FESTIVIDADES EM LOUVOR DO DIVINO ESPÍRITO SANTO
NA IGREJA DE S. SEBASTIÃO

(Toronto, 11 a 18 de Maio de 2003)

Por Carlos Morgadinho - Adiaspora.com


O culto do Divino Espírito Santo no povo açoriano remonta aos povoadores do arquipélago que levaram do continente aquela devoção que consta ter sido introduzida em Portugal pela Rainha Santa Isabel, esposa do Rei poeta, D. Dinis.

Assim, através dos séculos, as suas festas apoiavam-se em características psíquicas, morais e lúdicas próprias de um povo sofrido, todavia divertido e festeiro, que se firmavam na sua fé e no comportamento religioso.

Este culto, naquela região, tem vingando os cinco séculos da história desse povo ilhéu e tem-se propagado pela diáspora açoriana. Isto tem a ver com as calamidades que, de tempos a tempos, assolam as nove ilhas, com as inclemências dos vendavais e ciclones; das pestes e fomes que ceifavam milhares de vidas, e das erupções dos vulcões que destruíam as suas vilas e aldeias com lava e cinzas incandescentes. Não devemos olvidar também as incursões dos piratas mouros nas ilhas para o saque e abastecimento de novos escravos.

Perante este cenário, os açorianos agarraram-se à fé na Terceira Pessoa da Trindade para superar tão penosas dificuldades.

Aqui na cidade de Toronto, como é sabido, os núcleos das Irmandades do Espírito Santo, durante as celebrações de Pentecostes, organizam as suas festividades nos moldes das terras que os viram nascer, mantendo a especificidade de cada localidade.

Inserta na onda de celebrações que abundam por toda a cidade de Toronto, a Irmandade da Igreja de S. Sebastião realizou, entre 11 e 18 de Maio, as festas em honra e louvor ao Divino Espírito Santo. Com cunho terceirense, dado os seus membros serem, na maioria, oriundos da Ilha Terceira, as festas ofereceram aos participantes as tradicionais sopas e alcatra, fressura e papa doce à moda daquela ilha.

O altar do Divino Espírito Santo foi ricamente ornamentado com lírios de seda pelas mãos habilidosas de Maria Alice Meneses, Paulina Borges e Francisco Mouro, além de 5,000 copos de papel em três tamanhos, nos quais foram aplicados 25,000 alfinetes e muitas horas de labor das Sras. Eduarda Silva, Fátima Sousa, Maria Costa, Águeda da Silva, Fátima Mouro, Isabel Oliveira, Paulina Borges, Maria Alice Meneses, Fátima Costa e Maria João Lourenço.

É de notar que este altar tinha uma pomba junto de um tinteiro tombado com tinta derramada. Esta particularidade aguçou a nossa curiosidade, levando-nos a indagar qual a razão por tão singular adorno. Segundo o Sr. Francisco Mouro, aquele símbolo remonta aos tempos da Restauração (1640).

As boas novas da libertação de Portugal do jugo castelhano na Ilha Terceira foram difundidas através de um Vila Praiense, Francisco Ornelas da Câmara, que, de imediato, apoiou a causa do nosso rei D. João IV, libertando, desta maneira, aquela ilha da ocupação filipina. Mais tarde, este cidadão e patriota, foi caluniado, por invídia, de traição, sendo, assim, condenado à prisão, condenação essa baseada em falsos testemunhos, embora Francisco da Câmara sempre negasse os crimes que lhe eram apontados, afirmando ser o Divino Espírito Santo testemunha da sua inocência, e do qual aquela personagem era grande devoto e fundador do Império dos Quatro Cantos, em Angra do Heroísmo.

Como as sentenças eram homologadas no continente, no acto de ser assinado a sua condenação, uma pomba fez-se entrar pela janela do tribunal, indo pousar na mesa do juiz no momento em que este se preparava para molhar a sua pena no tinteiro afim de assinar o citado documento. A pomba, então, aproximou-se do tinteiro, derrubou-o, gorando, desta forma, o propósito do meritíssimo juiz.

Os presentes ficaram impressionados com o sucedido, tomando-o como um acto divino do seu Protector, o Divino Espírito Santo, do qual a pomba é símbolo, em testemunho da sua inocência. De imediato, o juiz comutou a pena, sendo Francisco Ornelas da Câmara ilibado daquela infâmia e sofrer tão triste fim.

Estes dados são referidos nos "Anais da Ilha Terceira" do historiador terceirense, Francisco Ferreira Drumond, publicados por volta do ano de 1850, e confirmados posteriormente pelos escritores Gervásio de Lima e padre Luís Cota Vieira.

Este acontecimento foi totalmente patrocinado por duas irmãs, Maria João Lourenço e Fátima de Sousa por graças recebidas. Neste empreendimento foram auxiliadas por um familiar da Terceira, que, pela venda de dois bezerros, angariou fundos de apoio a esta função.

Foram coroados os jovens Vanessa Lourenço, James de Sousa e Jonathan de Sousa, filhos daquelas devotas. Na residência de uma das mencionadas senhoras, no 51 Armstrong Avenue, a sala de entrada foi ocupada com um altar de uma beleza celestial, obra daquela família, amigos e devotos, donde, naquele Domingo, dia 18 de Maio, saiu o cortejo no qual se incorporaram mais de 240 pessoas, além da Banda Filarmónica da Igreja de Santa Inês. O cortejo dirigiu-se para a Igreja de S. Sebastião, onde foi celebrada a Coroação seguido de missa pelo Monsenhor Eduardo Resendes, pároco da Igreja Cristo Rei em Mississauga.

O jantar, de suma importância nestes festejos, decorreu no salão de festas da Igreja de S. Sebastião, que esteve repleto de convidados que confraternizaram ao sabor das deliciosas sopas, massa sovada e alcatra regional daquela ilha, majestosamente confeccionados por Délio Silveira.

Cerimónias e Simbologia

O legado Terceirense do culto ao Divino Espírito Santo encontra-se bem enraizado nas nossas gentes por estas paragens, inclusive na camada mais jovem que herdou de seus pais e avós a cultura e religiosidade. É de louvar esta missão, não só de perpetuar, mas de transmitir estes valores às gerações vindouras. No momento de emigrar para estas terras, o emigrante açoriano transportava as riquezas da sua terra de origem, não nas malas, mas sim, impressas no espírito.

Esta função objectivou o cumprimento de uma promessa por graças recebidas. Em conformidade com os costumes antigos da Terceira, foram emitidos convites a amigos e familiares para comungarem da celebração.

A fase preparativa iniciou-se com a construção e decoração do altar do Divino Espírito Santo para albergar as Coroas que são símbolo da superioridade do poder Divino sobre o poder temporal.

O cortejo segue-se da casa dos mordomos para a igreja onde será celebrada a cerimónia da Coroação, dando pelo percurso testemunho de fé.

Já na igreja, o padre preside à cerimónia da Coroação na qual, ao coroar pessoas designadas, o poder temporal é deposto e transferido para elementos do povo, os quais, pela sua condição humilde, simbolizam a supremacia do poder Espiritual sobre este. "Os humildes herdarão a terra" - citação dos Evangelhos

De acordo com a tradição terceirense, sempre que o jantar decorrer fora de portas, as coroas são transportadas para o local e colocadas sobre pedestal próprio.

No jantar, as sopas, alcatra e papa doce (arroz doce, sendo o arroz o símbolo de fertilidade e prosperidade) são servidos aos convidados.

Os cavacos - No dia seguinte às cerimónias, os mordomos reúnem os colaboradores para partilharem as iguarias que restaram. Esta confraternização é denominada de os cavacos.

Fotografias de Francisco Mouro e José Ferreira