PAIVA DE CARVALHO EXPÔS AS SUAS OBRAS, MAIS UMA VEZ, NA GALERIA “ALMADA NEGREIROS”

Por: Carlos Morgadinho
Adiaspora.com

 

No dia 29 de Setembro de 2005, pelas 18:00 horas, na Galeria Almada Negreiros do Consulado Geral de Portugal em Toronto, o artista de artes plástica Paiva de Carvalho, que já alguns anos reside na cidade de Oakville, apresentou mas exposição de pinturas novas de sua autoria sob o tema Angola - Mater Dolorosa, alusivo a Angola, um país da costa ocidental de África e ex-colónia de Portugal, onde aquele conhecido artista viveu grande parte da sua existência.

Com a presença de muitas dezenas de pessoas apreciadoras deste autêntico “Mestre” das artes plásticas cujas obras, na sua maioria, focam a vida e o povo africano mais precisamente daquela ex-colónia de Portugal no Continente de África, Angola, Paiva de Carvalho apresentou uma colectânea de pinturas daquele país que sofreu uma guerra fratricida de mais de 25 anos onde centenas de milhares do seu povo pereceu e com muitos mais estropiados e desalojados. As suas cidades e vilas foram destruídas e os campos ricos de lavoura e as suas florestas foram semeadas com milhões de minas anti-pessoais obrigando as populações a procurarem refugio na capital ou em outras poucas cidades que não foram directamente afectadas pela guerra civil. Pouco havia para comer e, desta maneira, a fome grassou durante anos naquela terra tão fértil dizimando, por inanição ou por doença, as suas populações.

A paz chegou finalmente a Angola há muito poucos anos estando aquele país a braços com a reconstrução das suas infra estruturas e a recolocação de mais de um milhão de refugiados tanto dentro das suas fronteiras como daqueles que para outros países fugiram para não serem imolados, da reintegração na vida civil de ex-combatentes, da falta de alojamento, de escolas e hospitais e acima de tudo de postos de trabalho para que todos possam viver com dignidade. E Paiva de Carvalho, que tantos anos viveu em Angola e que a amava como se lá tivesse nascido, sente na alma o sofrimento e o desespero daquele povo tão nobre e ao mesmo tempo tão simples e hospitaleiro. Muitas vezes falamos com Paiva de Carvalho sobre Angola e os seus redondos olhos se abrem, luzem e por vezes se embaciam quando se menciona aquela guerra e do sofrimento das suas gentes. É que ele, Paiva de Carvalho, não perdoa àqueles que ingenuamente ou maldosamente contribuíram para o sofrimento daquele povo que era SEU também. Paiva de Carvalho os acusa de maquiavélicos e causadores de tão grande calamidade sejam eles os de Angola, de Portugal ou de outras potências estrangeiras cobiçosas das grandes riquezas escondidas nas entranhas daquele vasto país.

Confessamos que ficamos extasiados e ao mesmo tempo em estado de choque pelas imagens do pincel de Paiva de Carvalho que nos transmitiu naquela sessão. Ali tudo estava exposto sem os longos monólogos habituais. As imagens eram suficientes e elucidativas algumas delas confrangedoras e arrepiantes como a pintura duma mãe angustiada com o filho doente e inerte nos braços, implorando a ajuda, que não chega. Outros quadros bem sugestivos mostram-nos as viúvas que choram os seus homens mortos numa guerra fratricida em nome da pacificação e unidade dum povo; o êxodos dum povo que parte com a esperança do esquecimento do nada; da kitandeira com a “kinda”cheia de nada, oferecendo a esperança dum futuro sem fome; os meninos à volta da fogueira que lhes prometeram “coisas de sonho e de verdade” mas o que existe são corpos estropiados pelas minas, “Quanto custou a liberdade”?; os regressados dos esconderijos na mata, os fugidos da guerra voltam na esperança duma vida mais humana, mais digna e menos difícil; a rapariga de vermelho, só, de olhar vazio, traços de uma juventude perdida, da jovem prostituta que procura o esquecimento; os meninos brincando depois da chuvada em charcos lamacentos e que é a piscina do menino pobre; a ajuda internacional que só “migalhas” chegam aos necessitados; o contraste do musseque que não tem luz eléctrica, nem água canalizada nem asfalto nas ruas, que só tem lama, poeira, lixo e onde a doença grassa mas, esses musseques, têm casas e gente boa, que é pobre, que sofre e que não tem presente, esperança e futuro; o cabaret símbolo da alienação dos sentidos pela luxúria e prazer fácil, da exploração do nu humano e à degradação e perda dos valores tradicionais e morais de todo um povo; a sociedade nova formada em nome da liberdade, fraternidade e igualdade de direitos fez nascer uma burguesia em que impera a corrupção, o favoritismo, a desigualdade, o servilismo e outras formas de discriminação; os novos cavaleiros do apocalipse com o imperialismo, fundamentalismo e globalização dos conflitos e finalmente o futuro para uma geração a quem prometeram educação, o bem estar e a liberdade.

Paiva de Carvalho é um “produto” (desculpem esta nossa expressão) da escola do grande mestre Neves e Sousa, já falecido anos atrás, cremos no Brasil, com quem iniciou a aprendizagem nas artes plásticas em Angola. Embora esporadicamente exibisse os seus trabalhos Paiva de Carvalho só se dedicou de corpo e alma, como se ousa dizer-se, às suas pinturas, após ter-se reformado da industria seguradora tendo emigrado para o Canadá onde tinha então um filho radicado, estando a residir em Oakville.

Clicar p/ ver

................

Aquele evento contou com a presença do nosso Cônsul Geral de Portugal em Toronto, Dr. Emídio da Veiga Domingos, da Drª Ilda Januário e de muitos outros elementos da nossa comunidade e de alguns clubes e associações, dos quais a Academia do Bacalhau de Toronto, de que Paiva de Carvalho é membro de longa data. Tanto o nosso Cônsul Geral como a Drª Ilda Januário tecerem as melhores referências sobre a veia artística do expositor enaltecendo ao mesmo tempo o cunho próprio da sua obra e da sua sensibilidade para causas como as que foram apresentadas naquela galeria. Um outro elemento presente, a funcionária daquele consulado, Ana Júlia Sanca, que recitou três poemas dos poetas Adriana Nóbrega Simões, Teresa Marques e Maria da Paz que focam a guerra e o sofrimento do povo angolano, uma das quais, da já mencionada Teresa Marques, com o título Desespero nos diz:

Choro,
Por todos os mortos ignorados;
Choro,
Por todos os corpos mutilados;
Choro,
Por todas as crianças estropiadas e massacradas;
Choro,
Por todas as mulheres violadas e abandonadas;
Choro,
Por todos os horrores da guerra
Que apagaram, dos olhos das crianças,
O fulgor da infância
E a alegria da esperança.
Depressa! É urgente!
Acabem com a guerra,
Com vidas destroçadas.
Abracem-se irmãos,
Apazigúem os vossos corações
E tragam-nos a Paz!
Já não tenho lágrimas
Para chorar Angola martirizada!

Terminada as cerimónias de abertura e dos discursos alusivos ao artista Paiva de Carvalho e às suas obras ali expostas, os presentes dirigiram-se para a sala adjacente à galeria onde foi então servido um pequeno bufete.