CONVERSAS DA DIÁSPORA

- Com o Pioneiro Manuel da Silva-

(22 de Dezembro de 2003)

Adelina Pereira - Adiaspora.com

Adiaspora.com: Hoje estamos na companhia do Sr. Manuel da Silva, um dos pioneiros que veio para o Canadá em 1953. Em que data é que efectivamente partiu da sua terra?

Manuel da Silva: Parti da Ilha da Madeira a 26 de Maio de 1953, tendo chegado ao porto de Halifax no dia 2 de Junho desse mesmo ano.

Adiaspora.com: Não chegou, como alguns dos outros pioneiros, a passar por Lisboa?

Manuel da Silva: Vim directamente para Halifax no navio Nea Hellas.

Adiaspora.com: Significa que não fez parte do contingente de imigrantes que vieram de Lisboa.

Manuel da Silva: Não. Nesse contingente vieram 78 homens dos Açores e 16 da Madeira. Dos açorianos, só quatro ainda se encontram vivos. Os restantes já morreram.

Adiaspora.com: É oriundo de que região da Madeira?

Manuel da Silva: Sou natural da cidade de Machico, freguesia de Serra de Água. Nasci em 1920 e vim para o Funchal com um irmão da minha mãe, e aí me criei. Fui funcionário da Alfândega até à minha partida para o Canadá.

Adiaspora.com: Que idade tinha quando saiu da Madeira?

Manuel da Silva: Tinha 32 anos de idade. Vim celebrar o meu 33° aniversário aqui no Canadá.

Adiaspora.com: Disse-nos que antes de emigrar, se encontrava no Funchal onde era funcionário da Alfândega. O que o levou a emigrar?

Manuel da Silva: Decidi emigrar para melhorar a minha situação, e a da minha família, porque lá, a vida era um tanato ou quanto difícil. Muito embora eu estivesse com um ordenado razoável, queremos sempre mais.

Adiaspora.com: Quando decidiu emigrar, já era casado?

Manuel da Silva: Já era pai de cinco filhos!

Adiaspora.com: O que o levou a optar pelo Canadá?
Manuel da Silva: O Canadá era uma nação que não era conhecida na Madeira, ou em geral em Portugal, mas como trabalhava na Alfândega da Funchal no quadro marítimo, isto é, no mar à volta dos navios em busca de contrabando, certo dia apareceu por lá um iate canadiano e acabei por travar conversa com o capitão. Quando eu lhe informei que tencionava vir para o Canadá, este pergunto para que região. Ao responder-lhe que esperava vir para Toronto ou Montreal, este deu-me o seu endereço em Vancouver, a qual acabei por perder no meio da azáfama que antecedeu à minha partida.

Adiaspora.com: Como surgiu, em termos oficiais, esta oportunidade de emigração para o Canadá?

Manuel da Silva: Saiu no Diário um pedido de pessoas com certas habilitações. Pediam vinhateiros e criados. Mas o Governo não forneceu criados por não haverem. Então, pediram somente os vinhateiros. Como tinha anteriormente trabalhado para o Governo na agricultura, no enxerto de árvores, fiquei apurado.

Adiaspora.com: Veio por causa dos seus conhecimentos como vinhateiro?

Manuel da Silva: Sim, vim com trabalhador especializado. Ainda tenho minha posse uma carta na assinada por um médico e pelo o Eng° Ferraz onde tal reza.

Adiaspora.com: Nessa altura, quantos outros madeirenses vieram consigo?

Manuel da Silva: Da Ilha da Madeira vieram 102. Entres estes, um homem do continente que a caminho Açores ouviu o pedido na rádio. Como conhecia o inspector da emigração que estava na Madeira, ele tratou da documentação lá e embarcou connosco. Chama-se Rui. Mora aqui em Toronto na Lisgar Avenue.

Adiaspora.com: Os homens que integraram este contingente também vieram contratados para trabalhar nas quintas em Montreal?

Manuel da Silva: Nem todos vieram para Montreal. Alguns vieram para província do Ontário. Inicialmente fiquei em Montreal mas depois vim para Toronto onde comecei a trabalhar numa companhia na qual acabei por permanecer 32 anos.

Adiaspora.com: O grupo dividiu-se depois a chegada a Halifax?

Manuel da Silva: Sim. Uns ficaram na cidade do Quebeque, outro em Montreal e os restantes vieram para a província do Ontário.

Adiaspora.com: Voltando um pouco atrás e ao seu percurso pessoal, após a chegada a Halifax, dirigiu-se para Montreal. O que lhe sucedeu nesta cidade?

Manuel da Silva: Fui trabalhar para um farm (quinta ou fazenda). O fazendeiro tinha acima de 200 vacas, sendo por volta 100 vacas leiteiras, e as restantes para consumo. Quando chegamos a Montreal, fui o porta-voz dos portugueses que me acompanhavam, pois já sabia dizer algumas coisas em inglês. Fomos para a sala de espera da estação onde apareceu o tal quinteiro que me levou para a sua quinta. Ao chegar lá, este deu-me instruções para buscar as vacas e abrir a cancela (na altura trazia comigo um dicionário português-inglês que consultava). Lá fui. Quando cheguei ao local que ele me indicara, chamei "come on, come on" mas as vacas não reagiam. O farmeiro (quinteiro ou fazendeiro) ao verificar que as vacas não se mexiam, mandou um cão e elas logo se levantaram. Apreciei o seguinte nesses animais. As vacas tinham de atravessar uma estrada e um cruzamento. Paravam todas e olhavam antes de atravessar! Comoveu-me de ver tal comportamento nestes animais. Era como se fossem seres humanos! Quando as vacas chegaram, o patrão deu-me uma vasilha para tirar leite mas eu nunca tinha tirado leite a vacas na minha vida! Não o sabia fazer. Como tive conhecimento que havia uns rapazes madeirenses na província do Ontário, consegui apurar o seu paradeiro através de correspondência com as esposas na Madeira. Assim, resolvi vir para Toronto.

Adiaspora.com: Quanto tempo esteve em Montreal?

Manuel da Silva: Cerca de 2 meses.

Adiaspora.com: Pode dizer-nos o que lhe sucedeu após a sua chegada a Toronto.

Manuel da Silva: Fui ao encontro duns amigos que estavam em Vanland onde trabalhavam num pomar. O trabalho era sazonal e só o havia nos meses de verão. Como possuía uma credencial de trabalhador agrícola especializado neste ramo, o farmeiro (quinteiro) estava na disposição de me arranjar trabalho. Quando em Montreal, um dos rapazes que tinham embracdo comigo quis largar o seu trabalho, telefonou para a Imigração que o informou que éramos livres de transitar para onde quiséssemos. Como muitas vezes acompanhava os portugueses à Imigração para servir de intérprete, cheguei a ver muitos imigrantes alemães a chorar por lá por não poderem sair dos farms (quintas) por estarem vinculados aos seus patrões por um contrato de um ano como não tinham pago as suas próprias viagens. Não era o nosso caso, pois pagámos as nossas próprias passagens para cá e, por conseguinte, éramos livres. You are free men!

Adiaspora.com: Veio depois para o Ontário e foi trabalhar para um pomar ou quinta de árvores de fruto. Quanto tempo permaneceu nesta local.?

Manuel da Silva: Estive lá pouco tempo. Depois vim trabalhar para a Dr. Ballards, um companhia produtora de rações para animais. Esta empresa era sedeada na Stone Avenue em Toronto. Trabalhei lá 32 anos, após os quais a companhia foi vendida.

Adiaspora.com: Quando chegou a Toronto, naqueles primeiros tempos, já cá havia muitos portugueses? Como era a comunidade portuguesa nessa altura?

Manuel da Silva: Não havia cá portugueses. O que havia era algumas pessoas vindas do Brasil que falavam o português. Certo dia, contaram-me uma história muito engraçada. Havia um rapaz na Adelaide Street que trabalhava num restaurante. Um dia a criada pôs-lhe a comida na mesa mas esqueceu-se de lhe por a faca. Ele voltou-se para a criada e pediu-lhe: "Faca." A moça pregou-lhe uma relâmpada e veio fazer queixa ao patrão que, por sua, vez esclareceu-lhe o mal entendido. "That's is a knife in Portuguese!" Ela deu-lhe um beijo mas a chapada ele levou! Agora, voltando à sua pergunta, não havia muitos portugueses em Toronto naquela altura.

Adiaspora.com: Como era o mercado de trabalho para um português recém-chegado em Toronto nesse tempo?

Manuel da Silva: O problema maior era a língua. Para aqueles que não sabiam falar o inglês era um pouco mais difícil visto querem, quase sempre, pessoas com experiência. Mas se a pessoa nunca trabalhou não pode ter experiência, não é verdade? É evidente que para se adquirir experiência é preciso trabalhar e adquirir prática.

Adiaspora.com: Significa que havia trabalho mas a língua era um obstáculo?

Manuel da Silva: O desconhecimento da língua era um problema porque se, por exemplo, um comerciante tem um empregado em que falar com ele é a mesma coisa que falar para a parede, obviamente não tem qualquer interesse. Não faz qualquer sentido. It doesn't make sense.

Adiaspora.com: Informou-nos que trabalhou 32 anos para a mesma empresa, a Dr. Ballards. Foi daí que se aposentou?

Manuel da Silva: Sim.

Adiaspora.com: Disse-nos que quando chegou já trazia alguns conhecimentos de inglês. Como foi a sua aprendizagem da língua?

Manuel da Silva: Na Madeira tinha um tio que era jardineiro. Nesse tempo, eu era um rapazinho engraçado, a nice boy. Fui apanhando algumas palavras das senhoras turistas que por ali passeavam e quando cheguei a Montreal, ao ouvir algo, dizia cá para os meus botões, "Conheço aquela palavra!" E assim fui-me lembrando das palavras inglesas que ouvira na minha juventude.

Adiaspora.com: Havia algum apoio aos imigrantes por parte do Estado Canadiano?

Manuel da Silva: Que eu saiba, não. Não havia nada. Ninguém nos ajudou.

Adiaspora.com: Quando emigrou para o Canadá, deixou a sua esposa e os seus filhos na Madeira?

Manuel da Silva: Sim. Só vieram em 1955, já para Toronto. Até ocorreu uma coisa engraçada porque quando fiz a carta de chamada para a minha esposa, era para ela viajar para cá via os Estados Unidos. Acontece que quando a minha esposa chegou a Lisboa havia lá uma senhora que, por sua vez, tinha um conhecimento aqui no Canadá. Acabei por enviar dinheiro à minha esposa por esta via para ela trocar na agência de viagens, mas não o trocaram, Quando ela chegou ao porto de Halifax, ficou retida no navio porque o visto que possuía não permitia o desembarque no Canadá. Ela pernoitou no navio e no dia seguinte foi liberta. O bossa (patrão) para quem eu trabalhava, o Sr. Ballards, tratou do assunto. Telefonou para a Imigração e tudo mais. Vivi uns tempos na Niagara Street e depois comprei uma casa na Shaw Street. Mais tarde, cheguei a divorciar-me mas foi aqui que criei os meus filhos, três do quais nascidos cá. Ao todo, tivemos oito filhos mas um faleceu ainda na Madeira. A minha ex-mulher chama-se Amélia Vieira da Silva. Ela tem, como eu, uma placa em sua honra em Halifax.

Adiaspora.com: Sente hoje algum arrependimento em ter emigrado?

Manuel da Silva: Não. Acho que até dei um bom passo para a frente, não só para mim como para a minha família porque, mais tarde, chamei para cá as minhas irmãs. Uma minha irmã, que recentemente faleceu cá, deixou dois filhos mecânicos, uma filha professora e uma outra que é assistente de dentista, isto é, os seus filhos estão todos bem colocados. Nada disto teria sido possível na Madeira. Naquele tempo, não havia nada. Hoje, está bem. Aquilo está muitíssimo mudado.

Adiaspora.com: Na sua opinião, o que é preciso para singrar nesta terra?

Manuel da Silva: A pessoa que aqui chegue na faixa etária dos 25 aos 35 anos, que venha só e conheça a língua, arranja trabalho com relativa facilidade. No fim de 5 anos, esta já terá possibilidades de dar uma entrada para uma casa e assim encarar a vida. Na realidade, o que interessa mais aqui é ter-se casa própria.

Adiaspora.com: Já alguma vez regressou à Madeira?

Manuel da Silva: Vou lá regularmente. Estive na Madeira há 2 meses e volto novamente muito em breve. Vou todos os anos.

Adiaspora.com: A Madeira está mudada?

Manuel da Silva: Oh My God! A Meu Deus! Aquilo agora nem sequer parece a Madeira! Está muitíssimo melhor!

Adiaspora.com: Este ano, decorreram por todo o país as comemorações dos 50 Anos da Imigração Portuguesa no Canadá. O que pensa desta vaga de homenagens aos nossos pioneiros?

Manuel da Silva: Penso que deviam dar mais atenção aos pioneiros porque o que está aqui feito, e que de futuro fazer-se-á, a eles o devem. Foram os pioneiros que abriram as portas do Canadá e colocaram o tapete sobre o qual as gerações sucessoras pisam. Na minha opinião, os pioneiros merecem mais atenção do que aquela que têm recebido. A antiguidade dá autoridade e um pioneiro aqui representa muito. Num país onde se encontra gente de toda a parte, eu como pioneiro represento Portugal, e, no meu caso, a Ilha da Madeira.

Adiaspora.com: Quer deixar aqui para registo uma palavra dirigida às gerações mais novas?

Manuel da Silva: Aconselho as gerações mais novas a estudar o mais que puderem, em inglês e francês visto este país ter duas línguas oficiais. Mais, aconselho a aprenderem uma arte e a serem boas pessoas e honestas.