VICTOR RUI DORES - Tomás da Rosa - sua vida e seus escritos


O dr. Tomás da Rosa é uma referência indelével no imaginário de várias gerações de estudantes. Não tive a fortuna de ter sido seu aluno. Porém, foi-me dado o privilégio de com ele privar de perto, durante alguns anos na Escola Secundária da Horta. Conheci-o em 1982. No entanto, já tinha conhecimento do seu nome enquanto autor de importantes estudos no domínio da ensaística literária açoriana. Sabia também, através de amigos faialenses que conheci noutras paragens, da existência de algum anedotário relacionado com a sua proverbial distracção...

Mas foi numa tarde fria de Outubro que, na sala de Professores da Secundária da Horta, o vi pela primeira vez. O dr. Tomás da Rosa estava sentado naquele seu jeito peculiar: com a mão esquerda pousada sobre os joelhos e a direita apoiando o rosto, entregava-se, de olhos semi-cerrados, a indecifráveis meditações... Durante algum tempo permaneceu naquela posição. Depois levantou-se, dirigindo-se ao bengaleiro para recolher o chapéu e gabardina. Foi então que a ele me dirigi e, timidamente, me apresentei. Ele suspendeu o gesto, fitou-me nos seus olhos piscos, e recebeu o meu aperto de mão com amável simpatia.

Recordo-me que, neste primeiro contacto, o dr. Tomás da Rosa falou-me do seu descontentamento em relação às sucessivas reformas de ensino. Depois discorreu sobre as condições atmosféricas daquele dia e sobre os perigos das correntes de ar... Mas houve uma coisa que ele me disse e que eu dificilmente esquecerei: foi quando, referindo-se à imperiosa necessidade de os nossos alunos saberem latim, citou o abade de Os Maias, de Eça de Queiroz, naquele seu ar de serena bonomia: "Deve-se começar pelo latinzinho, deve-se começar por lá... É a base, é a basesinha"...

Desde então escutei-o com enlevos de discípulo atento.

De resto, sobre este homem paciente e obstinado, escrupuloso e céptico, o mínimo que se poderá dizer é que, com ele, todos aprendemos alguma coisa.

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Tomás da Rosa Pereira Júnior nasceu a 20 de Dezembro de 1921, no lugar de Santo António do Monte, freguesia da Candelária, concelho da Madalena, ilha do Pico, Açores. Filho mais velho de Tomás da Rosa Pereira e de sua mulher Narcisa da Rosa Pereira, teve cinco irmãs e um irmão. Fez a instrução primária na escola oficial da sua freguesia natal que frequentou desde Outubro de 1929 até ao fim do ano lectivo de 1933, tendo então feito o exame da 4ª classe, na Madalena, ficando distinto. Foi sua professora D. Maria Amélia Amaral que sempre "falava dele com grande admiração, louvando as suas qualidades de criança respeitadora, obediente, cumpridora e sua inteligência extraordinária", segundo Olívia do Coração de Jesus Pereira, irmã de Tomás da Rosa, também já falecida, e que escreveu um interessante artigo intitulado Tomás da Rosa Pereira Júnior (cf. "Açoriano Oriental", de 7 de Julho de 1994) e de onde colhi algumas informações biográficas do autor visado.

A um apelo de D. José da Costa Nunes, então Bispo de Macau, Tomás da Rosa embarca no vapor "Lima" que sai da Horta a 16 de Setembro de 1933, rumo a Lisboa. Com ele vão mais quatro rapazes do Pico, Faial e S. Jorge. Em Lisboa junta-se-lhes outro, de Freixo-de-Espada-à-Cinta. Eram seis adolescentes que nesse mesmo ano ingressam no Seminário de S. José de Macau. Aqui, o Tomasinho ou Tomás Júnior, assim chamado para se distinguir de outro Tomás, seu primo que com ele fora para o mesmo Seminário, revelou-se sempre um aluno exemplar e distintíssimo. O Seminário de São José de Macau, servido por mestres altamente qualificados, ministrava um ensino que tinha fama de poder equiparar-se ao do nível universitário.

Sentindo que não tinha vocação para o sacerdócio, aos 18 anos expôs o caso ao seu director espiritual que o aconselhou a continuar no Seminário até à maioridade que completou a 20 de Dezembro de 1941.

Em Janeiro do ano seguinte, passou a viver na Residência Paroquial da Sé e, também, na Residência Paroquial de São Lourenço. Estava indigitado para ir para Roma formar-se em Teologia Dogmática e Direito Canónico, mas não aceitou por falta de vocação. No entanto, quando saiu do Seminário (onde se encontrava no 2º ano de Teologia) foi uma surpresa que chocou todos os colegas porque o seu bom comportamento e aplicação não deixara ninguém desconfiar da decisão que tomara. Deixando o Seminário, Tomás da Rosa cumpriu o serviço militar como soldado raso, deu explicações particulares para sobreviver e prestou provas de exame do 7º ano no Liceu Infante D. Henrique, de Macau, com nota elevada.

Em 1946 regressou à Metrópole no "Colonial", o primeiro barco da marinha mercante portuguesa que foi àquela colónia após a Segunda Guerra Mundial e que levou três meses para chegar a Lisboa pela rota do Cabo.

Com 24 anos de idade, Tomás da Rosa chega às Lajes do Pico a 3 de Maio, vindo no vapor "Lima", o mesmo que o levara em 1933. Vinha decidido a continuar estudos superiores. A alta classificação obtida nos exames do 7º ano do Liceu dispensou-o do exame de aptidão à Universidade. Mas este facto não pesou no critério de selecção para concessão de Bolsas de Estudo a que Tomás da Rosa se candidatou - o requerimento foi-lhe indeferido com a informação de que a Junta Geral da Horta só concedia bolsas de estudo a alunos distintos e que iriam estudar o que se entendia por cursos distintos, paradoxo incongruente e inexplicável.

Sem dinheiro, mas decidido a lutar para tirar o curso universitário, Tomás da Rosa ingressou, em 1946, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde, em quatro anos, completou o curso de Filologia Clássica, obtendo sempre, e apenas com outro colega, a média mais alta e sendo sempre o mais bem classificado em Latim. Era um latinista nato. Não perdeu nenhum ano nem nunca deixou cadeiras para a segunda época. Obteve a média de 17 valores no curso. Chegou a ser convidado, ao que se julga, por duas vezes para Assistente na Faculdade onde se licenciou, cargo que nunca desempenhou, mas uma vez aceite teria sido indubitavelmente lente laudativo da referida Universidade. Para se manter teve isenção de propinas e recebia uma Bolsa de Estudo a troco de serviços que prestava e que dependiam do Ministério da Educação. Situação idêntica enfrentou nos dois anos de estágio em Coimbra - dar explicações para viver. Fez o exame de admissão ao estágio no Liceu D. João III de Coimbra, o único onde então se estagiava para professor dos Liceus. Eram 16 candidatos de vários cursos, sendo cinco de Filologia Clássica. Destes, só ele é que não reprovou. Durante os dois anos de estágio (de 1950 a 1952) fez quatro cadeiras de Pedagógicas e preparou a tese de Licenciatura. Em 1952 foi colocado interinamente no Liceu da Horta, onde se efectivou e sempre ensinou até ao ano lectivo de 1988/1989, altura em que se aposentou. Entre 1964 e 1972 exerceu o cargo de Vice-Reitor daquele estabelecimento de ensino.

Casou com Lucília Rebelo Viana da Rosa Pereira a 2 de Setembro de 1953. Tiveram três filhos: Natércia de Fátima Viana da Rosa Pereira, Afonso Nuno Viana da Rosa Pereira e Luís Fernando Viana da Rosa Pereira, que é casado com Fernanda da Conceição Silva Marques Pereira. A esposa faleceu a 10 de Março de 1981 e o filho Afonso a 7 de Abril do mesmo ano.

Tomás da Rosa viria a morrer a 11 de Maio de 1994.

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Homem de vastíssima cultura, de extraordinária inteligência e de prodigiosa memória, frontal e corajoso, Tomás da Rosa era igual a si próprio. O seu pensamento humanista, a sua integridade moral e a sua agudeza de espírito fizeram dele um homem respeitado por todos. Ele foi um erudito. Não um erudito enfatuado e petulante, daqueles que fumam cachimbo e falam com arrogância de ex-cathedra. Bem pelo contrário: ele foi um homem humilde e generoso, esclarecido e moderado, vivendo com muitas dúvidas e poucas certezas.

E essa contínua e continuada dúvida foi ele escrevendo-a ao longo de anos, em jornais, revistas e livros. Efectivamente, a voz deste homem franzino soube testemunhar e soube interrogar algumas das mais prementes inquietações culturais do nosso tempo. A prova disso é a vasta colaboração que ele tem dispersa por revistas e jornais: "O Clarim" (que era o órgão da Juventude Escolar Católica), "Correio da Horta", "O Telégrafo", "O Dever", "A União", "Vigília", "Arauto" (jornal académico do Liceu da Horta), "Atlântida", "A Ilha", "Diário de Moçambique", entre outros periódicos.

Com efeito, este estudioso protagonizou, ao longo de várias décadas, uma permanente e decisiva actividade cultural. Tal acção traduziu-se na produção escrita em áreas tão diversificadas, como o ensaio literário, a crítica literária, a crónica, o artigo de opinião, o prefácio, a poesia, a palestra, a conferência, a recolha linguística e, faceta por enquanto inédita deste autor, o conto.

Dos seus estudos mais importantes, o destaque vai para autores como Roberto de Mesquita, Nunes da Rosa, Florêncio Terra e Garcia Monteiro. A par de Vitorino Nemésio, Dinis da Luz e Eduíno de Jesus, ele é o grande divulgador da obra de Mesquita. Os prefácios que escreveu, quer para o livro Pastorais do Mosteiro, de Nunes da Rosa, quer para a 3ª edição de Almas Cativas, de Roberto de Mesquita, são hoje matéria de leitura obrigatória para quem quiser iniciar estudos sobre aqueles autores.

A dimensão pedagógico-didáctica está sempre presente nos estudos de Tomás da Rosa. Daí a intenção de suscitar o interesse dos leitores (estudantes, críticos, estudiosos em geral) para a relação da escrita do ensaio com a da criação literária. É sempre o professor Tomás da Rosa que fala e nos fala nos seus escritos, mesmo quando envereda por "petites histoires" biografistas, género: "o pai de Almeida Garrett era do Faial" ou "a mãe de Fernando Pessoa era natural da ilha Terceira".

Como autor publicado, Tomás da Rosa deu à estampa os seguintes títulos:

As Éclogas de Henrique Caiado, assunto da sua tese de licenciatura, com notas, comentários e tradução, publicada em separata de HUMANITAS no ano de 1954, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Miragem do Tempo, seu único livro de poesia, publicado em 1956 na Colecção Cadernos do Pensamento, do Seminário de Angra do Heroísmo. Livro de pendor simbolista, nele está incluído o poema "Gonçalo Velho" que havia recebido, em 1951, o Prémio António Sardinha, nos Jogos Florais da Universidade do Porto.

Em 1996, o Núcleo Cultural da Horta edita uma 2ª edição (crítica) de Miragem do Tempo, com introdução, notas e comentários de Manuel Tomás Gaspar da Costa.

O Infante D. Henrique e a Missão Civilizadora de Portugal, separata do vol. 2 do Boletim do Núcleo Cultural da Horta, publicado em 1960 e do qual Tomás da Rosa foi sócio fundador.

Evangelização a partir dos Açores, de 1985, separata da revista "Atlântida" e que dá conta de alguns dos nomes que mais se distinguiram dentro do clero açoriano.

Alguns Estudos, livro publicado em 1990, numa edição da Câmara Municipal da Horta, com coordenação do autor destas linhas, e que reúne os mais importantes trabalhos de Tomás da Rosa na área do ensaio literário.

Dos inéditos de Tomás da Rosa que ficaram remetidos à gaveta, há uma colectânea de contos que ele deixou pronta para publicação. Trata-se de Contos da Ilha Morena (Núcleo Cultural da Horta, 2003). Esta obra póstuma, que nos revela um ficcionista de apreciáveis recursos, foi coordenada por Manuel Tomás Gaspar da Costa.

Este autor figura no Dicionário de Literatura Portuguesa, Brasileira e Galega, dirigido por Jacinto do Prado Coelho.

Ruy Galvão de Carvalho inclui Tomás da Rosa na sua Antologia Poética dos Açores (II volume, SREC, Angra, 1979), chamando a atenção para a sua poesia de expressão modernista e que, segundo ele, "contém ritmo interior, fino lirismo e beleza formal".

Torna-se, por conseguinte, imperioso continuar a publicar inéditos deste autor, que soube assimilar modelos literários e emitir juízos culturais. Um homem que, acima de tudo, soube apreciar as palavras e as ideias daqueles para quem a literatura é um compromisso de vida e de paixão.

Victor Rui Dores