Comemorando o Dia Internacional das Mulheres


Por: Dr. Tomás Ferreira


Dra. Maria Amélia Paiva

Há vários anos que na comunidade portuguesa de Toronto o Dia Internacional das Mulheres é comemorada pela Casa do Alentejo e a Associação Democrática. Problemas relacionados com a crise da falta de corpos directivos, anularam as comemorações numa dessas colectividades e reduziram-nas ao mínimo, na outra.
Felizmente tivemos a oportunidade de comemorar esta data no consulado de Portugal, numa iniciativa da Dra. Maria Amélia Paiva, uma mulher que desempenha as funções de Cônsul Geral de Portugal em Toronto, a qual já foi presidente da Comissão para a Igualdade dos direitos da Mulher em Portugal.
Este foi sem dúvida um acontecimento muito importante na vida da nossa gente a que a comunidade respondeu com entusiasmo enchendo a sala do consulado, tendo muita gente ficado no corredor, ou não tendo conseguido um lugar próximo da porta, acabado pode desistir e irem-se embora. Poder-se-á afirmar, que apareceram pessoas em número suficiente, para encher 2 ou 3 vezes o consulado português.
Este foi sem dúvida um dia grande para aqueles como o autor desta coluna que sempre lutaram pelos direitos das mulheres e o seu direito de serem tratadas da mesma maneira que a outra metade da raça humana, o sexo masculino.

Um pouco da história

Conhecermos o passo ajuda-nos a interpretar o presente. Dessa maneira é importante saber as origens do Dia Internacional das Mulheres, o que nos dará uma perspectiva das vitórias alcançadas na luta de mais de metade da humanidade para atingir a igualdade com o sexo masculino.
A ideia das mulheres lutarem pelos seus direitos e defenderem a paz, uma vez que os homens eram aqueles que proclamavam a guerra, já vem dos tempos da antiguidade grega, quando Lysistrata organizou uma greve de esposas, que se recusaram a ter relações sexuais com os maridos, enquanto não existisse paz.
Mais tarde, durante a revolução francesa em 1789, as mulheres marcharam pelas ruas de Paris manifestando-se pela igualdade dos sexos e o seu direito a votarem. Durante os séculos XVII e XVIII muitas mulheres e alguns homens, defenderam a igualdade dos sexos até que em 1909 o “Partido Socialista da América” declarou o dia 28 de Fevereiro como o dia das mulheres.
No ano seguinte, Copenhaga na Dinamarca, mais de 100 mulheres oriundas de 17 países, incluindo o que era uma novidade para essa época, três deputadas do parlamento da Finlândia, declaram o último domingo de Março como o dia internacional das mulheres, proclamando direitos iguais para as mulheres, especialmente contra a discriminação.
No ano de 1911, este dia foi comemorado na Áustria, Dinamarca, Alemanha e outra nações europeias.
Nesse ano duma semana depois do dia das mulheres aconteceu a tragédia do chamado Triangle Fire, em que 140 mulheres imigrantes, na sua maioria judias e italianas que estavam a planear uma greve, morreram num incêndio numa fábrica em Nova York, porque as portas tinham sido encerradas pelos patrões, o que ainda mais incentivou a luta pelos direitos do sexo feminino.
Nos anos que se seguiram a comemoração desta data continuou, destacando-se as grandes manifestações em 1917 no dia das mulheres, contra a participação da Rússia na primeira guerra mundial, o que contribuiu para a queda do Czar e o estabelecimento embora por pouco tempo dum governo democrático. De notar que a comemoração nesse ano foi feita no último domingo de Fevereiro, que não calhou no dia 23. A partir daí o dia internacional das mulheres, passou a ser nesse dia.
Na realidade ainda hoje é no mesmo dia 23 de Fevereiro, mas uma vez que os russos usavam o calendário Juliano essa data é 8de Março no calendário gregoriano, hoje em uso em todo o mundo. Esta diferença de calendário explica, que a famosa revolução de Outubro na Rússia aconteceu em Novembro, segundo o nosso calendário. Em 1975, as Naçoes Unidas declararam que o dia 8 de Março, seria o Dia Internacional das Mulheres, que em certas nações é um feriado nacional.

Porque um dia da mulher?

Infelizmente, ainda existem hoje pessoas, que pensam que não é necessário um dia das mulheres e que o caminho para igualdade entre os sexos, já foi percorrido.
Na realidade, não é só Afeganistão, em que como informam esta semana os jornais a descriminação é tão feroz que os fanáticos assassinam quem cometer a heresia de ensinar em escolas femininas.
O relatório que é publicado cada 5 anos pelo “Stats Canada” (departamento nacional de estatísticas do Canadá), apresentado ao público no dia 8 de Março, o Dia Internacional das Mulheres mostra que as mulheres deste país continuem a progredir, mas ainda lhes falta muito para atingir a igualdade. Por exemplo, enquanto entre as famílias de rendimento baixo, com apenas uma cabeça de casal, 13% são encabeçadas por homense 38% são mulheres.
Também as mulheres no Canadá, ganham em média 70% menos do que recebem os homens. Duma maneira geral, as mulheres dedicam-se aos trabalhos que pagam menos e estão mal representadas em todos os lugares de chefia, assim como na política, sistema judicial e entre os empresários e administradores de empresas.
Quanto à União Europeia, segundo o Expresso, citado pela Dra. Maria Amélia Paiva na sua intervenção a que me refiro mais adiante, os estudos mostram que as mulheres europeias ganham menos 15% do que os homens, o que é melhor que no Canadá, mas ainda precisa ser melhorado. À semelhança do país em que vivemos, as mulheres na União Europeia estão mal representadas nos órgãos de gestão, nomeadamente na chefia das empresas privadas, aonde ocupam apenas 3% dos lugares, número igual aos dum estudo publicado no Canadá no ano passado.
Claro que do ponto de vista positivo, tanto o relatório da união Europeia como o do “Stats Canada”, reconhecem o imenso progresso feito nos últimos vinte anos. Quanto à comunidade portuguesa, como em que quase tudo, tem seguido a trajectória da sociedade canadiana em geral.
Nao há dúvida que as mulheres portuguesas de Toronto têm progredido imenso.
Um dos índices desse progresso, é a sua posição no movimento associativo. Quando na minha direcção do First portuguese em 1974, apresentei uma mulher, isso foi uma surpresa.
Mais tarde, o First Portuguese teria uma mulher presidente. Hoje mulheres presidentes de clubes e associações luso-canadianas, já não são uma novidade. Por exemplo na Casa do Alentejo, os três últimos eram do sexo feminino.

Uma surpresa no Consulado

Habituado a algumas sessões semelhantes, em que se fazem afirmações formais, e sem qualquer conteúdo, tanto mais que a longo dos anos tenho verificado que muitos diplomatas e políticos portugueses, sofrem dum machismo e preconceitos contra os direitos das mulheres, que não podem ou até não querem esconder, estava preparado para ir fazer a minha obrigação e mostrar o meu apoio ao Dia Internacional da Mulheres, ouvindo uns discursos ocos e uns meninos e meninas a cantar ou a ler unas poemas pirosos.
Felizmente fui surpreendido por uma excelente sessão, que esteve ao nível do dia que estávamos a comemorar e que foi uma justa homenagem às mulheres que ao longo dos séculos têm lutado pela igualdade e contra a descriminação. Também admirei a homenagem feita à contribuição que a mulher emigrante portuguesa, têm dado à sua família, comunidade, à nação em que nasceram e aquela em que vivem.
A sessão foi iniciada por algumas canções tradicionais portuguesas cantadas pela Sra. Judith Cohen e a sua filha, Tamar Cohen que não sendo portuguesa, muito têm contribuído para a preservação e divulgação da música portuguesa.
Seguiu-se uma intervenção pela Dra. Maria Amélia Paiva que se pode classificar de excepcional. De forma clara e precisa, a Cônsul de Portugal referiu-se à forma como a redução das desigualdades entre homens e mulheres foi uma das maiores revoluções ocorridas em Portugal nas últimas décadas.
Ela lembrou-nos que antes do 25 de Abril as mulheres estavam sujeitas a uma legislação que restringia o seu direito a voto, viajar, possuir passaporte e até se envolverem num negócio. Quanto à carreira diplomática, não era permitida as mulheres, razão porque, se não tivesse mudado o sistema em Portugal, não teríamos uma Cônsul do sexo feminino.
Apesar de ter reconhecido os grandes progressos feitos pelas mulheres em portugal, a oradora chamou-nos a atenção para o facto que muito ainda é necessário, para se atingir a igualdade entre os sexos.
Pode-se afirmar que depois da intervenção da Cônsul de Portugal, não se ouviram as palmas anémicas e cerimoniais que tenho ouvido em sessões semelhantes, mas uma ovação entusiástica dum grupo de pessoas que partilhavam os pontos de vista apresentados pela Dra. Maria Amélia Paiva.
Seguiram-se uma série de testemunhos de mulheres emigrantes. Peretencentes a diferentes grupos etários, regiões do país e até classes sociais, essas luso-canadianas deram-nos uma panorâmica das dificuldades, lutas e êxitos das mulheres portuguesas no Canadá.
Resumir o testemunho dessas mulheres, muitas vezes emocional e todos eles representando uma faceta da vida da mulher luso canadiana, não seria fácil e ocuparia muitas páginas deste jornal.
A saga da mulher que chega a uma terra estranha, com uma língua desconhecida e é obrigada a dois ou três trabalhos, e como dona de casa, esposa e mãe, foi abordado por várias mulheres.
Algumas notaram o facto conhecido, como muitas progrediram, aprenderam o inglês enquanto os maridos estagnavam, desconhecedores da língua, trabalhando duramente e chegando a casa cansados e não se envolvendo nos assuntos familiares. Interessante notar, que enquanto algumas das oradoras, mencionaram que a vinda para o Canadá lhes abriu novos horizontes e lhes deu oportunidade de se realizarem particularmente estudando e obtendo posições de destaque no trabalho ou nos meios académicos, outras desceram na escala social estagnaram em empregos mal pagos e com responsabilidades familiares.
Interessante notar, que algumas das mulheres especialmente as que tinham conseguido progredir mais, mencionaram, algumas vezes bem emocionadas, o papel que outras mulheres fortes, especialmente tias, mães e avós, tinham tido como modelos, instigando-as a seguir para frente e a vencer as dificuldades que se lhes deparavam.
A impressão que nos ficou dos testemunhos das mulheres presentes, foi a de um grupo de seres humanos, que tendo sofrido o trauma da imigração, e apesar das dificuldades que se lhes deparavam, devido ao seu sexo, foram capazes de vencer e tomar uma posição nesta sociedade. Como disse uma delas já era tempo das mulheres não serem vistas como esposa do Sr. Fulano mas como a Maria a Antónia ou a Francisca, elas próprias pessoas distintas e não apêndices dos maridos. Um outro testemunho interessante, foi o dum mulher que quando jovem acabada de chegar ao Canadá compreendeu a injusta e desigualdade que existia, quando a mãe lhe mandou fazer a cama do seu irmão, como se o bom rapaz não pudesse desempenhar uma tarefa tão simples.
Concluindo, a intervenção da Senhora Cônsul entre homens e mulheres nunca teremos uma sociedade justa, democrática, desenvolvida e respeitadora dos seres humanos.
Depois deste artigo ter sido escrito os jornais noticiaram, que algumas milhares de pessoas participaram, numa manifestação em Toronto, comemorando o Dia Internacional da Mulher e reivindicaram que o sistema nacional de creches e infantários planeado pelo Primeiro Ministro Stephen Harper, seja complementado