CANTORIAS TRADICIONAIS AÇORIANAS EM TORONTO

(Toronto, 12, 13 e 14 de Novembro de 2003)

Por Carlos Morgadinho-Adiaspora.com


(Da esquerda para a direita) Manuel Antão, Manuel Rebolo, Abel Felipe, José Henrique Brum,
Paulo Botelho (Chalana) e João Leonel (o Retornado).

Estiveram em Toronto dois improvisadores açorianos, um da Ilha Terceira, João Leonel, um veterano nestas andanças mais conhecido por "O Retornado", e o outro da Ilha de São Miguel, Paulo Botelho (Chalana), um jovem de apenas 24 anos de idade mas com grande talento para esta difícil arte de cantador. Estes dois visitantes fizeram, previamente, uma digressão por Winnipeg (Província de Manitoba), onde vivem umas duas dezenas de milhares de compatriotas nossos. Aqui em Toronto, actuaram em diversos estabelecimentos locais como o Pepper's Café, e nos Bares Preguiça e Five Star, este último pertencente ao José de Sousa, e no Sport Club Lusitânia de Toronto, graças a uma iniciativa de José Henrique Brum, um terceirense de gema aqui radicado e amante deste tipo de cultura regional açoriana. Foram, na maioria das intervenções, acompanhados por outros cantadores ou improvisadores que aqui residem como Manuel Antão, natural de São Miguel, que, apesar da sua idade avançada, não quer perder a oportunidade de conviver e tomar parte nas cantigas ao desafio de que é exímio executante. Há muitos anos atrás, fez até parceria com grandes cantadores como "Charrua", "Caneta" e Abel da Costa, dentre muitos; Abel Filipe natural da Ribeira Seca, Ilha Terceira, e aqui imigrado em Toronto há alguns anos, que, além de cantador e improvisador, é autor de várias obras para as danças carnavalescas que aqui se realizam, além de outro talentoso cantador terceirense aqui radicado, Manuel Rebolo.

Estivemos presentes no Pepper's Café e no Sport Club Lusitânia, mais propriamente neste ultimo porquanto no primeiro foi uma visita de "meteoro", não dando tempo para apreciar este tipo de evento tão do agrado das gentes açorianas. Foi pena que o Club Lusitânia, por sua vez, não tivesse a assistência que seria de esperar por tão popular tipo de evento que, infelizmente, aqui em Toronto, só se realizam meia dúzia de vezes por ano, mesmo tendo em conta serem os espectáculos totalmente preenchidos com a prata da casa (cantadores imigrados aqui no Ontário).

Assim, na Quinta-feira, dia 14 de Novembro, nas instalações daquele Clube de raízes terceirenses, cerca de setenta pessoas juntaram-se para apreciarem este tipo de cantorias e cantigas ao desafio com os elementos acima referidos e que foram acompanhados por um trio de cordas constituído por Albino Rebolo (bandolim), Fernando Oliveira (viola clássica) e Nemésio Bento (violão). A primeira parte deste evento contou com a intervenção de Manuel Rebolo e João Leonel (O Retornado), seguindo-se Manuel Antão e Paulo Botelho (Chalana). A segunda parte do programa foi dedicado às cantigas ao desafio onde estes cinco elementos, de uma maneira amistosa e cívica, se "digladiaram", arrancando ovações e gargalhadas dos presentes. Registamos abaixo parte das cantorias daquele sarau no Sport Club Lusitânia. Para ver as restantes cantorias.

O Retornado:

Saudade é dor ingrata
Dessa dor quem não se queixa
Quem chega saudades mata
Quem parte saudades deixa

Manuel Rebolo:

O nosso povo não se engana
É um jardim de flores
Porque o sangue lusitano
É o sangue dos Açores

Manuel Rebolo:

Eu sou um dos Açorianos
Que na vida espera sorte
Senão for lá todos os anos
Eu estou à beira da morte

Retornado:

Imigrante não padeças
Aquele que padece erra
E por favor não te esqueças
De visitar a nossa terra

Retornado:

Nasci para a terra prometida
Para a minha gente vou cantando
Ó vida dá-me outra vida
Porque esta está-se acabando

Manuel Rebolo:

Quem vai lá a qualquer hora
Àquele terreno português
Chega lá e chora
Sai e chora outra vez

Retornado:

Angra cidade amiga
Colorida de mil cores
Também é a mais antiga
Das cidades dos Açores

Foi uma noite linda e de alegria onde os presentes puderam deliciar-se com estas quadras saída das bocas de grandes talentos na arte de improvisar. Cremos que, contra a opinião de muitos pessimistas, esta arte sobreviverá nos corações do povo açoriano. A prova destas afirmações está patente nas plateias e nas pessoas de Paulo Botelho (Chalana) e Abel Filipe, jovens que teimam em não esquecer ou abandonar as suas raízes de séculos, onde as cantorias e as cantigas ao desafio tinham forçosamente de estar presentes nas festas que se realizavam um pouco por todo o lado.