Castelos, Moinhos e Memórias


Por: Ferreira Moreno

Durante os meus nove anos de residência no Seminário d’Angra (1946-55), na ilha Terceira dos Açores, foram inúmeras as vezes que estacionei no panorâmico Alto da Memória, monumento em forma de pirâmide quadrangular erguido em homenagem a Pedro I do Brasil e IV de Portugal.
Essencialmente um miradouro espectacular, a Memória serve igualmente como recanto favorito p’rá cavaqueira, p’rá contemplação, p’ró namoro e outros objectivos. Ao tempo da respectiva inauguração oficial do monumento em 1856, a Câmara Municipal deliberou dar ao recinto o pomposo nome de Praça D. Pedro IV, mas a pertinácia popular optou pelo comezinho título de Memória.
Foi precisamente nesta localidade que, há cinco séculos atrás, se construiu a primeira fortaleza dos Açores, recebendo concomitantemente os nomes de Castelão de São Cristóvão e/ou Castelo de São Luís. No entanto, tornou-se mais conhecido por Castelo dos Moinhos, visto “fazer vizinhança” com os moinhos de rodízio que Álvaro Martins Homem construiu, após ter desviado a ribeira e canalizado as respectivas águas.
O Padre Manuel Luís Maldonado (1644-1711), falando acerca da “Grandeza das Águas d’Angra”, escreveu o seguinte: “Distam menos dum quarto de légua dos confins d’Angra, na parte do sentrião ao pé duma alta serra, várias fontes nativas, quase umas com outras comunidades, com poucos passos de distância, e como sejam as mais abundantes das muitas que há na Ilha, incorporadas formam uma grande ribeira, que ocupa uma braça de largura; esta desde seu princípio se despenha corrente à Cidade, ficando-lhe em todo inferior sem padrasto algum que a impeça; tão acomodada enfim a este ministério tão essencial à vida, que parece se conformar com a natureza em tudo o que pudera apetecer o maior desejo das criaturas. Apenas que esta ribeira faz entrada nas moradias d’Angra começam nela os doze moinhos.” (Arquivo dos Açores, Volume IV, Páginas 153 –154).
Acerca destes moinhos é Maldonado quem, novamente os enumera (páginas 146 –147) e diz chamarem-se: O moinho da Janela, da Cova, do Picão, do Rego, da Madeira, da Calçada, da Calçadinha, da Fábrica, do Muro, das Duas Portas, de S. João de Deus e Moinho Novo.
Gaspar Frutuoso (1522-91), ao descrever a nobre e populosa cidade d’Angra, menciona que “pelo meio dela corre outra grossa ribeira d’água, a qual vem ter ao porto, com que se regem muitos jardins que nela há e moem moinhos dentro.” (Saudades da Terra, Livro VI, Página 14, Edição 1998). Além dos moinhos, Frutuoso menciona igualmente a existência de doze chafarizes em Angra, incluindo um junto do cais, “donde se provêem todos os navegantes e armadas.”
Com referência ao Castelo dos Moinhos, Frutuoso deixou-nos apenas (página 12) a seguinte alusão: “nos outeiros que cercam Angra, em um dos quais, mais alto da banda do norte, está com aparo dela um forte castelo com munições e artilharia, novamente renovado e provido, sendo dantes mais fraco, edificado somente p’ra recolhimento e defesa dos moradores.”
Convém acentuar, que, antigamente, nas regiões expostas à pirataria e à guerra, era costume erguerem-se castelos em lugares altos, (montes e outeiros). Servindo de protecção às habitações dos povoadores. Aparentemente, no tempo do Padre António Cordeiro (1641-1722), o Castelo dos Moinhos estava algo arruinado, restando-lhe apenas as muralhas. (História Insulana, Pág 174. Ed. 1981). Esta situação é plenamente confirmada pelo Padre Manuel Luís Maldonado, nas páginas 131 – 132 do primeiro volume da “Fenix Angrense”, Edição 1989.
Desconhece-se, ainda hoje, a origem dos nomes de S. Cristóvão e de S. Luís atribuídos à primitiva fortaleza. No entanto, podemos imaginar que, inicialmente, Angra começou a formar-se em torno do Castelo dos Moinhos. Consequentemente, deve-se a Álvaro Martins Homem o povoamento de Angra, e foi ele quem “ao alto do outeiro construiu o recinto fortificado, onde fez moradia, ao mesmo tempo que os moinhos.” (Henrique Braz, Ruas da Cidade & Outros Escritos, Pág 275 Ed. 1985).

Fui ontem ao moinho
Com três quartos de centeio;
Dei um beijo na moleira,
Logo touxe alqueire e meio.

Moleira de linda voz,
Minha perpétua afeição,
Teus olhos são duas mós,
A moer-me o coração.

Ò minha moleirinha,
Amostra-me o teu moinho,
Quero ver se ele trabalha,
Devagar ou ligeirinho.

Ò minha moleirinha,
Eu queria, eu quero,
Entrar no teu peito,
Formar um castelo.