CONVERSAS DA DIÁSPORA

- Com o Pioneiro António Viola -

(12 de Dezembro de 2003)

Por Adelina Pereira - Adiaspora.com

Adiaspora.com: Hoje temos connosco o Sr. António Viola, pioneiro emigrante que chegou a estas terras do Canadá em 1952. Sr. António, ao que nos parece já havia outros portugueses aqui no Canadá quando chegou a primeira vaga de emigração oficial portuguesa, entre os quais o senhor. Quando emigrou para o Canadá?

A.V.: Em Junho de 1952. Mas já tinham vindo cinco antes de mim. Vieram individualmente.

Adiaspora.com: É oriundo de que parte de Portugal?

A.V.: Sou natural de Peniche onde nasci a 25 de Agosto de 1920.

Adiaspora.com: Conte-nos um pouco sobre a sua vida antes de emigrar?

A.V.: Eu era comerciante. Tinha uma casa de venda de mobílias. Eu era marceneiro e tinha operários a trabalhar para mim.

Adiaspora.com: Como é que teve conhecimento do Canadá?

A.V.: Eu, desde novo, pensei sempre em emigrar. Ouvia falar que se fazia fortunas no Brasil, fazia-se fortunas na Venezuela e em 1945 estive quase pronto para ir para a Venezuela. Não fui porque me disseram que aquilo era muito mau, o clima, a comida, a água, que nada prestava e então desisti. No entanto, passado pouco tempo, arrependi-me ter desistido. Entusiasmei um amigo meu a ir para a Venezuela. Ele queria ir comigo e embora eu tenha desistido, ele não o fez, dizendo que iria arrepender-me, e assim foi. Passado anos, fui tentando ir para a Venezuela mas não consegui até que, um dia, vou para o café como era meu hábito à hora do almoço. Um cliente do café bateu no vidro quando me viu passar e chamou-me. "Olha Viola, você quer emigrar. Está aqui um país para onde emigrar." Tinha saído no Diário de Notícias daquele dia uma notícia que dizia "O Canadá recebe este anos tantos milhares de imigrantes" mas não dizia que eram portugueses. Perguntei ao senhor: "O Canadá, onde é o Canadá?" Ninguém falava no Canadá naquela altura e eu não conhecia nada sobre este país. A maior parte dos portugueses não sabiam onde era o Canadá. "Olha, fica a norte do Estados Unidos. Aquilo é muito frio." Perguntei-lhe qual era a moeda. "É o dólar.", respondeu-me. "Então serve-me";ripostei logo. No dia seguinte fui a Lisboa descobrir onde era o Consulado Canadiano. As então instalações do Consulado eram reduzidas a uma pequena sala apenas. Estava lá uma senhora canadiana que falava português mal a quem me dirigi e perguntei quais as possibilidades que tinha de emigrar para o Canadá. "O senhor vá à Junta de Emigração Portuguesa e peça o passaporte de emigrante." Nessa mesma tarde fui à Junta na Junqueira onde me perguntaram se eu tinha um contrato de trabalho. Quando respondi que não informaram-me que só concederiam o passaporte com um contrato de trabalho. Fiquei em Lisboa e no dia seguinte voltei ao Consulado Canadiano e disse à senhora que a Emigração recusava-se a dar-me o passaporte sem ter contrato de trabalho. "Olhe, faça uma coisa. Veja se consegue um passaporte de turista que eu dou-lhe o visto de turista e assim vai para o Canadá. Depois de lá estar pouco tempo legaliza-se." Naquele tempo era fácil legalizar-se cá.

Adiaspora.com: Isso não chegou a acontecer porque sabemos que entrou no país como imigrante.

A.V.: Sim, de facto entrei como imigrante mas voltando ao meu relato.... depois voltei a Peniche onde pedi ao Presidente da Câmara se fazia uma carta de recomendação. Para se requer o passaporte de turista no tempo do Salazar era preciso ser-se rico ou ter-se cunhas. Então necessitava do Presidente da Câmara para dar boas informações minhas para Leiria para me darem o passaporte. Só que o Presidente da Câmara disse-me que não o podia fazer porque eu não era proprietário embora tivesse negócio. Negou-me o favor que eu estava a pedir-lhe. Entretanto, há um senhor que eu tinha mandão para a Venezuela, a quem eu tinha facilitado a sua ida pois fui eu que o entusiasmei, que tinha a esposa bem colocado em Peniche que conhecia um senhor que tinha uma mercearia. Este senhor certo encontrou-me e disse (já sabia que eu andava a tentar ir para o Canadá): "Olha Viola, o Frederico Guerra está no Canadá!" Tinha este passado como turista para o Canadá. Foi o primeiro português que se conhecia lá que tinha entrado no Canadá. Esse senhor tinha estado na Venezuela. Quando a situação piorou na Venezuela, foi para o Brasil, donde depois veio para o Canadá. Entretanto, havia um outro português de Peniche que tinha passaporte de turista que tinha tentado entrar em Arruba, na Venezuela para tentar ficar lá mas que não deixaram à chegada desembarcar do barco, a quem eu sugeri que tentasse o Canadá uma vez que já lá estava o Frederico Guerra uma vez que possuía o passaporte de turista. Sugeri que fossemos ao Consulado onde a funcionária lhe daria um visto. E assim foi. Fomos ao Consulado onde lhe deram o visto e ele veio para o Canadá. Entretanto, esse senhor já no Canadá é que diz ao meu amigo Guerra: "Olha quem quer vir para o Canadá é o Viola. Tem se fartado de dar voltas lá a ver se consegue vir e não consegue." "É pá, eu posso ajudá-lo. Vamos tentar ajudá-lo. Vou escreve-lhe uma carta para ele apresentar essa carta no Consulado em que eu digo que tomo responsabilidade pela vinda dele." E assim foi. Não foi uma carta de hamada propriamente dita. Foi uma carta em que ele escreveu: "Amigo Viola, sei pelo Norberto que você está interessado em vir para o Canadá ... Vá com esta carta ao Consulado Canadiano e diga o que está aí que posso passar a ser o seu sponsor" Fui ao Consulado com a carta onde a funcionária me disse: "Deixe aqui a carta que a vou mandar para o Canadá." Passado algum tempo recebi uma carta do Settlement Service a garantir-me trabalho como marceneiro após a minha chegada ao Canadá. Com essa carta dirigi-me à Junta de Emigração onde o funcionário me disse: "Finalmente, não podemos que não!" Foi-me concedido então o passaporte de emigrante. Depois regressei ao Consulado onde me dado o visto, etc. Como já havia nesse tempo muita gente entusiasmada para vir para o Canadá pois muitos tinham lido a tal notícia, quando fui levantar o meu passaporte ao Gabinete do Senhor Tenente-Coronel Batista, que era o presidente da Junta de Emigração na altura, a sua secretária informou-me que a Junta estava interessada em abrir a emigração para o Canadá, só que era um país desconhecido. Sabia-se a sua localização mas desconhecia-se o modo de vida. Pediu que escrevesse uma carta ou duas do Canadá, após a minha chegada, dando informações de como a vida era lá, as dificuldades e facilidades que encontrara, como viviam os portugueses que lá estivessem. E assim fiz. Seis meses depois de cá estar (eu fui trabalhar para Seven Islands) escrevi uma carta para a Junta de Emigração Portuguesa em que eu dizia que o Canadá era um bom país, que era um país de futuro e que era de facilitar a vinda de emigrantes para o Canadá mas com a recomendação que viessem com alguns conhecimentos de inglês ou francês para saldarem as dificuldades que eu tive pois eu não falava nem inglês nem francês. No Labrador onde estive falavam o francês e eu julgava que estavam a falar inglês e vice-versa. Mas afinal eram todos Newfies (habitantes de Terra Nova).

Adiaspora.com: Depois de ter resolvido o imbróglio com o passaporte, consegue o passaporte como emigrante. Quando é que parte de Portugal?

A.V.: Parti de Portugal no dia 1 ou 2 de Junho de 1952. Ao todo, foram 6 dias de viagem.

Adiaspora.com: Em que barco é que partiu?

A.V.: No Vulcania. Era um barco italiano, irmão do Saturnia. Nessa viagem eu era o único português a vir para o Canadá. O barco vinha cheio de emigrantes que iam para os Estados Unidos, portugueses que tinham ido de férias a Portugal que vinham de regresso. Desembarquei em Halifax e vinham mais dois portugueses no barco com passaportes de turista. No segundo dia de viagem, o inspector de emigração abeirou-se de mim e disse-me que havia outros dois portugueses que também vinham para o Canadá e que mos apresentaria para fazermos a viagem mais distraídos. Um mês antes, estes já tinham vindo no Saturnia mas ao chegar foram impedidos de desembarcar pela polícia por não terem condições financeiras para entrar no Canadá. Mas eles não desistiram e conseguiram vir no Vulcania um mês depois. Acabaram por ficar. Um deles até foi meu colega de trabalho por bastante tempo. Estive sujeito a ser atirado ao mar por eles na viagem. O inspector levou-me ao bar para me juntar a eles...

Adiaspora.com: Lembra-se dos nomes deles?

A.V.: Um chamava-se Joaquim Salvadinho e o outro era conhecido por José da Batata. Eram ambos de Loulé. Depois de fazer as apresentações e de beber uma cerveja connosco, o inspector foi-se embora e eu fiquei ali com eles. À noite, cada um recolheu-se para seu camarote. Eles iam em segunda classe e eu em terceira. Noutro dia fui à procura deles mas quando me viram fugiram. Cada vez que me viam fugiam, mudavam de sítio, e evitavam de estar comigo porque pensavam que eu era de PIDE! Pensaram que o inspector que me tinha apresentado para durante a viajem eu tentar saber quais eram os seus planos, porque iam para o Canadá. Chegámos a Halifax, eles estavam na bicha dos turistas enquanto eu na bicha dos emigrantes mas eles não tiravam os olhos de mim, ainda desconfiados. No comboio para Montreal, eu vou à procura deles com uma garrafa de Vinho do Porto. Quando os encontrei exclamei: "É pá! Já estamos no Canadá! Vamos abrir uma garrafa de Vinho do Porto para celebrarmos!" E lá fomos conversando durante mas eles estavam sempre um pouco retraídos. Eu dizia-lhes: "Vocês vão como turistas mas vão conseguir ficar porque um meu amigo meu que já cá está e que se legalizou, tenho outro que veio da Venezuela e do Brasil que também já se legalizou!" Eu estava contar-lhes uma estória que eles já traziam nos ouvidos e que lhes fora contada há bastante por um seu amigo que veio da França para o Canadá. Quando chegámos a Montreal perguntei-lhes se podia partilhar táxi com eles, tendo estes me respondido que deveria seguir noutro. E assim foi. Tive a sorte de apanhar um táxi logo de seguida e dei instruções ao taxista para seguisse o carro onde eles seguiam. Chegámos a Rua St. Elizabeth em Santa Catarina onde se juntavam os portugueses. O táxi deles parou, saíram e bateram a uma porta donde emergiu um senhor que os abraçou. Eu estava com a minha malinha, a mala de cartão como diz o outro, na mão e depois daquela euforia dirigi-me ao senhor que os recebera e perguntei: "O senhor por acaso sabe da morada ou conhece os senhores Norberto Mota e o Guerra?" "É pá, não me diga que você é o Viola!" Foi mesmo assim. "O homem, você é já tão falado no Canadá. Eles já estão à espera de você há tanto tempo!" Aí é que os outros acalmaram. Fomos todos jantar a um cabaré, beber cerveja, todos animados porque deixei de ser o informador da PIDE. Mais tarde o Salvadinho ao José Rodrigues: "O viola teve uma sorte desgraçada porque se nós descobríssemos que ele era da PIDE e que andava atrás de nós a tirar informações, nós tínhamos o atirado ao mar!"

Adiaspora.com: Como foi a sua vida depois de ter chegado a Montreal?

A.V.: Eu não sabia procurar um quarto nem nada mas as tive a sorte de me ter encontrado com os portugueses. Já estavam 10 ou 12 portugueses em Montreal naquela altura. Tinham vindo como turistas, 2 de Arruba, 2 da Venezuela, 1 do Brasil, 2 de França, ao todo 10 ou 12.

Adiaspora.com: Atrás referiu que tinham vindo 5 de Portugal antes de si? Sabe algo a este respeito?

A.V.: Sim. Os dois primeiros portugueses que vieram como emigrantes para o Canadá foram os irmãos Coitos do Bombarral. Já faleceram. Estiveram cá só 18 meses. Eram blacksmiths (ferreiros) e foram trabalhar para Seven Islands, para onde eu também fui trabalhar. Paguei $50 a um senhor português para me levar para lá. Paguei eu a viagem. Ofereci-lhe $50 se ele me conseguisse emprego nessa companhia que estava a construir a linha ferroviária.

Adiaspora.com: Como se chamava esse senhor que funcionava com um espécie agente de emprego na altura?

A.V.: Chamava-se Abel. Era um crook (vigarista) muito grande. Já tinha estado nos Estados Unidos. Andava enfiado na máfia dos Estados Unidos, onde acabou por ser morto depois de ter regressado do Canadá. Era um português continental de Torres Vedras.
Adiaspora.com: Depois de já reunido com os seus amigos e instalado em Montreal, acabou por arranjar alojamento?

A.V.: Sim. A primeira noite fiquei com um português na mesma cama!!! Era pintor. Disse ele: "Você não se atrapalhe. Se não arranjar quarto hoje arranjará amanhã. Nunca dormiu com um homem? A minha cama é muito larga. Quer dormir comigo e amanhã arranjamos quarto? Entretanto o Guerra e o seu amigo Norberto estão aí a chegar. Vêm de férias." Seven Islands, onde trabalhavam, era muito longe de Montreal. Estive uma semana em Montreal antes de seguir para Seven Islands onde o agente Abel me arranjou colocação a troco de $50. Trabalhei de carpinteiro em Seven Islands durante ano e meio. Tive sorte pois os carpinteiros ali eram aos milhares como de resto todas as profissões porque ali andavam a abrir uma linha ferroviária para Labrador. Tive a sorte de invés de ir para esses campos - era um campo aqui, outro a cinquenta milhas - de ficar na base da companhia. Iniciei por trabalhar três semanas de pá e pica, por outras palavras fiquei a trabalhar na companhia como labourer (trabalhador indiferenciado). Depois ofereci mais $50 a esses portugueses do Bombarral para o bossa (supervisor ou encarrgado) dele e o bossa dos carpinteiros se embebedarem. Iam a uma vilazinha dos esquimós onde eles iam todas as noites para a cerveja. Os dois portugueses do Bombarral sabiam-no e estavam muito bem vistos como trabalhadores. O superintendente deles juntava-se com o dos carpinteiros e houve em que um dia eu estava a trabalhar com a pá a abrir um buraco quando o supervisor dos carpinteiros se aproximou e chamou por mim. "Viola, Viola, Come on up. Are you're a carpenter?" (Viola Viola, apresente-se. É carpinteiro?) Ele falava mal o inglês. Falava mais o francês do que inglês. "Where are your tools?" (Onde estão as suas ferramentas?) "In my bedroom," respondi eu (No meu quarto). Fomos ao meu quarto onde tirei a minha mala com as minhas ferramentas de carpinteiro à antiga, que eu tinha trazido de Portugal, uma plaina de madeira, uma serra, etc. e o homem viu que eu era carpinteiro. Tive a sorte de dizer que era cabinet maker (marceneiro) e então ele atirou comigo para a oficina de carpintaria onde tinham dois homens a trabalhar. Colocou-me logo à entrada na bancada à entrada da porta. Apresentou-me o foreman da oficina (encarregado) e depois agarrou na bocado de papel onde desenhou uma secretária para eu fazer. "Now you are going to make a desk" (Agora vais fazer uma secretária) Apesar de não falar a língua percebi que se tratava de uma secretária e comecei a fazê-la. O foreman de lá dentro tinha um amigo alemão, que era quem fazia os trabalhos melhores na oficina. Comecei a fazer sombra a esse homem com o meu trabalho. Então o foreman da carpintaria um dia atira comigo para a rua. Mas eu estava protegido pelo superintendente e o outro pelo foreman. Ele atiro comigo para a rua alegando que não havia trabalho na oficina, tendo me colocado a serrar 12 by 12 (vigas de madeira de 12 polegadas por 12 pés) com uma grande serra. O superintendente passa por lá e vi-me ali. "Quem te mandou para aqui?" "Foi o Mr. Blanchard." "Take your tools. Come on." (Pega na ferramenta e vem). Pára o carro, mete-me a ferramenta no carro e fomos direitos à oficina. Ele chegou lá e perguntou ao foreman por que razão me tinha manado para a rua. Este respondeu que não havia muito trabalho na oficina. Era uma altura em que todos estavam parados a beber café e a conversar. O coffee break (intervalo para o café) invés de ser 10 minutos era uma hora. O superintendente ripostou por perguntar como havia trabalho para os outros que lá estavam se não havia para mim. Manda-me novamente para a minha bancada, faz outro desenho de mais uma secretária e dá-me instruções para a construir e quando a terminasse para continuar a construir mais secretárias. Como vê, eu estava protegido pelo superintendente.

Adiaspora.com: O senhor veio solteiro para cá?

A.V.: Já era casado com dois filhos mas estive sozinho no Canadá durante 5 anos nos quais calcorreei o Canadá de norte para sul e de nascente a poente, sempre a trabalhar. Olhe que cheguei a estar em Frobisher Bay que é perto da Gronelândia.

Adiaspora.com: Sempre por conta desta mesma companhia?

A.V.: Sim. Portanto, estive em Seven Islands, depois passei para o Labrador, ou seja, Frobisher Bay para uma base aérea numa ilha canadiana. Esta localidade fica muito a norte tanto que os canadianos chamavam este território radar land. Estive lá duas vezes, uma vez de Inverno e outra de verão, regressando sempre à base em Seven Islands. Um dia recebo uma carta de Vancouver de um amigo meu, o António Gonçalves, que já tinha vindo integrado na primeira emigração oficial portuguesa para o Canadá e que reside actualmente em Toronto. Informou-me que em Vancouver estavam a recrutar carpinteiros para o Alasca. O ordenado que ofereciam era maior do que o que estava a ganhar. No Labrador, meto-me num avião e atravessei o Canadá de uma ponta a outra. No dia seguinte à minha chegada em Vancouver fui ao escritório onde faziam os contratos para ir para o Alasca. Perguntaram-me se tinha cidadania canadiana. Disse-lhes que não ao qual me informaram para aquele sítio só poderia seguir que tivesse cidadania canadiana ou americanos. Fiquei decepcionado por ter feito uma viagem daquelas com ferramenta e tudo a ver se ia para o Alasca e não fui. Estive somente uma semana em Vancouver. Hoje tenho lá um neto e vou proximamente voltar a visitar aquela cidade ao fim de quase cinquenta anos. Nessa minha viagem, fui acompanhado de um outro colega. Então dirigimo-nos ao Unemployment (Instituto de Emprego) onde nos arranjaram colocação numa cidade pequena Ocean Falls que tem uma fábrica de papel, que se situa na costa ocidental do Canadá, onde trabalhamos durante 3 ou 4 semanas, e depois apanhei o barco para ir para Kitimat onde acabei por permanecer aproximadamente 3 anos.

Adiaspora.com: Quando chegou a Kitimat já haviam portugueses concerteza?

A.V.: Em Kitimat havia uma fábrica de alumínio, a Alcan, e cujos operários eram na maioria portugueses.

Adiaspora.com: Foi trabalhar para a empresa Alcan?

A.V.: Não. Trabalhei na construção de casas que a Alcan estava a construir para os operários. Estava a construir uma vilazinha, que hoje é uma cidade segundo me dizem, para acomodação dos operários. Alguns tinham já lá mulher e filhos. De portugueses havia lá o Silveira e o Sebastião que compraram uma casa em sociedade. O Sebastião mandou vir a mulher. Esteve lá o Sr. Fernando Ramalho que também esteve, como eu, em Goose Bay. Fui para Kitimat em 1955. Ao fim de dois anos e meio regressei a Portugal. Estava a trabalhar de carpinteiro de cofragem com lama até aos joelhos, serviço do qual não gostava pois até ali tinha trabalhado sempre na carpintaria de acabamentos. Mas como naquela altura não havia outro trabalho fui trabalho para o hospital, que era a única obra que lá havia. Tinha havido uma quebra no sector do alumínio e a fábrica quase parou. A Union (Sindicato) arranjou-me esse serviço, mas só lá estive uma hora pois despedi-me logo. Eu estava trabalhar, cheio de lama, e estavam a encher uma parede de cimento e as formas estavam a ceder. O superintende gritava de cima "Agarra no jack, agarra num jack!" (macaco) Agarrei num jack que lá estava no chão mas não sabia como aquilo funcionava. Ele de lá de cima começou a desatinar, "I don't know what the hell carpenters I have!" (Não sei que raio de carpinteiros tenho!). Enervei-me, subi a encosta e fui direito a uma agência de viagens comprar o bilhete para Portugal.

Adiaspora.com: Com que então regressou à sua terra?

A.V.: Sim e estive lá cinco anos. Tinha lá a minha oficina de marcenaria que nunca fechei. Durante todo o tempo que estive cá, ficava cá ano e meio e depois 6 meses em Portugal.

Adiaspora.com: Recapitulando, após a sua primeira vinda para o Canadá, ia regressando esporadicamente a Portugal?

A.V.: Sim. Estava cá ano e meio, voltava a Portugal onde permanecia 6 meses e depois regressava novamente ao Canadá. Depois desse aborrecimento em Kitimat estive em Portugal 5 anos sem voltar ao Canadá. Retomei o meu trabalho na minha oficina em Peniche. Quem ficou a tomar conta da minha oficina nas minhas ausências foi o pai da minha esposa. Depois deste desaire em Kitimat regressei com ideias de ficar em Portugal de vez e desenvolver a minha oficina. Mas entretanto dão-se os problemas das antigas colónias portuguesas, em Angola e Moçambique. O meu filho estava a atingir a idade de ter de submeter o nome para a tropa e provavelmente teria de prestar serviço militar na guerra colonial. Para o salvar da guerra, dirigi-me ao Consulado Canadiano fazer um requerimento para regressar novamente ao Canadá.

Adiaspora.com: Quando regressou ao Canadá?

A.V.: Em 1963. Já cá tinha o meu irmão pois tinha-lhe feito a carta de chamada antes de ir. A minha família veio primeiro. Ainda fiquei em Portugal mais seis meses para vender o meu negócio. Depois juntei-me aos meus no Canadá. Contudo, só consegui desfazer-me do meu negócio em 1965.

Adiaspora.com: Desta feita, para onde foi residir juntamente com a sua família?

A.V.: Vim para Toronto.

Adiaspora.com: Porque escolheu a cidade de Toronto?

A.V.: Eu tinha amigos em Toronto que tinham estado comigo em Kitimat. A maior parte da malta que esteve em Kitimat veio aqui para Toronto quando o sector dos alumínios parou e houve layoffs (despedimentos).

Adiaspora.com: Já aqui em Toronto o que fez?

A.V.: Em Toronto era carpinteiro e um dia tentei importar mobílias portuguesas para o Canadá. Isto em 1963. Eu, o Fernando Ramalho e o José Jordão formámos uma pequena companhia para importarmos mobílias de Portugal, isto é, fui a Portugal escolher as mobílias. Foram somente duas, uma da sala de jantar e outra de quarto, mobílias do melhor que lá se fazia. A mobília de sala de jantar era estilo D. José e a de quarto estilo Luís XV com embutidos, floreados, talha, etc. Em Abril por altura da Grande Exposição aluguei duas estantes onde tive as mobílias em exposição. A intenção era importar aquelas mobílias, que não havia cá, ou arranjarmos clientes para elas. Nós seríamos os importadores ou intermediários. Eu sonhava com casas como o Eatons, a levá-los a entusiasmarem-se a adquiri-las. Eu sabia onde as mobílias eram fabricadas em Portugal, em Gondomar, etc. Nessa exposição vendi a mobília de sala de jantar. Não vendi a de quarto que mais tarde dei ao meu filho por altura do seu casamento.

Adiaspora.com: Não houve muita aderência do público canadiano a ideia?

A.V.: Não mas durante a exposição houve muitas pessoas que gostaram das mobílias e do trabalho que cá não se fazia. Cá faz-se talha mas é em plástico com moldes, etc. Mas aquelas mobílias tinha embutimentos de madeira que as pessoas apreciavam. Estivemos 15 dias na exposição. Mais tarde, em 1970, formei outra vez uma companhia com o meu genro e outro senhor da Jamaica para importarmos mobílias de Portugal. Fui a Portugal em 1974, no ano da Revolução, carregar um contentor de mobílias e tive uma casa num primeiro andar na Rua Augusta (em Toronto) de nome King's Craft Furniture. Não perdia tempo do meu trabalho. Trabalhava de carpinteiro. Depois da hora ia para o estabelecimento e fui vendendo as mobílias pouco a pouco a portugueses. Mas isso já foi uma quantidade grande mobílias, um contentor cheio de mobílias diversas, entre as quais as camas de bilros.

Adiaspora.com: Durante quanto tempo teve esse comércio?

A.V.: Aproximadamente ano e meio. Depois fechei. Começou a diminuir a existência. Vendi tudo a portugueses.

Adiaspora.com: O que se seguiu a essa fase em que ousou abrir um estabelecimento com artefactos e mobílias portuguesas?

A.V.: Continuei a trabalhar na carpintaria para uma grande empresa de construção civil canadiana, a Inducan Construction, onde trabalhava no finishing (carpintaria de acabamentos) Reformei-me desta empresa há 18 anos.

Adiaspora.com: Voltando um pouco atrás, o que o levou a emigrar naquele. Porque decidiu sair do seu país?

A.V.: A aventura e a ambição. Todos quantos emigram é com a ambição de fazer dinheiro.

Adiaspora.com: Na sua opinião o que é preciso para singrar nesta terra?

A.V.: É preciso ser um bocado aventureiro, por exemplo, houve muitos que compravam uma casa, arranjavam-na e vendiam, compravam outra, e assim sucessivamente. Uns lançavam-se a abrir uma mercearia, ou supermercado. A alguns as coisas correram de feição e a outros não.

Adiaspora.com: Já mencionou que já regressou várias vezes a Portugal. Como encontra hoje o nosso país em comparação com o país que deixou quando emigrou para o Canadá pela primeira vez?

A.V.: Eu, depois de vir para cá em 1963 pela segunda vez, todos os anos ia a Portugal. No verão as minhas férias eram sempre em Portugal. Portanto, estou familiarizado com Portugal ao contrário de certas pessoas que estão cá 7,8, 9, 10, 15 anos sem irem lá e quando vão ficam espantados com o que vêem para melhor, outros, por ignorância ou talvez inveja, vêm para cá dizer mal. Na minha opinião, Portugal nunca esteve tão bom.

Adiaspora.com: Apesar de estar agora atravessar uma crise económica financeira?

A.V.: Essa crise financeira já se fez sentir cá no Canadá por diversas vezes, em todos os países. Mas a entrada de Portugal na União Europeia, não se fizeram bem ou se fizeram mal, mas o país desenvolveu muito e muito rapidamente, talvez em demasia.

Adiaspora.com: Quando cá chegou pela primeira vez, quais foram os maiores obstáculos com que se defrontou?

A.V.: A língua.

Adiaspora.com: Nessa altura, teve alguns apoios do estadão canadiano?

A.V.: Não pois nunca precisei. Durante estes anos todos nunca estive no Unemployment (Desemprego).

Adiaspora.com: Agora vou colocar-lhe uma questão que para si é um pouco dolorosa. Este ano, decorrem por todo o país as comemorações dos 50 Anos de Emigração Oficial Portuguesa para o Canadá. O que pensa desta vaga de homenagens aos Pioneiros de 53?

A.V.: O que penso é foram aventureiros como eu pois quando vieram não sabiam se cá havia alguém (referindo-se aos portugueses). Quando eu vim, sabia que estavam cá meia dúzia deles. Como já disse anteriormente, desejo as melhores felicidades a todos como se para mim fosse. Foi uma grande coisa a emigração portuguesa ter aberto para o Canadá e até estou convencido que é o país que maior volume de emigrantes teve num tão curto espaço de tempo. A malta dantes ia para América, Venezuela, África mas eram necessárias cartas de chamada, enfim era um processo mais lento. E o desenvolvimento que nós temos por aí, comercial e industrialmente. Os portugueses aqui têm dado cartas. Eu não, pois as coisas não me correram bem com o negócio das mobílias. Tentei duas vezes e depois se outros sócios desistiam, eu ficava sozinho com o meu parco inglês. Por acaso, quase sempre trabalhei com portugueses. Por conseguinte, desenvolvi nestes anos todos todo o inglês que talvez pudesse. Falo muito pouco inglês.

Adiaspora.com: Quer deixar aqui registada uma mensagem às novas gerações?

A.V.: A minha mensagem é que se mantenham por aqui porque é um país de grande futuro, o que ainda está por se revelar. O Canadá ainda está em fase de desenvolvimento. Recomendo que visitem a terra dos seus pais de vez em quando para terem conhecimento de onde os seus pais nasceram e verem o país, que merece a pena. Portugal desenvolveu bastante nestes últimos anos embora que agora tenha estagnado, agora está parado. A construção está parada. Dantes havia menos construção e mais procura e agora há mais construção e menos procura. Mas isto já se viu aqui no Canadá e que é capaz ainda de voltar a dar-se. E o que está agora a acontecer em Portugal não quer dizer que daqui 2 ou 3 anos que as coisas não melhorem com o governo que lá está que, na minha opinião, é bom. Foi buscar uma herança má do Partido Socialista

Adiaspora.com: Encoraja os jovens a procurar meios de desenvolvimento no Canadá mas também os aconselha a não se esquecerem das suas raízes. Muito obrigada Sr. Viola pelo seu depoimento. Toda a equipe da Adiaspora.com lhe deseja as melhores venturas para o futuro, agradecendo em nome de todos os portugueses que fizeram do Canadá o seu país o papel que desempenhou na abertura destas terras às nossas gentes.