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Por: Ferreira Moreno
Ainda agora, num convívio de gente amiga,
“veio à baila” uma amistosa discussão
a respeito do “fruto proibido”que precipitou a expulsão
de Adão e Eva do paraíso terreal. Embora a preferência
recaísse na maçã, houve quem favorecesse
o damasco, e bem assim a laranja e a banana.
A princípio, numa atitude de matreiro, mantive-me imparcial
tanto quanto possível, até que se me “arrebentaram
as costuras” do siso, e reprimindo a todo o custo uma estrondosa
gargalhada, afirmei que se tratava dum figo de figueira. P’ra
tanto bastava lembrar que Adão e Eva tinham usado folhas
da figueira p’ra cobrirem a sua nudez.
Claro, isto foi dito apenas por gracejo. De facto, a Bíblia
não menciona que o fruto ou fruta serviu de tentação,
nem tão pouco especificada a árvore do celebrado
“conhecimento do bem e do mal.” No entanto, reveste-se
de curiosidade a narrativa bíblica de como Adão
e Eva “entrelaçaram folhas de figueira e fizeram
tangas.”
E aqui encontramos outra curiosidade creditando Eva como a primeira
costureira ou modista, de que há notícia. Confesso
que não tenho provas p’ra corroborar a asserção
de que foi Eva a responsável na confecção
das tangas (loinclothes, em inglês) ou cintas (girdles,
em inglês). O certo é que, numa versão inglesa
da Bíblia, fala-se em “aprons” (aventais, em
português) feitos das folhas de figueira.
Por outro lado, estou a par duma lenda que afirma ter sido a figueira
a produtora do fruto colhido por Adão e Eva, e consequentemente
a única árvore que lhes permitiu usar as respectivas
folhas p’ra se cobrirem. Conheço, igualmente, a lenda
explicando que, p’ra se abrigar da chuva, Jesus meteu-se
debaixo duma figueira, e é por isso que ela se mostra sempre
verdejante.
Aparentemente, a lenda acima mencionada contradiz a narração
evangélica, que encontramos em S. Mateus (21:18-19) e S.
Marcos (11:12-14). Trata-se do caso de Jesus, a caminho da Betânia,
ter sentido fome, e apercebendo-se duma figueira dela se aproximou
p’ra apanhar uns figos. Mas quando o Divino Mestre viu apenas
folhas, ele amaldiçoou a figueira, que ficou seca c’m’um
parafuso.
Em lembrança deste incidente, mais propriamente do desejo
de Jesus em comer figos no trajecto p’ra Betânia,
tempos houve que na Inglaterra era costume chamar Domingo dos
Figos ao tradicional Domingo de Ramos, hodiernamente conhecido
por Domingo da Paixão.
Em louvor da figueira, convém mencionar que ela serviu
de sombra aos gémeos Romulo e Remo, fundadores de Roma.
E foi debaixo duma figueira que Buda foi “empossado”da
sua divindade. Mas há quem acredita que Judas enforcou-se
numa figueira, como há também quem diga que Adão
e Eva usaram folhas de videira e não de figueira. Esta
crença, porém, surgiu na Idade Média, quando
os artistas acharam mais modestas as folhas de videira.
Em Portugal, é no Algarve onde se concentra a maior produção
comercial dos figos, enquanto é a Califorlânida,
juntamente com o Texas, onde mais se salienta a produção
comercial de figos nos Estados Unidos.
Agora, p’ra regalo duma apetitosa sobremesa, eis umas mimosas
amostras do cancioneiro:
Já plantei uma figueira
P’ra figos apanhar;
P’ra me ajudar a boda,
No dia em que me casar.
Perguntaste-me onde eu moro:
Moro em Água Retorta,
Moro ao pé duma figueira,
Mesmo à beira duma grota.
Chamaste-me figo roxo,
Figo roxo quero eu ser;
Lá vira o mês d’Agosto,
Em que me queiras comer.
Estes meninos d’agora
São como figos caídos,
Inda não falam às moças,
Já se gabam aos amigos.
Estas meninas d’agora,
São como figos caídos,
Usam cabelo às pastas,
P’ra tapar os ouvidos.
Nunca vi figueira-brava
Dar os figos na raiz;
Nunca vi rapaz solteiro
Ter acerto no que diz.
Fiz a cama na figueira,
O travesseiro no figo;
O meu dormir é velar,
O meu sonhar é contigo.
Ó figueira cheirosa,
Onde deixaste o teu cheiro?
Deixei-o na tua cama,
Na renda do travesseiro.
Figos brancos são beijinhos,
Bastante te tenho dado;
Peço-te amor que te lembres
Do nosso tempo passado.
Tenho cravos na janela,
Melhor era ter figueiras;
As figueiras davam figos,
Os cravos só dão canseiras.
Figo roxo é sentimento,
Eu p’ra ti sentido estou;
Uma fala que me deste
Ao coração me chegou.
Figueira junto ao rio,
Onde a água faz remanso;
Des’que vi esses teus olhos
Nunca mais tive descanso.
Da figueira nasce o figo,
Do estudo nasce a ciência,
Do homem nasce a maldade,
Da mulher a paciência.
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