Herói e Mártir


Por: Ferreira Moreno


Engenheiro Artur do Canto Resende

Confesso que sempre nutri uma extraordinária simpatia pelo Engenheiro Artur do Canto Resende. A minha admiração despertou, primeiramente, através das narrativas do meu benquisto professor da instrução primária, Abel de Medeiros. O meu respeito intensificou-se, mais tarde, através do convívio e amizade com o saudoso vilafranquense, Prof. Teotónio de Andrade.
Neste modesto tributo de sincera homenagem, recordo que Artur do Canto Resende nasceu aos 7 d’Agosto de 1897 em Vila Franca do Campo, ilha de São Miguel dos Açores. Ali viveu uma mocidade radiosa e recebeu o ensino secundário no Externato de Vila Franca, transferindo-se p’ró Liceu de Ponta Delgada a fim de concluir o programa escolar. Dali seguiu p’ra Coimbra em cuja Universidade se licenciou em Engenharia Geográfica, aos 18 de Novembro de 1927.
Contratado pelo Instituto Geográfico e Cadastral de Lisboa, o jovem engenheiro cumpriu várias missões de trabalho nas antigas colónias africanas, além dos levantamentos topográficos realizados, inicialmente, em terras continentais. Em 1937 recebia a nomeação de Adjunto da recém-criada Missão Geográfica de Timor, aportando àquela província ultramarina em Agosto de 1938, a bordo do paquete “Colonial”.
À deflagração da Segunda Guerra Mundial na Europa em 1939, seguiu-se em 1941 o ataque aéreo do Japão à Armada norte-americana surta em Pearl harbor, Hawaii. Por razões de táctica militar, os governos da Austrália e da Holanda haviam-se unido num projecto de ocupação do Timor português, favorecendo assim os interesses dos Aliados.
Salazar, evidentemente, invocando a neutralidade portuguesa, protestou contra essa interferência, mas sem oferecer quaisquer medidas de segurança ou defesa da população local. Aparentemente, as tropas australianas e holandesas foram bem recebidas pelos timorenses e residentes portugueses.
Servindo-se do pretexto em expulsar as forças de coligação, o Japão empreendeu com sucesso brutal a invasão de Timor, de nada valendo o protesto timidamente lavrado por Salazar. Apesar da resistência de núcleos de guerrilhas contra os invasores nipónicos, o certo é que o Japão, com o seu poderoso exército, esmagou rapidamente todas as tentativas da oposição, transformando Timor num autêntico inferno. Militarmente, os japoneses governaram Timor de Fevereiro de 1942 até Setembro de 1945.
Alastrou-se, então, pela ilha um cortejo negro de horrores e latrocínios, num crescente desfile de vandalismo e selvajaria, abrindo alas p’rás mais infamantes prisões e massacres, fuzilamentos e mortes. É neste horrível cenário de permanente desconfiança e odiosa perseguição, que começa a valente epopeia do herói e mártir açoriano.
Dirigindo-se ao Governador português de Timor, Ferreira de Carvalho, (aprisionado no Palácio de Labane), Canto Resende oferece voluntariamente os seus préstimos p’ró exército das funções de Administrador do Concelho de Dili, em substituição de Lourenço de Aguilar, que se encontrava doente e desprezado pelos invasores. Embora as autoridades portuguesas fossem superficialmente toleradas, era o consul-geral japonês, de nome Yodogava, que legislava e exercia a supremacia governativa de Timor.
Debaixo de bombardeamentos, entre ataques e lutas de guerrilhas, o Engenheiro Resende jamais descansava na sua missão de ajuda e socorro a todos e por toda a parte, distribuindo agasalhos e comida, animando com a sua agradável presença, incutindo coragem com o seu exemplo, acudindo e providenciando em situações de perigo, obtendo até mesmo a libertação de prisioneiros destinados ao patíbulo.
Infelizmente, por motivos algo obscuros e incompreensíveis, mas que possivelmente tiveram origem em denúncia e traição, Artur do Canto Resende viu-se forçado a pedir a exoneração das suas funções administrativas. Isto aconteceu aos 9 de Março de 1944, pois que em Julho desse mesmo ano, a polícia militar nipónica viria acorrentá-lo, transportando-o p’ra Kalubai, na ilha holandesa de Aldor, onde permaneceu como prisioneiro num pardieiro rodeado de arame farpado.
Desnecessário descrever tudo quanto sofreu em corpo e alma. A sua morte ocorreu aos 23 de Fevereiro de 1945, ficando sepultado numa cova da localidade, que lhe serviu de prisão ignominiosa. É certo que o Governo Central atribuiu-lhe, a título póstumo, o grau de Oficial da Ordem Militar da Torre e Espada. É certo, também, que o Município Vilafranquense ergueu um busto de bronze frente à casa onde nasceu. Mas porque raio, pergunto eu, o Governo Regional não se decide trasladar, p’rós Açores, os restos mortais deste genuíno herói e mártir?!...