Dra. Gabriela Silva

"Tive muito pouco tempo no Ciclo. Fiz a minha intervenção na Terça-feira e nos outros dias as pessoas não me viram aqui. E não estive por uma razão muito simples: tendo sido paga a minha viagem pela Direcção Geral das Comunidades, Dra. Alzira Silva, para aqui me deslocar e tendo vindo também porque o Senhor Professor Dr. José Carlos Teixeira e a Professora Dra. Irene Blayer fizeram a grande questão que aqui viesse e graciosamente me fizeram esta graça de poder aparecer aqui em Toronto. E foi com muito gosto que aqui estive. Eu preferi ir junto da comunidade ouvir e saber como é que estavam os emigrantes de saúde que é isso que me preocupa. O que se está a passar nos Açores não é muito importante para vocês pois vocês vivem é em Toronto. Eu queria saber se vocês estavam felizes e percebi que não são. E, como eu estou aqui paga pelo Governo da Região Autónoma dos Açores, mas também por uma amiga pessoal de quem eu gosto muito e apreso. Não posso deixar de dizer que a comunidade de Toronto está infectada com convicções e isso é perigoso e tem de ser dito aqui, porque aqui é que é lugar certo para se dizer que, enquanto a comunidade de Toronto, estiver dividida entre Continentais, Açorianos, Micaelenses, Terceirenses, gente daqui, gente dali, gente do PS, gente do PSD, gente do Partido do José Carlos, gente do Partido do Senhor Neto, gente do Partido do Zé, gente do Partido do António, gente do Partido do Francisco, vocês deixaram de ser uma comunidade, não só como comunidade, como são um grupo de pessoas que se guerreiam mutuamente e depois quando não têm mais nada para fazer, dizem mal de alguma coisa. Não pode ser. Desculpem, mas não pode ser. E vou daqui com uma impressão dolorosa porque percebo que por um lado, se calhar, o Governo tem aparecido muito pouco aqui, mas também percebo que se eu fosse Governo não saberia o que haveria de vir para cá fazer. Porque também já reparei que há aqui muita subjugação - as pessoas estão subjugadas umas as outras por interesses! Quem tem uma camisa lavada, ou um curso, os outros querem-lhe, até se pudessem, tirar o curso, roubar o diploma. Isto aqui seria uma tirania autêntica. Aqui nesta terra quem tem sucesso, quem é capaz de fazer alguma coisa, quem tenha ainda a dignidade no sítio, é impopular, é mal tratado, é pontapeado, é atropelado e é o que estou a sentir. E não posso deixar de sentir isso numa coisa a que se chama XVI Ciclo de Cultura Açoriana, de vir para aqui armada ao pingarelho dizer coisas muito bonitas e fazer uma grande fantasia sem conhecer a comunidade de Toronto. E dentro da comunidade de Toronto, o que eu noto é que as pessoas, de facto, não estão bem e porque quando as pessoas não estão bem é que falam mal deste e daquele. Quando as pessoas estão bem, não têm que falar mal de ninguém e essa história de unidade, e da açorianidade realizada naquilo que é, de facto, a décima ilha, nunca se vai poder realizar na maior comunidade açoriana transplantada dos Açores que para aqui vive tão mal. Nós nos Açores temos qualidade de vida - vocês aqui não têm. Têm muita loja, têm muita comida mas falta-lhes de facto unidade. E a unidade tem de ser discutida de forma democrática. A gente tem de ir aos sítios e falar com abertura e marimbar para o resto. Não me querem mais em Toronto! Eu não venho. Posso não vir aqui [possivelmente referindo-se ao Ciclo de Cultura Açoriana], mas vir a Toronto posso vir quando eu quiser. É só pagar a minha passagem. E vou estar com quem eu quiser e com quem me quiser receber. Agora se vocês pensam que eu venho aqui fazer o frete de dizer que a Dra. Alzira Silva é uma pessoa porreira porque me pagou a passagem, que o Professor José Carlos Teixeira é um homem porreiro porque me ajudou a vir cá; que a Professora Irene Blayer é uma pessoa sensacional porque me deu a sua casinha, e o Neto é formidável porque me convidou para um Ciclo, e vou daqui só com isto, então eu ia muito mal. Eu ia muito mal, porque eu tinha restringido os meus sentimentos e a minha acção dentro da comunidade de Toronto às pessoas que me fizeram vir aqui e ao Governo que me pagou. Mas não. Nós tivemos muita dificuldade em encontrar isto, que de resto, é uma coisa com muito mau aspecto por fora. Devia, no mínimo, ter a bandeira nacional, a bandeira do Açores e a bandeira da Europa porque a gente tem essas coisas todas. Não têm. Mas passamos muito trabalho. Eu entrei em quatro padarias com o nome português e perguntei onde era o Lusitânia Clube - não sabiam. Onde é que está a correr o Ciclo de Cultura Açoriana - ainda pior. Também ninguém sabia. De maneira que, afinal, é a décima ilha e tem mais gente que os Açores e temos aqui só este monte de gente, mas onde é que estão os outros? Será que nós estamos a dar a vocês o que vocês querem? Alguém lhes perguntou o que é que vocês queriam no Ciclo de Cultura? Ou fizeram como quiseram? Quem é que fez? Onde é que isto começa? Onde está a ponta do iceberg? [palmas] Vocês não batam palmas porque podem ser castigados. Não convém porque também houve um período nos Açores que era assim e também neste momento está a começar assim outra vez. O ideal é que a gente nunca bata palmas. Vocês nunca façam o que eu fiz porque podem ficar sem reforma. Isto aqui é um país onde até se pode ficar sem emprego se a gente se portar mal. Eu, graças a Deus, tenho a cara suficientemente limpa e a cabeça suficientemente levantada para vos dizer que do Governo Regional nunca comi nada, nem agora, nem quando estive no maior partido político dos Açores como deputada regional. Portanto, eu estou aqui de mãozinhas lavadas e o que me falta pagar é um bocado de morcela da Terceira que comi agora no bar. É o que me falta pagar e rigorosamente mais nada.

Mas vou-lhes dizer uma coisa - não se deixem manipular por asneirada porque isso é falta de cultura, e pior, é falta de ética e de civismo. Nós temos que aprender a estar uns com os outros independentemente das pessoas serem boas ou más. Nós somos todos concidadãos. Cidadãos do continente ou das ilhas, somos todos cidadãos de Portugal. Cidadãos dos Açores, da Terceira, de São Miguel ou das Flores, somos todos açorianos - senão eu não era porque estou mais perto da América ...

Por favor diluam esta conflitualidade, nem que para isso tenham que se ir confessar a um padre americano que não vos entenda" [A Dra. Gabriela foi interrompida pelo presidente da mesa redonda, Sr. Bill Moniz e cujo diálogo rigorosamente transcrevemos]

Bill Moniz: "Sra. Gabriela Silva, eu gostava de lhe fazer uma pergunta. Eu presumo que é a primeira vez que a senhora vem cá. Quantos dias é que a senhora pensa ser necessários para se conhecer uma comunidade?" [palmas]

Dra. Gabriela: "Depende com quem se falar e da capacidade de entendimento das pessoas..." [Neste momento o Sr. Bill Moniz interrompe a Dra. Gabriela]

Bill Moniz: "Mas não é uma semana minha senhora!"

Dra. Gabriela: "Ás vezes pode ser apenas vinte e quatro horas. Depende se a gente vai para casa de um amigo e vai a um café ou a gente entra num espaço onde fala com duas dúzias de pessoas... [Neste momento é interrompido pelo Sr. Bill Moniz]

Bill Moniz: "Mas minha senhora uma comunidade é muito mais complexa do que uma família do que tomar um café. Uma comunidade é um ser vivo, com vida, com história e a comunidade dos Açores aqui e a comunidade portuguesa têm essa história. A senhora deveria ficar aqui, entre nós, um pouco mais tempo e conhecer o que é esta comunidade. Há conflitos, mas isto é uma democracia, minha senhora. E sem conflitos não há democracia!" [palmas]

Dra. Gabriela: "Admito perfeitamente e não pus em causa a democracia ..."

Bill Moniz: "Desculpe. Eu não devia, talvez, ter intervido..." [Alguém que não conseguimos identificar, na assistência, referiu estar alterada a ordem de trabalho daquela mesa redonda.]

Bill Moniz: [pede desculpas novamente]

Neste dado momento a Dra. Gabriela Silva, de imediato, chama a si a responsabilidade da alteração da ordem de trabalho e promete abandonar a sala dentro de minutos, agradecendo ao mesmo tempo a atenção que lhe foi dispensada, formulando também, que a comunidade continue a ser feliz e pedindo perdão, se, com a sua intervenção, eventualmente, tivesse magoado alguém ...

Ainda a Dra. Gabriela Silva não tinha terminado a sua intervenção, quando, da assistência se levanta uma voz e brada que a Dra. Gabriela estava mal informada sobre a comunidade aqui em Toronto.

A Dra. Gabriela Silva pede mais uma vez desculpa, vinculando conhecer [?] essa capacidade de ter sido mal informada...

Tudo isto foi uma surpresa por várias razões que abaixo identificamos:

1. Porque a ordem de trabalhos sobe a temática "Um Olhar sobre os Açores de Ontem de Hoje" incluía, obviamente, a diáspora açoriana e não só e que é algo não poderá desassociar-se queiramos ou não ...
2. Porque após intervenções dos Srs. Jorge do Nascimento Cabral e Victor Alves daquele painel, o Sr. Bill Moniz, a pessoa que moderava aquela mesa redonda, convidou todos os presentes a intervirem naquela discussão com perguntas e comentários que achassem oportunos. E foi isso que Dra. Gabriela fez com o seu comentário.
3. Porque o Sr. Bill Moniz não deveria, como moderador da mesa, ter entrado directamente na polémica com perguntas que, no nosso ponto de vista, foi um insulto à inteligência da Dra. Gabriela Silva, quando questionada "quantos dias seriam necessários para se conhecer uma comunidade". Como é sabido, há muitas pessoas que vivem 10, 20, 30 e 40 anos numa comunidade desconhecendo, infelizmente, o que se passa à sua volta, havendo outros que, em poucos dias contactam, auscultam, envolvem-se e ficam a saber ou a ter uma visão muito aproximada da realidade.

Com tudo isto recordamos amargamente outro choque que nos abalou, não há muitos anos atrás quando emergiu as polémicas das chagas que afligia a nossa comunidade e muitos de nós, se não quase todos, se insurgiram e ficaram escandalizados. Foi o caso de sermos tidos como uma comunidade iletrada, de fraco ou nenhum sucesso escolar, que os nossos jovens precocemente abandonavam os seus estudos académicos e sermos o segundo grupo étnico ( a contar de baixo obviamente) nos estudos superiores, do alcoolismo que nos afogava, da violência no lar etc., etc., etc. Por tudo isto achamos que a Dra. Gabriela Silva, naquela sua intervenção durante o XVI Ciclo de Cultura Açoriana "tocou", com os cinco dedos da sua mão numa outra chaga que há muito nos atormenta e, pelos vistos, mais uma vez teimamos em não aceitar a nossa realidade.

Esperamos, e opinamos, talvez, que os próximos Ciclos de Cultura deveriam trazer mais convidados "do calibre" daquela intervencionista, a Dra. Gabriela Silva, para que com os seus contactos com as nossas gentes, mesmo superficiais, fossem expostos ali os mui problemas e aberrações com que nos debatemos para que assim, no futuro, as mesmas pudessem ser corrigidas e assim trazer a tão almejada união e sucesso à nossa comunidade aqui radicada.

Bravo, Dra. Gabriela Silva. Poucas horas estivemos juntos dialogando sobre a comunidade lusa, mais propriamente oriunda dos Açores. E nesse contacto passageiro nos levou a crer estarmos na presença de uma pessoa bastante inteligente, perspicaz e quiçá mais bem informada que possa parecer num primeiro contacto. E, pelas suas palavras naquela sua intervenção, acreditamos que não veio aqui a Toronto "armada ao pingarelho" ou para dizer "coisas bonitas" -é preciso coragem. Gostámos imenso.