Os três amigos


Por: Dr. Tomás Ferreira

 

Esta semana voltamos à política do Canadá, o país em que vivemos e no qual a maioria de nós ganha o pão de cada dia. Poderá talvez não ser tão interessante como outros assuntos, tais como o campeonato nacional de futebol em Portugal ou até a eleição do Presidente da República da nação onde nascemos e à qual todos nós sentimos ainda ligados, mas com certeza que terá grande importância para a nossa vida, desde os serviços de saúde, aos juros que pagamos pelas hipotecas ou o que recebemos em qualquer investimento que fizermos, passando pela educação, justiça, emprego e tantos outros factores importantes que podem afectar a nossa vida.
“Os três amigos” da história de hoje, para usar uma expressão comum neste país, que se refere a um trio musical mexicano, também poderá ser substituído por os “três da vida airada” personagens cómicos dos filmes da minha juventude. Os três senhores em questão, Stephen Harper do Partido Conservador, Gilles Duceppe do partido separatista do Quebeque, o Bloco Quebequense e Jack Layton do NDP, pessoas completamente diferentes, em idades, grupos étnico e ideologia que pouco têm em comum, obcecados com o poder, fizeram-se à última da hora grandes amigos, com o fim de desmantelar o presente governo liberal de Paul Martin. Um separatista, um socialista e um conservador que mais parece em ideologia com os partidários do Sr. George Busch, do que um verdadeiro conservador canadiano descobriram que afinal são grandes amigos e querem deitar abaixo um governo que já declarou que um mês depois da publicação do inquérito pelo juiz Gomery no dia 1 de Fevereiro, irá convocar eleições. A propósito foi este governo que ele próprio ordenou inquérito e nomeou o juiz que a ele presidiu.
Em vez de deixarem o governo governar e resolver vários problemas pendentes, tais como uma nova lei, a E-66 para autorizar o governo a dar assistência às pessoas que irão ter dificuldades em pagar as contas com o aquecimento no próximo Inverno, a C-11 para proteger os funcionários públicos que chamem a atenção para alguma irregularidade cometida pelos seus superiores, a C-17 relacionada com a descriminalização da marijuana, semelhante à que existe nos países da Europa Ocidental, o C-31 para proteger-nos contra o chamado “telemarketing”, aqueles senhores e senhoras que nos telefonam quando começamos a sopa, para nos venderem uma cafeteira eléctrica ou um cruzeiro às Bahamas e finalmente uma série de medidas financeiras como o aumento de 220 milhões de dólares para as pensões da terceira idade, 100 para os agricultores atingidos pela doença das vacas loucas e 6 biliões para serem transferidos para as províncias afim de serem usados nos serviços de saúde, 600 resultantes do imposto da gasolina para obras públicas, os “três amigos” no seu entusiasmo para deitar abaixo o governo estão dispostos a paralisar todas estas medidas para poderem conseguir eleições um mês ou dois antes da altura para que estão planeadas.
Recapitulando
A propósito, para aqueles que não leram o meu artigo da semana passada e não seguem de perto o que se passa na terra em que vivem, uma pequena recapitulação do que se está a passar.
Como é sabido, o partido liberal ganhou a última eleição, mas não conseguiu a maioria, pelo que tem necessitado para se manter no poder, dos votos do NDP. Disto resultou que várias medidas bastante progressistas foram impostas aos Liberais pelo NDP, tais como mais dinheiro para os serviços de saúde. Tudo leva a crer, que um governo Liberal suportado pelo NDP, seria a solução ideal para o país, pelo menos até as próximas eleições, a serem convocadas um mês depois da publicação dos resultados finais do inquérito judicial dirigido pelo juiz John Gomery.
A propósito para os que não leram no último artigo, uma breve história das desgraças do Partido Liberal do Sr. Paul Martin, que depois de ter levado anos a conspirar para obter o lugar de Primeiro Ministro, foi apanhado por uma surpresa desagradável nos primeiros anos do seu mandato. Há até quem diga que foi castigo divino. Como é sabido em 1995, o governo separatista do Quebeque, fez um referendo, por sinal usado numa linguagem desonesta e enganadora, para conseguir a independência dessa província que foi derrotada por pouco mais de 1% dos votantes. O governo do Canadá da época, teve a ideia pouco brilhante de criar, dependente do gabinete do Primeiro Ministro, um departamento no Ministério das Obras Públicas para patrocinar qualquer actividade relacionada com a promoção do Canadá e a unidade do país no Quebeque. Porém, como diz o nosso povo, “de boas intenções está o inferno cheio” e o tal programa que tinha por fim fazer do governo do Canadá, um patrocinador das actividades promovendo a unidade da nação, começou a ser gasto em agências de publicidade ligadas à ala do partido Liberal do Quebeque, que receberam quantias enormes por executarem pequenos trabalhos ou a preços exorbitantes.
Mais tarde, seria descoberto que uma parte do dinheiro tinha ido parar aos cofres do Partido Liberal do Quebeque, o que é contra a lei eleitoral, e possivelmente às algibeiras das pessoas envolvidas. Entretanto Jean Chrétien, o Primeiro Ministro responsável por esta iniciativa, foi finalmente substituído por Paul Martin cujo Ministro das Obras Públicas Don Bouria, informado do que se estava a passar, chamou o Auditor Geral do Canadá Sra. Sheila Frazer, para investigar a situação, a qual descobriu imensas irregularidades. Paul Martin, apresentou desculpas ao povo canadiano e nomeou o Juiz John Gomery para a comissão de inquérito, para apurar as responsabilidades pelo que se tinha passado com aquilo que é hoje chamado “Sponsorship Scandal” ( O escândalo dos patrocínios).
Paul Martin que foi ilibado de qualquer culpa pelo Juiz Gomery, prometeu que iria convocar uma eleição 30 dias depois da publicação das conclusões finais do inquérito dirigido pelo Juiz John Gomery, que está marcada para 1 de Fevereiro de 2006.
Cheios de Pressa
Perguntarão os leitores, porque será que os líderes dos três partidos na oposição, estão tão cheios de pressa. Afinal, porque não esperar mais dois meses, será que os Liberais são tão maus que em dois meses vão destruir a Nação ou tão corruptos como sugerem os Conservadores, que vão fugir com o ouro do Canadá para algum estado da América do Sul que não tem acordo de extradição com o Canadá. A pressa do Sr, Harper, é apenas uma tentativa desesperada de conseguir o poder. Ele sabe perfeitamente que o seu partido não tem possibilidade de eleger ninguém no Quebeque, nem para regedor duma aldeia nos arredores de Montreal. Os Conservadores do tempo de Brian Mulroney, conseguiram deputados no Quebeque, porque se aliaram com os separatistas como o Sr. Lucien Bauchard que mais tarde viria a ser líder do Bloco Quebequense e Primeiro Ministro do Governo Separatista do Quebeque. Por outro lado, na província do Ontário, será muito difícil convencer o público a votar por uma pessoa como o Sr. Harper, com uma ideologia muito próxima aos Republicanos dos Estados Unidos, de que aquilo que é tradicional no Canadá, como o antigo Primeiro Ministro do Ontário Bill Davies um conservador moderado e progressista. Por muito que ele queira disfarçar, é impossível fazer esquecer ao eleitorado do Ontário que Stephen Harper é o antigo líder do partido de extrema direita do oeste o Reform Party (Partido Reformador). Desta maneira, a única possibilidade que Stephen Harper tem, é a de aproveitar a indignação muito justificada da população com o escândalo dos patrocínios, para conseguir votos na província do Ontário que é aquela que envia mais deputados ao parlamento de Otava.
Quanto ao Sr. Gilles Duceppe, o líder dos separatistas, ele sabe que não poderá ganhar mais do que os 54 lugares no parlamento que já tem, a não ser que use a indignação do povo do quebequense contra o escândalo dos patrocínios como forma de propaganda eleitoral.
Finalmente é pena que o líder do NDP, Jack Layton pessoa que eu conheço há mais de vinte e cinco anos, o qual tem muitas qualidades, mas a da modéstia não sendo uma delas. Se tenha entusiasmado com a importância que a existência dum governo de minoria lhe dá, aproveite a oportunidade para andar duma parte para a outra do país a sugerir maneiras de destabilizar o governo Liberal, como se um futuro governo conservador viesse a defender os ideias pelo qual o NDP e o seu antecessor o CCF se têm batido. Será que o Sr. Layton não percebe que se os Liberais não são tão bons como gostaríamos, um governo de Stephen Harper seria muito pior.
Coisas Práticas
Até aqui temos estado a falar de “esquerda”, “direita”partidos e ideologias, será altura de abordarmos os aspectos práticos que me atingirão a mim e ao leitor que não somos milionários, e gostaríamos de viver numa sociedade próspera e tolerante em que os trabalhadores e os pobres são protegidos.
Apesar de se disfarçar, a ponto de evitar debater em público os assuntos de saúde com o seu correligionário Ralph Klein da Província de Alberta, é conhecido que Stephen Harper e a presente direcção do partido Conservador são partidários da introdução da medicina privada no Canadá do que resultará um medicina para os ricos e outra para os pobres. Cortes nos impostos que irão favorecer os mais abastados, conseguidos à custa de cortes nos serviços de saúde, educação e assistência social à semelhança do que o famigerado conservador Mike Harris fez é o que nos espera se o Sr. Stephen Harper conseguir o poder. É pena que Jack Layton, esteja indirectamente a trabalhar no sentido de nos dar um governo Conservador.
Na semana passada, um pouco a brincar, eu disse a Olivia Chow, que eu conheço ainda há mais anos que o seu marido Jack Layton, referindo à perspectiva do NDP ajudar a derrubar o governo de Paul Martin, “não me digas que me vão fazer votar Liberal pela primeira vez na minha vida”. Espero isso que não passe duma brincadeira e que não tenhamos, que assistir a uma aliança dos Separatistas do Sr. Gille Duceppe, com os Conservadores da direita do Sr. Stephen Harper, e o socialista Jack Layton, todo juntos a derrubarem o governo Liberal e a trazer ao poder para dirigir o país, um sistema semelhante ao que tivemos no Ontário durante o reinado de Mike Harris. Se isso acontecer, os abastados ficarão muito satisfeitos mais o povo trabalhador desta nação será prejudicado.
Quanto ao NDP e ao seu líder Jack Layton, depois dum breve período de fama correm o risco de serem relegados a uma posição secundária, num parlamento dominado pelos conservadores que irá passar leis que irão destruir o nosso sistema de saúde e anular os progressos feitos, no sentido de criar aquilo a que Pierre Trudeau chamou uma just society (uma sociedade justa).
N.B. Já depois deste artigo ter sido escrito o “Toronto Star” publicou uma sondagem de opinião pública canadiana feita pela empresa EKOS em que mostra que 62% das pessoas só querem uma eleição em Fevereiro, depois da publicação dos resultados do inquérito do juiz Gomery e 13% nem sequer deseja uma eleição nos próximos meses.