Memórias Duma Tragédia


Por: Ferreira Moreno

Em Julho do ano de 2001, estando de passagem na Ilha de S. Miguel, tive a oportunidade de ir à Lagoa do Fogo na companhia do Armindo Moreira da Silva, amigo desde os tempos da instrução primária na Ribeira Grande, e regente agrícola (aposentado) da antiga Circunscrição Florestal de Ponta Delgada.
O destino da nossa excursão o não consistia em dar cumprimento à tradicional romagem de saudade à idílica Lagoa do Fogo, pois tínhamos gizado outros planos de interesse histórico.
Desta vez, o nosso objectivo concentrava-se em reconstituir, tanto quanto possível, o cenário da tragédia ocorrida nesta região montanhosa, quando um avião esbarrou na localidade aos 12 d’Outubro de 1968, ocasionando a morte do jovem piloto francês Marc Philipp Fraissinet.
Esta crónica é agora redigida com a transcrição das informações fornecidas pelo Armindo Moreira da Silva, que foi quem primeiro descobriu os destroços do avião, a que ajuntarei reportagens publicadas no “Correio dos Açores”, bem como apresentarei outros depoimentos e testemunhos, nomeadamente José Manuel Braizinha e Manuel Ferreira (Homens, Sombras & Estrelas, Volume II).
Às primeiras horas da manhã do dia 12 de Outubro de 1968, três aviões bimotores de turismo, tripulados respectivamente por um dinamarquês, um norueguês e um francês, partiram dum aeroporto canadiano com escala programada p’ra restabelecimento no aeroporto de Santa Maria, e prosseguindo da ilha açoriana com destino a uma extensa zona de mau tempo, dois aviões conseguiram aterrar em Santa Maria à hora prevista, ou seja, à volta das cinco horas da tarde.
No entretanto, o terceiro avião ter-se-ia afastado dos restantes por uma presumível falha de rotações num dos motores, e foi visto a voar na costa norte de S. Miguel, envolta em aguaceiros e denso nevoeiro, pelas cinco e meia horas da tarde. Evidentemente que o piloto entrou em contacto com a torre de controle de Santa Maria, mas aparentemente sintonizou com o rádio farol micaelense, acabando por embater numa encosta do Pico da Barrosa, a cerca de 50 metros da estrada que se debruça sobre a Lagoa do Fogo.
Muito provavelmente o piloto Marc Philipp Fraissinet, contando apenas 21 anos d’idade, teve morte instantânea...
Atendendo ao silêncio nas comunicações com o avião, a direcção do aeroporto de Santa Maria alertou imediatamente o serviço de buscas e salvamento. Da Base Aérea das Lajes partiram duas unidades p’rá área do possível acidente, as quais não obtiveram resultados positivos. Por sua vez, através do micaelense aeroporto de Santana, foram alertados os diversos núcleos de altitude da Circunscrição Florestal da Ilha.
Caíam aguaceiros e nevoeiros mantinha-se ainda na manhã do dia seguinte, tornando infrutíferas as primeiras batidas na zona sul. Eram dez horas e meia da manhã quando, finalmente, a meia encosta na zona norte, o regente florestal Armindo Moreira da Silva, e companheiros nestas pesquisas, deparou não só com os destroços do bimotor mas também o cadáver do piloto, confirmando assim o dramático desfecho desta tragédia.
Por sugestão do “Correio dos Açores”, este cenário encontra-se hoje assinalado por uma cruz de basalto da ilha. Na sua tocante simplicidade, este pequeno monumento constitui uma autêntica ponte de sonho e de fraternidade. Foi aqui, na Lagoa do Fogo, sem dúvida uma das parcelas mais belas de S. Miguel, que por capricho do destino vieram repousar as asas e os sonhos dum jovem piloto, cuja memória continua agasalhada no coração enternecido da nossa gente.
A curta distância do cruzeiro, numa homenagem do “Aero Clube da Ilha Verde”. Encontra-se uma lápide em azulejo regional, sobre a qual está colocada a hélice torcida do avião, como símbolo duma vida tragicamente truncada pela morte.
Termino com estas palavras de Antonie de Saint-Exupéry (1900-44), autor e aviador francês: “O aviador está em contacto com o vento, com as estrelas, com a noite, com o mar e com os areais. O aviador espera o lugar de descida como uma terra prometida e procura nas estrelas a sua própria verdade.”
Nesta crónica, de há muito prometida, seja-me permitido expressar ao Armindo Moreira da Silva todo o meu apreço pela paciência e generosidade da sua amizade!