Intervenção da Dra. Gabriela Silva

"… Meus Amigos,

Bem-vindos a esta sala onde hoje acontece a festa que foi amorosamente preparada para que a comunidade de Toronto, e arredores, pudesse partilhar este convívio e desta alegria de estarmos juntos. Não é, como quase todos sabem a primeira vez que estou nesta sala. Visitei-vos no ano passado a convite do nosso, e meu amigo, Oliveira Neto, que me proporcionou a oportunidade de partilhar convosco algumas ideias sobre aquilo que então pensava, e julgo que ainda hoje penso, sobre esta comunidade, numa leitura rápida e talvez restritiva do que parece ser a vivência comunitária autêntica.

Não sou uma pessoa pacífica. As minhas artérias pagam caro o preço de uma energia que me mantem sempre em acção numa tentativa de corresponder ao que de mim esperam aqueles que frequentemente me procuram na esperança de uma palavra amiga, um conselho oportuno, ou de uma opinião que resolva uma situação concreta. Não resolvo quase nada, senão matar a minha própria sede de ser útil, e se isso me satisfaz é provavelmente porque sou suficientemente egoísta para me dar prazer a mim própria, realizando-me nos outros.

Tenho uma natureza rebelde, uma frontalidade selvagem e uma postura de vida que nem sempre me tem dado só alegrias. Apesar de tudo, como convivo bem comigo mesma, e estou, nesta fase da minha vida, feliz comigo, está tudo certo, pelo menos parece-me.

Estar em Toronto significa estar lado a lado com uma comunidade multicultural, uma vez que aqui existem efectivamente portugueses oriundos dos mais diversos espaços da pátria lusa.

Hoje em dia, porém, o significado de ser português, tendo uma força muito grande do ponto de vista das nossas emoções como povo com história com forte ligação ao mar, à imigração e à coragem, corre o risco de perder alguma dessa força quando nos sabemos também somos cidadãos de uma Europa Comunitária, que nos abraça numa globalização crescente com a uniformização da moeda, da língua etc.

O simples facto de hoje transitarmos na Europa como nas ilhas, faz-nos sentir que sempre que alargamos as nossas fronteiras físicas temos mais espaços para percorrer em liberdade. Importante, porém, fundamental mesmo, é saber se a nossa cabeça se deu conta deste ampliar inequívoco de horizontes, ou se ainda estamos na ilha olhando o horizonte nublado à espera de D. Sebastião que, por certo, nunca virá.

Crescer de forma harmoniosa significa não descurar o essencial, ou seja, criar laços de interacção cultural e emocional com a comunidade em que vivemos.

A primeira sociedade que conhecemos é a família, depois a escola, mais tarde o liceu, faculdade ou o mundo do trabalho, consoante os percursos individuais. Mas o importante mesmo é que a nossa integração nos diferentes espaços seja harmoniosa, coerente e positiva.

Os portugueses gozam de boa fama por onde passam. É gente que trabalha, sabe o que quer, que se evidencia, que não vira a cara à luta. Toronto é hoje uma grande cidade multicultural onde os portugueses emigrados desempenham um papel de relevo.

Muitos dos empresários são, e digo com gosto, portugueses. Alguns deles presentes nesta sala, ou aqui retratados através dos seus apoios, são bem a prova daquilo que digo. Sei que este acontecimento envolveu muita gente, quero dizer, sabia antes de escrever o texto. Agora ainda sei melhor depois de ter comido, não é? É também muita solidariedade. Isso é bom e é muito bonito.

Hoje em dia não podemos ser autistas numa sociedade que cresce de forma desmedida e onde a competitividade e a agressividade comerciais não permitem deslizes. O empresário que não for criativo e dinâmico perde-se completamente nesta corrida desenfreada pela sobrevivência económica das empresas, qualquer que seja o seu trabalho. Mas se estamos aqui hoje também, é porque um jovem empresário açoriano decidiu investir nos outros uma boa parte da sua energia.

O José Ferreira veio para o Canadá à procura do futuro. Não o trouxe feito. E é diferente emigrar para estudar à custa de uma família que de Portugal financia a educação superior de um filho ou emigrar para lutar, começando da base da pirâmide das nossas energias.

Chegar a Toronto com as malas carregadas de presentes para dar aos amigos, e ser recebido com abraços e beijos no aeroporto de Toronto, é bem diferente de chegar sozinho, falando apenas português, com os bolsos quase vazios, à procura de um rosto que pareça de baleeiro ou homem das ilhas, que nos ensine onde é fica o norte nesta cidade imensa, onde os pontos cardeais se diluem na harmonia dos prédios altíssimos, que parecem querer acentuar a pequenez de quem vem em busca de alguma coisa que existe dentro da alma, mas que não sabe se dará certo.

A incerteza marca, pois, a vida do imigrante e o seu percurso até ao sucesso. Talvez isso venha a prazo a modelar uma personalidade medrosa, receosa de traição e ciosa das suas conquistas.

O José Ferreira com a Adiaspora abriu uma larga porta de comunicação com o mundo. O facto deste Web site ser bilingue facilita o acesso aos imigrantes de todas as gerações, mesmo aqueles que, esquecidos da pátria, adoptaram o inglês como língua mãe.

Dos Açores ao resto do mundo, Adiaspora leva novidades de nós, de vocês, de quem está presente ou ausente, feliz ou infeliz, de quem quiser expressar-se em liberdade num espaço tão aberto como a Internet, que une o que o mar separa e uniformiza, sem confundir, saberes e culturas.

Agora já não é preciso sair de casa, nem vestir o fato para ir à procura dos acontecimentos culturais. Eles estão no ecrã do seu computador pela mão de uma equipa que escreve com fluência português e o traduz com qualidade.

Temos que fazer, continuar a fazer, o "cocktail" das diferenças geracionais através deste meio, que é o preferido dos jovens, e a que nós, da geração anterior, tivemos que aderir para não perdermos o barco da evolução tecnológica.

Reunir esta família à mesma mesa virtual é também repensar as questões da imigração vistas pelos imigrantes, e rever as atitudes da comunidade dentro da comunidade.

Uma comunidade tem de ser um espaço de partilha, e não de asfixia, um espaço onde as conquistas individuais com bom nível devem ser assumidas por todos como boas, como nossas, como vossas, como de Toronto e do mundo.

O mundo é pequeno de mais para a rapidez com que evoluem os meios para se chegar de um lado para o outro dele mesmo. O meu avô demorou um mês de baleeira para chegar a Newport. Eu ontem almocei em Ponta Delgada, no meu apartamento em São Gonçalo, uma sopa de ervilha à moda das ilhas. Jantei em Taunton no Estado de Massachusetts e hoje tomei o pequeno-almoço em Toronto. Poderia ter jantado noutro local se o desejasse. É claro que não o desejei porque sabia que jantar tinha aqui.

Tenho também o prazer de hoje estar aqui lado a lado com a minha nova patroa, a Dra. Alzira Silva, Directora Regional das Comunidades, com quem tenho o prazer neste momento de colaborar no pólo de Ponta Delgada. Não tenho competência delegada para falar bem ou mal do Governo Regional dos Açores, e muito menos da Direcção Regional das Comunidades, uma vez que é agora a minha pátria, a minha terra e o meu local de trabalho. Contudo, sinto-me tentada a dizer o que todos nós sabemos.

Os governos em democracia não são, não podem ser do agrado de todos, mas correspondem a uma escolha maioritária e livre de um povo que vive realmente em democracia e, que não é mandado recuar para trás da "headline", nem é mandado avançar só quando eles querem, nem mandado calar, como eu fui esta manhã - eu estava à moda das Flores no aeroporto de Toronto. Em Portugal eles nunca me mandam calar! ...

Os açorianos espalhados pelo mundo são muito mais do que os residentes das ilhas. Os continentais e madeirenses também constituem grandes núcleos dentro da imigração. Manter a assiduidade nessas comunidades com uma presença eficiente no sentido de apoiar e manter uma presença viva é impossível para uma mulher sozinha - não por ser mulher, porque uma mulher chega mais depressa a todo o lado - mas sozinha (referindo-se à Directora Regional das Comunidades, Dra. Alzira Silva)

As comunidades auto-dinamizam-se através das suas forças vivas e essa dinâmica é tanto mais importante quanto melhores forem as escolhas daqueles a quem cabe o direito de escolher a liderança das suas associações recreativas, culturais e políticas. Seria contra producente e injusto que quem optou por viver nos Açores quisesse imiscuir-se nas opiniões e opções de quem optou por aqui construir o seu futuro, e sabe as linhas com que se cose e o trunfo com que joga a partida da vida.

Quando forem votar, usam bem a política de quem vai às eleições!

Estamos, pois, aqui com o dever institucional de agradecer àqueles que souberam agarrar a sua comunidade pela oferta de serviços de utilidade pública para fazer a todos felizes. Estamos aqui a falar dos convidados para este evento, que muito honram a comunidade de Toronto, a comunidade do Canadá e do mundo. São o reflexo da grandeza da alma portuguesa que realizam Portugal aqui, um Portugal europeu, um Portugal ilhéu, mas sempre e apenas Portugal.

Poderia terminar com um sem fim de citações importantes de escritores portugueses, mas prefiro parafrasear ainda Fernando Pessoa, que de resto já aqui foi parafraseado, repetindo uma frase sua sempre bonita e que diz: "A minha pátria é a língua portuguesa.", isto sem esquecer de que o inglês é a língua da integração, da reparação inequívoca das nossas diferenças numa sociedade que, teimosamente em algumas comunidades - não é o caso, de modo algum, de Toronto - não admite que o bilinguismo é uma mais valia significativa.

Peço desculpa por me ter alongado, mas, embora não esteja sob a influência do meu heterónimo mais suave, não quis que se pensasse que vinha a Toronto ensinar alguma coisa porque, mais do que nunca, estou consciente da infinitude e da pequenez da minha actuação neste mundo. E acabo com uma frase que gosto e que só pode servir para dizer OBRIGADA, José Ferreira.

"Eu sei que o universo é mais gente do que eu,
Sei que o mundo é maior do que o bairro onde habito
E que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
Não pesa no total que tende para o Infinito"