Memórias Da Diáspora


Por: José Ferreira

Um encontro com Manuel Luís Félix,
um dos mais antigos imigrantes portugueses
da cidade de Vancouver no Canadá


Adiaspora.com deslocou-se à casa do Sr. Manuel Luís Félix, um "jovem" continental de 92 anos de idade natural da Serra de St°. António, na zona das famosas grutas, no Distrito de Leiria. O Sr. Manuel foi um dos primeiros emigrantes portugueses a radicar-se na Cidade de Vancouver na costa ocidental do Canadá.

Segundo o que nos contou o Sr. Manuel, havia muito pouca emigração de Portugal para a costa ocidental do Canadá naquela altura. O seu irmão, que se encontrava em Vancouver juntamente com outros 12 imigrantes açorianos na altura, é que lhe chamou para junto de si. O Sr. Manuel não se recorda dos nomes desses compatriotas. O seu irmão, Prudêncio Félix de nome, tinha andado a trabalhar lá para as terras de Labrador e Quebeque, onde chegara por volta de 1953 vindo da Venezuela. Em 1956, Prudêncio resolve tentar a sua sorte na Cidade de Vancouver, onde se encontrava por altura da chegada do Sr. Manuel.

Quando cá chegou o Sr. Manuel foi trabalhar para a construção civil como trolha de acabamentos e ganhava na altura $2.28 por hora. Saiu de Portugal já casado e pai de uma filha, tendo a sua esposa, Emília, e a filha o acompanhado nesta aventura de emigração para as terras do Novo Mundo. No ano seguinte, em 1958, chamou para junto de si o seu filho que havia emigrado para o Brasil algum tempo antes. O tempo viu a família crescer e hoje tem oito netos de quem muito se orgulha.

Testemunhou a grande da vaga de emigração de portugueses para Vancouver na década 60. Muitos já tinham tentado a sua sorte em Toronto antes de migrar para a costa oeste. Recorda o Sr. Manuel que houve muitos naturais da freguesia de Sto. António que optaram por se radicar em Montreal e Vancouver naquela altura e que a primeira associação portuguesa a ser fundada em Vancouver foi o PCOV (Portuguese Club of Vancouver), a qual ainda existe hoje na Commercial Street, em pleno coração da comunidade portuguesa daquela cidade. Embora se tenha fundado outras colectividades desde então, o PCOV foi durante muitos anos a colectividade mais destacada na comunidade lusa daquela região.

Na opinião de Sr. Manuel Félix, o Governo Provincial da Columbia Britânica das décadas 50 e 60, não era dos melhores, pois a sua política económica e má gestão resultaram em muito desemprego na região e recorda-se o Sr. Manuel a existência de bandos de desempregados desesperados à busca de trabalho a vaguear pelas ruas. Na altura, com a promessa de trabalho na construção de uma grande barragem fluvial, migraram para a Columbia Britânica muitos Quebecois. Mas, por larga demora por parte do Governo Provincial em dar despacho e início aos trabalhos, a população de Vancouver e os recém chegados viram-se abandonados, sem trabalho e sem meios, por uma grande temporada. Contudo, quando o Partido Liberal ganha as eleições provinciais, e enceta uma nova política económica, o mercado de trabalho voltou a florescer, e o povo, aliviado, conheceu a alvorada de uma nova era de prosperidade.

Conta-nos o Sr. Manuel que, naquela época, era possível comprar uma moradia familiar pela módica quantia de $6, 000 ou $7, 000, o que é impensável nos dias de hoje, e que, comparativamente, o nível de vida era muito mais barato do que agora. Um operário de construção civil de acabamentos ganhava cerca de $20 por dia líquidos, o que lhe permitia alimentar facilmente a sua família durante uma semana. Mas também acrescenta, que hoje há muito mais onde gastar o dinheiro, e embora que o mesmo operário ganhe bem, não lhe é possível amealhar tanto como nesses tempos. Conta-nos, de resto, que lograra pagar a sua casa e adquirir outra no espaço de dez anos.

Naqueles tempos havia maior espírito de sacrifício entre a população imigrante, pois, por vezes, uma simples cave de uma casa albergava 15 a 18 pessoas. Em 1956, o seu irmão comprou uma moradia onde chegou a viver com mais 21 pessoas, a maioria seus hóspedes. A dita casa tinha somente uma casa de banho para serventia daquela gente toda! A grande avalanche de imigrantes acabou por despoletar na cidade de Vancouver grandes dificuldades sociais.

O Sr. Manuel relembra a primeira loja portuguesa e cujo proprietário era um tal Sr. Valagão, um continental que já chegara a Vancouver por volta de 1953, vindo do Quebeque. Menciona outros portugueses pioneiros que também se radicaram em Vancouver, mas cujos nomes a idade lhe apagou da memória, muitos fugidos das más e duras condições de trabalho que prevalecia na altura nas grandes fazendas (farms) das províncias do Ontário e Quebeque.

Passou o Sr. Manuel uma temporada como trolha de acabamentos na Províncias do interior canadiano, Saskatchewan e Alberta. Conta-nos um episódio engraçado que lhe acontecera aquando da sua chegada em Saskatchewan. Num dos primeiros encontros com os seus novos empregadores, o Sr. Manuel tentou desculpar o seu parco inglês: "Os senhores vão me desculpar o meu fraco inglês". Responde um dos capatazes: "Mandamos te vir de tão longe, e tendo muitas boas informações tuas, vieste p'ra trabalhar e não p'ra falar. P'ra falar estamos cá nós." A aprendizagem de um novo idioma não foi fácil para este imigrante, pois já contava com cerca de 45 anos de idade quando de Portugal partiu. Visto o seu irmão ter trabalhado sempre ao seu lado e dominar o idioma, diz-nos o Sr. Manuel que: "Ele falava por ele e por mim!"

Os anos passaram e entretanto falece a sua estimada esposa. Após alguns anos conhece e contrai novo matrimónio, desta feita com Dona Maria da Conceição, natural da Cidade de Castelo Branco, que emigrará para Vancouver em 1975.

"Olhando para a cidade de Vancouver, como era e como é hoje, que diferença! Há mais habitações e automóveis. Antigamente eram poucas as pessoas que tinham carro e os que haviam eram velhos, a cair aos bocados. Não havia tantos arranha-céus no centro da cidade. Era muito diferente!". Recorda ainda que quando lá chegou a Lions Gate Bridge já existia, tendo presenciado a construção da Second Narrow Bridge a iniciar em 1958 e as subsequentes pontes que agora integram aquela paisagem urbana.

Um valioso registo, esta crónica do emigrante que o Sr. Manuel Luís Félix nos lega para a posteridade. Adiaspora.com agradece a amabilidade e a hospitalidade com as quais foi, por este nosso pioneiro, recebida.



Lion's Gate Bridge