentadas das nossas avós; depois,
servindo-se de toscas agulhas, elas fabricavam os pesados tecidos
com que as pessoas se vestiam ou agasalhavam.
“Mais tarde surgiram os teares, como por toda a ilha, chegando
a alcançar justa fama.( ...)
“Nos teares fabricavam-se primorosamente variados tecidos
de lã para roupas exteriores e agasalhos, alvos tecidos
de linho para lençóis, toalhas e vestuário
interior, e também os artísticos e ainda hoje apreciados
cobertores de linho e lã.
“A indústria do queijo, originária da própria
freguesia, pois foi ali que se fabricou o primeiro queijo do Pico,
deve ter-se desenvolvido paralelamente à da tecelagem por
serem ambas produto da actividade pastoril tão do gosto
daquele povo.
“No fabrico do queijo havia, e ainda há, segredos
próprios e especiais cuidados higiénicos (um simples
argueiro encontrado num queijo desacreditava uma casa por muito
tempo). Mercê do seu sabor inconfundível e da sua
apresentação cuidada, o queijo de São João
(ou do Pico como era também conhecido) conseguiu merecida
fama por quase todas as ilhas dos Açores e até do
Continente.”
Mas, apesar dos cuidados no fabrico do queijo, na década
de trinta houve um decreto governamental que, tentando proteger
o fabrico, provocou praticamente o desaparecimento do fabrico
caseiro, dando origem a pequenas fábricas, que acabaram
por desaparecer.
O mesmo aconteceu já na vigência do Governo Regional,
com a instalação de pequenas fábricas, denominadas
“Queijarias”, cujo desenvolvimento não tem
sido, creio, muito feliz.
O João dos Queijos, como era conhecido nas décadas
de vinte e trinta do século passado, vinha semanalmente
até ao fim da vila receber as celhas com os queijos que
lhe traziam as fabricantes de Pontas Negras, Santa Bárbara
e Arrife. Recolhia-os em local apropriado da sua residência,
em S. João, e aí os tratava cuidadosamente. À
segunda-feira fazia seguir uma parte dos queijos, já entrados
em cura, na lancha das Lajes que fazia viagens entre o Sul do
Pico e o porto da Horta. Naquela cidade tinha fregueses certos
que transaccionavam o produto apetecido.
Durante a “Semana dos Baleeiros”, foi lançado
no “Auditório Municipal” um magnífico
trabalho sobre as “Rendas dos Açores-Ilhas do Faial
e Pico” uma edição da Secretaria Regional
da Economia, da Adeliaçor e da Associação
para a Salvaguarda do Património Cultural de S. João
– O Alvião, com sede na freguesia de São João.
Os textos são da autoria da Doutora Maria Norberta Amorim,
da Dra. Teresa Perdigão e do Dr. Alberto Correia. A obra,
largamente ilustrada com variados modelos de rendas fabricadas
nas ilhas do Pico e Faial, faz o historial da industria à
volta da Ilha, principiando por recordar a primeira geração
de rendeiras de farpa, “As pioneiras”, “Reorganização
social – rendeiras e comerciantes”, etc.
Convém aqui recordar as “intermediárias”
que, tal como o Francisco do Alto, da Candelária, tinham
rendeiras em toda a Ilha, sendo a freguesia de S. Mateus aquela
que mais se dedicava à tradicional actividade.
Por fim “Rendas dos Açores - Ilhas do Faial e Pico”
dá relevo a Isilberta Peixinho, “o ponto alto das
Rendas”, uma senhora faialense que se dedicou , quase uma
vida, ao negócio das rendas, recebendo o artigo das rendeiras
picoenses , seleccionando-o e classificando- o .
“Essas rendas artísticas foram exportadas para o
Continente, para casas de especialidade em Lisboa e no Porto,
mas também para o estrangeiro, sendo os principais mercados
o México e a Argentina” (pág. 79 da ºc.)
Na Horta havia outras mais casas dedicadas ao comércio
de rendas, como a antiga “Casa dos Bordados”. E o
«mesmo na Ilha do Pico, 0nde vários eram os negociantes
de rendas, que as exportavam directamente para São Miguel
e Lisboa. .
Um negócio algo rendoso que acabou praticamente quando
abriram as fábricas de conservas, também de efémera
existência.
Terminou o chamado negócio das rendas, a venda de queijos
de porta em porta, o fabrico de carvão e a exportação
de lenhas, (cacetes e achas), e até a venda de frutas.
Tudo se quis controlar e tudo acabou...
Recolher em livro artístico as rendas do Faial e Pico foi
um acto meritório. Em Nota do Editor ficou escrito:”
A ADELIAÇOR está certa que, o trabalho publicado
vem dignificar a Mulher e as rendas do Pico e do Faial, pelo seu
contributo no contexto da sociedade destas ilhas.” E a Doutora
Maria Norberta Amorim afirma eruditamente: “Quando, na década
de 1960, se abriram novamente os destinos americanos, a população
de S. Mateus / S. Caetano, como de toda a ilha, iria cair ainda
mais abruptamente do que em meados do século XIX, afectando
todos os serviços. A produção de rendas não
seria excepção.”(pág. 27)
E não vou referir mais, porque não cabe nos limites
deste modesto trabalho, o que no livro se escreve em louvor das
rendeiras picoenses, com particular relevo para S. Mateus e S.
Caetano.
Setembro 2004
Ermelindo Ávila
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