TAMBÉM EXISTEM PORTUGUESES EM QUEBEQUE!

Por Paulo Luís Ávila - Adiaspora.com

Apesar do tempo que prometia tempestade, enchemo-nos de coragem e lá fomos aproveitar o último fim de semana que tínhamos disponível, para dar uma saltada até à outra província, contígua à de Ontário, para o lado Leste do Canadá e que é com muito orgulho francófona - Quebeque.

O Rio Otawa separa a capital do Canadá com o mesmo nome, através de pontes monumentais com muitas décadas de existência. A cidade que a seguir encontramos na Auto-estrada 50, paredes-meias com a 148 que vai até Montreal, dá pelo nome de Gatineau. Foi aí onde nos acomodámos, em casa dos nossos amigos Picoenses, Jaime e Maria Dutra que vivem num chalé solarengo, rodeado de terreno, onde abundam as árvores de fruto e onde são esmeradamente cultivados os alhos, as cebolas, as batatas e outras novidades, onde se destaca o feijão. É um amigo Lajense e é acima de tudo um Picoense de gema, tanto ele como a esposa. E reforçando um pouco o que atrás deixei escrito, anoto que depois da chegada, cerca da meia noite e meia, já madrugada do Sábado dia 13 de Novembro, porque é sempre bom nos situarmos no tempo e, com uma temperatura negativa de sete graus Centígrados, ainda estivemos conversando até às cinco da matina. Conversas que versaram os temas mais variados, onde não foram esquecidos os lugares e as pessoas antigas sempre lembradas nestes momentos que foram vividos com muita presença e muita nostalgia, onde por vezes as lágrimas humedeceram-nos os rostos tal a fragilidade da nossa saudade e a intensidade das recordações. Escusado será dizer que a maioria delas já está na Eternidade à nossa espera... Mas privilegio muito esta amizade e tenho a certeza que também do outro lado sou correspondido. Mas adiante, "que se faz noite". No sábado havia missa vespertina às dezanove horas no Centro Paroquial e depois a Festa comemorativa dos 29 anos de aniversário do CENTRO COMUNITÁRIO PORTUGUÊS AMIGOS UNIDOS.

Os lugares para a Ceia que antecedia o Serão Cultural e Dançante há muito haviam sido marcados e depois da missa vespertina, que foi presidida pelo Pároco da Igreja de Nossa Senhora de Fátima de Gatineau-Hull, Pe. António Araújo, entrámos para a porta ao lado e descemos a escadaria que nos transportou até ao magnífico e espaçoso Salão de Festas.

Abriu a Sessão Comemorativa dos 29 anos da fundação do Centro Comunitário o seu Presidente, João Dionísio Arruda, que proferiu perante uma grande assistência calculada em cerca de 250 pessoas, as palavras que transcrevemos na íntegra: "Mais um ano passou e estamos aqui de novo para o festejar. Este Centro comemora hoje (13 de Dezembro de 2003), vinte e nove anos de existência e celebramos paralelamente cinquenta anos de comunidade a crescer e a caminhar neste caminho da emigração e a fazer a nossa própria história. Em cada ano que passa, mais histórica fica esta nossa caminhada, com o envelhecimento e o desaparecimento da nossa primeira geração. Mas, enquanto por aqui andarmos, haveremos de celebrar as nossas conquistas e as nossas vitórias. Este Centro é sem dúvida uma das nossas vitórias que merece ser celebrada, por ter permanecido, ao longo dos anos, fiel à nossa comunidade. Desde o primeiro dia da sua existência que este Centro tem vindo a ser um verdadeiro padrão da Comunidade Portuguesa nestas paragens. Tem sido e continuará a ser um símbolo da nossa força, da nossa perseverança, da nossa cultura, da nossa língua, contribuindo assim para dignificar a nossa presença neste país. Foi necessária muita força de vontade e muita dedicação para o construir e engrandecer. Mas...valeu a pena e continua a valer a pena todo o esforço que os braços da comunidade têm dado, ao longo dos anos, para conseguir que este Centro permaneça como a "nossa casa", a receber e a abraçar todos, como uma mãe que acolhe os filhos ao redor da sua mesa. Parabéns à nossa Comunidade e votos de muitas felicidades e muitos anos de vida para esta nossa casa. Viva o Centro Comunitário Português Amigos Unidos".

Seguiu-se o jantar com vários pratos muito apaladados, que foram confeccionados pelas cozinheiras e ajudantes da "casa" e servidos pelas mesmas. Tudo na Sala tinha um perfume Português. Depois foi a vez dos pares rodopiarem ao som da orquestra privativa do cantor Luso-Americano Arlindo Andrade, que há 22 anos abandonou a sua terra natal, São Roque de Ponta Delgada, para se fixar em Hudson, Estado de Massachussets. Aí formou o seu primeiro conjunto musical a que deu o nome de "Origens" e actualmente é suportado pela sua Banda a que deu o sugestivo nome de "Faith" (Fé). Inclusivamente já lançou no mercado discográfico, três CDs.

Mas nestas coisas da música aqueles que a controlam, contribuem em grande medida para o sucesso do espectáculo e o Dimas Tavares, outro Micaelense da Bretanha, esteve no controle e registo do som e fê-lo com bastante brilho profissional. Daqui lhe envio um agradecimento sincero pela distinção que deu ao representante do nosso jornal "on-line" rodando dois CDs. , com música para dança.

No intervalo do espectáculo foram sorteados vários prémios e o Presidente concedeu a entrevista que a seguir reproduzo:

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Novamente os pares foram "a terreiro" e enquanto o Arlindo teve força, conseguiu manter o Salão sempre cheio. Mas o dia imediato era Domingo e as previsões meteorológicas eram más, por isso havia que recolher cedo a "vale de lençóis". Já quase no fim da Festa, deu entrada no Salão outra personalidade que longe tem projectado o nome de Portugal, com o seu famoso coro Voz da Saudade fundado em Outubro de 1998. O Maestro e compositor que dá pelo nome de António Fernando Àzera da Silva e depois de nos cumprimentar, disse-nos que estaria nos Açores em finais de Julho e princípios de Agosto, para actuar nas Ilhas de São Miguel, Terceira, Faial e muito provavelmente no Pico, a quando do "Cais Agosto 2003". Referiu ainda e aproveitamos para o divulgar, é esta uma das nossas funções, que actuarão no dia 31 de Janeiro de 2004 em Cambridge, Ontário e no dia 11 de Março no C.C. Português de Mississauga, Ontário - Canadá.

Através dos contactos que sempre estabelecemos entre os convivas, abraçámos entre outros, José Tomás, o poeta Eduardo Cabeceiras e a esposa e encontrámos um poeta popular nascido na Vila de Santa Cruz na Ilha Graciosa e que dá pelo nome de Aldevino de Mendonça da Silva. Sua esposa Maria Guadalupe da Silva, passou para o papel os versos que aqui deixo reproduzidos:

Vou cantar aos meus senhores,
Cantigas que tem valor
E que servem para toda a gente.
Flores, Faial e Madeira,
São Jorge, Pico e Terceira,
São Miguel e Continente.

Também à Graciosa,
Gente grada e formosa,
Mas que tem muita mania.
O Corvo é terra anã,
Mas também tem sua irmã,
Terra de Santa Maria.

Vou falar do Continente,
Que tem gente inteligente,
Mas também muito trafulha.
Tanta gente misturada,
Que de volta e meia andam à lombada,
Tanta abundância de pulha.

A Madeira meus Senhores,
Essa é um jardim de flores,
É das terras africanas.
Vendem alhos e cebolas,
A fregueses que são tolos,
Porque compram por bananas.

A Ilha de Santa Maria
Que já viveu na agonia
E viu-se perto da morte.
Foram para lá dos melhores
Fazer as pistas maiores
Fazer a Base mais forte.

A Ilha de São Miguel
Todo o rico usa anel
E o pobre pé no chão.
São fechados num curral,
Como qualquer fera animal,
Isolados na prisão.

Encontro na Terceira,
Só toiros e bandalheira,
Relógios e botas de cano.
Há tanta gente perdida,
Que vivem ganhando a vida,
Roubando aos Americanos.

Há uma Ilha no Norte,
Que não tem Castelo nem Forte,
Para ouvirem seus urros.
É uma Ilha tão formosa,
Que uns chamam Graciosa,
Outros chamam...terra dos burros.

São Jorge Ilha perdida,
Muito estreita e comprida,
É a Ilha que não há fruta.
Desde o Topo às Manadas,
São solteiras e casadas,
Tudo usa saia curta.

O Pico é desprezado,
Por não ter terra nem arado,
Mas é a Ilha mais bonita.
O seu cantar é alegre,
Ali toda a gente escreve,
Cantam, bailam a Chamarrita.

Faial é a Ilha Azul,
Desde o Norte até ao Sul,
Tem um lindo panorama.
Mexicanos e Franceses,
Americanos e Ingleses,
Da Ilha dão boa fama.

Só o nome das Flores,
Onde vivem lindos amores,
E gozam a mocidade.
Um coelho é um espertalhote,
Uma lancha é um bote,
E um bode uma autoridade.

O Corvo é uma só freguesia,
Disse-me quem a conhecia.
Lá não tinha cidade,
Pelas festas são ingratos,
De gravatas sem sapatos,
Mas vivem em felicidade.

Depois dos versos a despedida se impõe. É um torrão Português, cada canto onde habita um Lusitano. Ouvem-se gritos calados e visionamos em cada face o rincão lá distante. Muitos dos que para cá vieram, trouxeram o sentimento indestrutível da Portugalidade que lhes queima o peito. Esse sentimento, protege e ampara aqueles que passam por horas de desânimo. Cada casa tem um espaço guardado para recordar a vila, a cidade, a freguesia, numa palavra, a foto ou a pintura que lembra o cantinho onde viu a luz do dia. Muitos projectos idealizados, a maioria desfeitos e no final o que resta é a saudade e a impotência. Muitos nunca mais voltarão a ver o "seu berço" e essa tristeza ressalta e transparece em seus rostos tisnados pelo sol e crispados pela neve. Vivemos em convívio ameno e aberto com o Jaime a Maria e o Francisco Dutra, mas também tivemos o grato prazer de abraçar o Gil e o Francisco Machado, velho companheiro de outros futebóis, de outras brincadeiras e de outras latitudes. Eles ficaram. Partimos mais uma vez com o coração destroçado, fazendo juras para que seja para breve o nosso reencontro.

 

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