Amonas & Cherimoyas


Por: Ferreira Moreno

Daniel de Sá, amigo de longa data, no Capítulo XI do seu mais recente romance “A Terra Prometida”, menciona uma fruta de excepcional qualidade e inexcedível curiosidade, que tem por nome “anona” mas é vulgarmente conhecida por “coração-negro.”
Em inglês chama-se “cherimoya”, derivativo do latim “annona cherimola” que, em português, se integra na “família” das Anonáceas, também conhecidas por anoneiras. Devido certamente à forma semelhante a um coração e respectivas pevides negras, (que não são comestíveis), a gente das ilhas dá à anona o nome de coração-negro.
O Padre Eduardo C. N. Pereira falando da anoeira, que se cultiva na ilha da Madeira, deixou-nos a seguinte informação:
“Há duas variedades, distinguindo-se pelos frutos dos quais uns são exteriormente quase lisos e outros cheios de protuberâncias. Os frutos lisos são mais apreciados por mais doces e por terem menos sementes. A polpa da anona é cor de leite, suave e fresca como um creme gelado, de aroma e sabor deliciosos. É um fruto fino e delicado. Na anona tem a Madeira o seu melhor fruto, podendo dizer-se o fruto tentador de Adão, a julgar esta ilha com muitos a chamam um novo Éden. Frutifica de Novembro a Janeiro. Faz-se exportação deste fruto p’rá Europa.” (Ilhas de Zarco, Edição 1939).
Com o exótico nome “cherimoya”, a anona é igualmente cultivada na Califorlândia desde 1871, mas o preço de venda no mercado é algo excessivo, entre três e quatro dólares a libra. Não obstante o empecilho pecuniário, a cherimoya constitui uma tentação irresistível, pela mistura aromática de que se reveste, com sabor a ananás, banana e papaya, numa aparência de creme com indícios de morango e mango.
A origem da cultura desta fruta remonta aos Incas do Peru e do Equador, mas estende-se presentemente a várias regiões da América Latina, Europa, Austrália, Nova Zelândia, México e aqui no Sul da Califorlândia, onde a colheita é feita de Novembro a Junho, e de Julho a Setembro na Nova Zelândia.
Mark Twain (1835-1910) descreveu a cherimoya como sendo uma “perfeita delícia.” De facto, a anona é uma autêntica delícia, sobretudo p’ra quem aprecia leite-creme, pois que na lista do paladar mais exigente, a anona-cherimoya tem mais doçura e fragância do que a mais famosa queijada e sorvete.
Claro que esta preferência, evidentemente, é determinada pelo gosto individual e disposição pessoal da clientela. E neste particular, a prudência aconselha-nos a não interferir. Bem reza e assevera o aforismo latino: “De gustibus non disputatur”, indicando precisamente que “a respeito de gostos não se deve discutir.”
Não encontrei, no cancioneiro popular, versos alusivos à anona. Mas uma vez que esta fruta é vulgarmente conhecida por coração-negro, farei uso das rimas pacientemente recolhidas e poeticamente relacionadas com o tema coração...

Ai coração, c oração,
Onde tu foste cair!
Que te deixaste prender
De quem podias fugir.

Amor, se queres façamos
Partilhas sem divisão:
É trocar alma por alma,
Coração por coração.

Fui ao doutor do amor,
Receitou-me a tua mão;
Aqui te entrego o amor
Do meu triste coração.

Feiticeira, lavadeira,
Lava-me este coração,
Que ele está encardido
Duma nódoa de paixão.

Menina, se quer saber
Se lhe quero bem ou não,
Deite sortes ao sereno
Que alivia o coração.

Meu coração não está dado,
Nem dado, nem prometido;
Ainda me estou criando
P’ra quem Deus for servido.

O amor é gato-bravo
Que arranha a dois corações;
Sape, sape, bichaninho,
Não me faças arranhões.

Os corações não se vendem,
São jóias d’alto valor;
Não se vendem por dinheiro,
Só se trocam por amor.

Querido, atira-me um beijo,
Qu’eu venho da confissão;
Um beijo não é pecado,
É alívio p’ró coração.

Pega nestas chaves de oiro,
Abre-me três portarias;
Tira minh’alma de penas,
Meu coração de agonias.

Obrigado, meu amor,
P’la tua boa acção,
Não tenho mais que te dê
Senão o meu coração.

Ó minha bela menina,
O teu amor é ladrão;
Apanhei-o lá na quinta
Roubando o meu coração.

Ó menina tome lá,
Tome lá que lhe dou eu:
Tome lá meu coração,
Dê-me p’ra cá o seu.

Aceita o meu coração
Amarrado numa flor;
Quem dá o seu coração
Decerto é que tem amor.

Detrás das sombras malignas
Apareceu um clarão;
É um anjo que me traz
O teu doce coração.

Nesta conversa d’amores
Nunca gostei de brincar:
Quem dá o seu coração,
Nada mais tem a dar.