Alcunhas Regionais


Por: Ferreira Moreno

O dicionário define “alcunha” de forma simples e sucinta: Epíteto dado à alguém geralmente derivado de certa particularidade física ou moral. “Em contraste, o Dr. Luís da Silva Ribeiro apresenta uma definição mais explícita, a saber:
“Há alcunhas alusivas ao indivíduo considerado em si próprio, a parentes, a condições de vida e ao estado civil. Há alcunhas relacionadas com a posição social, ofícios mecânicos, profissões, navegação e diferentes ocupações. Há alcunhas que visam qualidades físicas e morais expressas directamente ou por comparações com animais, plantas e minerais. Há alcunhas referentes a comidas, bebidas, vestuário, hábitos, ideias mágicas e religiosas, instrumentos de trabalho, números, medidas, dinheiro e fenómenos atmosféricos. Há alcunhas constituídas por uma só palavra e alcunhas constituídas por frases, quer em língua portuguesa, quer em língua estranha, as mais das vezes inglesa, não raro deformada propositadamente, por via de emigração p’rós Estados Unidos. Se algumas têm carácter satírico, acentuando defeito físico ou moral, outras são inofensivas e até lisonjeiras.”
(OBRAS, Etnografia Açoriana, Angra 1982).
Hoje, apenas a título de passatempo, vou enveredar por algumas alcunhas tipicamente regionais, apresentando a transcrição parcial duma carta de Antero de Quental endereçada a Oliveira Martins, datada aos 26 de Julho de 1874 e reproduzida por Vitorino Nemésimo no seu romance “Mau tempo no Canal”, (Capítulo 37, Epílogo).
Ei-la: Escrevol-lhe da Terceira. Aqui nos Açores há um provérbio que reza: São Miguel, burgueses ricos; Terceira, fidalgos pobres; Faial, contrabandistas espertos. Com efeito, a Terceira é uma terra essencialmente portuguesa e peninsular: fidalguia, pobreza, toiros, insouciante sóbria e filosófica, entusiasmo, bizarria e parlapatice: numa palavra, os defeitos e as qualidades correspondentes do idealismo peninsular.”
Existem algumas variantes do provérbio citado por Quental, sendo esta a mais moderna: “S. Miguel, lavradores abastados; Terceira, fidalgos arruinados; Faial, contrabandistas afamados.”Relativamente os micaelenses, e seguindo nas peugadas de Carreiro da Costa, estes ter-se-iam preocupado mais com a exploração agrícola e maior rendimento comercial, enquanto os terceirenses dispensaram mais atenção ás exigências políticas e sociais impostas pelos trâmites da história insular e nacional. Pois quanto aos faialenses, basta recordar a importância do porto da Horta, onde outrora se carregavam produtos locais p’ra exportação e onde aportavam os navios-baleeiros. Esta evidência está patente nos “Anais do Município da Horta’de Marcelino Lima. Quanto à outra evidência acerca do contrabando, é fácil apelar p’ró facto incontestável de que “faziam-se fortunas e gastava-se à farta.”
Como amostra da poesia popular, o “Arquivo dos Açores” (Volume IX, Página 481) publicou uns versos da autoria dum vendeiro da freguesia da Achadinha, de nome José Pacheco, quando ele se encontrava hospitalizado em Ponta Delgada por volta de 1880, registrando alcunhas de várias localidades micaelenses:


Nordeste, vila pedinte,
Lomba da Cruz, estouvados,
Na Fazenda, os inhameiros,
Na Lazeira, os maltrajados.

Em S. Pedro, os vendilhões,
Em Santo António, os batateiros,
Na algarvia, os comilões,
Que lá comem pães inteiros.

Ladroeira, na Feteira,
D’Achada, os endiabrados,
D’Achadinha, os morrinhas,
Por serem tão enfezados.

Os ventaneiros, da Salga,
Na Lomba, os capacheiros,
Nos Fenais, a mulatagem,
Na Creação, peneireiros.

Ribeira Funda, feiteira,
Lomba da Maia, vaqueiros,
No Porto, os carvoeiros.

Ribeirinha, trabalhadores,
Logo p’ra baixo, ferreiros,
Na Ribeira Grande, adelos,
Ribeira Seca, fuseiros.

Na Lomba, os fanhosos,
Rosto de Cão, malhadores,
Na Calheta, barqueiros,
Na Cidade, mercadores.

Na Lagoa, carreteiros,
N’Água de Pau, curtidores,
N’Água d”Alto, burriqueiros,
Na Vila Franca, oleiros.

Por ser tão extensa e variada a série de alcunhas regionais, mencionarei tão somente as seguintes: Fusos e Fuseiros, alcunha derivada duma antiga indústria existente na Ribeira Grande; Peniqueiros, pelo fabrico de penicos na Lagoa; Azeiteiros, pelo azeite de peixe produzido em Ponta Delgada; Inhameiros, pelo cultivo de inhames nas Furnas e na Bretanha; Cagarros, pelo grande número destas aves em Santa Maria; Cachalotes, pela caça à baleia no Pico; e rabos Tortos, pela raça de cães de fila na Terceira.

Do Pico são picarotos,
Da Graciosa alcavaços,
Da Terceira rabos-tortos,
De S. Jorge patacos-falsos.

No Pico são picarotos,
E no Faial são ladrões,
Em S. Jorge são cabreiros,
Na Terceira capitães.

Na Terceira são alferes,
Em S. Jorge capitães,
No Pico são picarotos,
No Faial, finos ladrões.

Juntaram-se as sete Lombas
A’vila da Povoação;
Uma corja de camelos,
Nenhum atina razão.

O meu amor é do Pico,
Eu sou do Pico também;
Somos ambos picarotos,
Olha como fica bem!

Eu fui à Ribeira Grande
Ver moínhos e ribeiras;
Trouxe de lá por lembrança
Um fuso e duas peneiras.

Com a devida vénia, apraz-me reproduzir agora a lista, que o ilustre terceirense Dr. Luís da Silva Ribeiro recolheu, com alcunhas regionais de determinadas localidades faialenses: “Matriz, negociantes; Angústias, amancebados; Feteira, ambiciosos; Capelo, demandistas; Cedros, birrentos; Castelo Branco, penteados; Salão, folgazões; Conceição; e Flamengos, soberbos.”
Em Santa Maria deparamos com a quadra, que se segue, e respectiva variante:

Os da Serra são labregos,
Os da Vila são cidadãos,
Os da Almagreira, lapujos,
Os de S. Pedro, lambões.

Os da Serra, vinhateiros,
Os da Vila, pescadores,
D’Almagreira, burriqueiros,
De S. Pedro, lavradores.

Custa-me bastante encerrar esta crónica, pois que muito mais ficou por dizer, mas o espaço e o tempo são limitados. No entanto, c com uma quadra popular, aqui expresso minha saudação a Rabo de Peixe, que há pouco se tornou vila:

Rabo de Peixe tem proa
De ter boa novidade;
Vai um burro com cebolas:
Chega-te asno p’rá cidade!