CONVERSAS DA DIÁSPORA

- Com o Pioneiro Eurico da Silva -

(Vancouver, 2 de Setembro de 2003)

Por José Ferreira - Adiaspora.com


O Pioneiro Eurico da Silva no seu jardim

Adiaspora.com: Quando é que emigrou para o Canadá?

Eurico da Silva: Em 1953. Vim com um contingente de 70 portugueses do Continente, Açores e Madeira. Cheguei a Halifax a 14 de Maio.

Adiaspora.com: É de que parte de Portugal?

Eurico da Silva: Sou da aldeia de Casais Branco, Freguesia Atouguia da Baleia, no Concelho de Peniche.

Adiaspora.com: Quer-nos falar um pouco da sua vida, e a dos seus familiares, em Portugal antes de emigrar?

Eurico da Silva: Trabalhava no campo com o meu pai pois tínhamos muitas fazendas.

Adiaspora.com: Quais foram as razões que o levaram a emigrar?

Eurico da Silva: Nesse tempo, ia, como se diz, à jorna. Ganhava vinte escudos por dia. Eu estava numa idade em que já pensava casar, pois já namorava. Sabia que não tinha fazendas suficientes para cultivar para sustentar a mulher e alguns filhos que pudessem aparecer, que a ganhar vinte escudos nunca chegaria a lado nenhum. Por isso decidi emigrar.

Adiaspora.com: Quando chegou a Halifax veio directamente para Vancouver?

Eurico da Silva: Fomos para Montreal. Viemos com um contrato para trabalhar na agricultura. No dia seguinte, tomámos o pequeno-almoço na Imigração. Depois, por volta das onze, apareceram os patrões para nos levarem para as quintas. Passado algum tempo, fui trabalhar para o Norte do Ontário no corte de madeiras, mas regressava a Montreal, que era a minha base.


Eurico da Silva ( à esquerda) em Montreal com um seu colega

Depois, em 1956, peguei na mala e vim para Vancouver.

Adiaspora.com: Porque motivo decidiu radicar-se em Vancouver?

Eurico da Silva: Ora, ouvia falar em Vancouver, que o clima era melhor. Já tinham vindo alguns portugueses dar uma volta. Diziam que, embora houvesse pouco trabalho, o clima, de facto, era melhor. Pensei para mim: "Olha, vou até lá também. Vou ver o que lá se passa." Quando aqui cheguei, em cima do Inverno, a fartura de trabalho não era assim muita. Mas depois começou a desenvolver. Começaram a construir o estádio, cuja construção foi toda feita depois de eu aqui estar. Começou a haver mais construção, então dedicámo-nos à construção.

Adiaspora.com: Ao embarcar já tinha conhecimento de algum outro português aqui radicado?

Eurico da Silva: Quando chegámos a Montreal, ouvimos falar de uns senhores que tinham vindo de Venezuela como turistas. Eram as únicas pessoas portuguesas que cá estavam. Não tivemos conhecimento que tivessem cá estado outros antes desses.

Adiaspora.com: Como foi a viagem para o Canadá?

Eurico da Silva: Nunca tinha viajado. Gostei. Não enjoei, que é o principal. Levámos seis dias no mar. Partimos de Lisboa a 8 de Maio e chegámos a Halifax na manhã do dia 14 de Maio. O barco talvez tivesse atracado durante a noite - não sei a que horas - mas nós só saímos do navio de manhã.


Eurico da Silva com José Ferreira da Adiaspora.com

Adiaspora.com: Quando chegou a Vancouver, teve conhecimento de cá estar algum dos imigrantes que viajaram consigo no Saturnia?

Eurico da Silva: Não. Veja que então regressei a Portugal, viajei novamente de barco. Fui de Montreal para Nova Iorque de comboio, onde embarquei de barco para Lisboa. Encontrei na viagem um senhor, de nome Fernando, que tinha vindo na imigração de 1955 que já cá tinha estado. Então vim para cá. Nos primeiros dias, foi ele que foi praticamente o meu guia.

Adiaspora.com: Como era Vancouver nesses tempos?

Eurico da Silva: Quando cá cheguei, inscrevi-me no Sindicato e fui à procura de trabalho na construção. Não havia muito trabalho, pois trabalhavasse algumas semanas para depois ficar desempregados, mas lutávamos pela vida. O português podia ficar sem trabalho, mas, logo na manhã seguinte, levantavasse a buscá-lo. Pois tínhamos a vantagem de chegar a uma obra e perguntar se precisavam de operários.

Adiaspora.com: Quais foram os obstáculos maiores que teve de enfrentar?

Eurico da Silva: O primeiro obstáculo foi a língua. Quando, naquele primeiro dia em Montreal, cheguei ao farm (quinta), isto por volta das duas da tarde, o patrão disse-me para mudar de roupa para ir trabalhar. Fiquei a olhar para ele. Sabia lá o que estava a dizer! Ele começou a desapertar o cinto para me indicar o que estava a tentar dizer. Depois a comida. Estávamos habituados àquelas sardinhas assadas, que aqui não se encontrava...um bom prato de bacalhau com batatas. A cozinha era bocado diferente da nossa

Adiaspora.com: Como decorreu a sua aprendizagem do inglês?

Eurico da Silva: Havia aulas nas escolas. Mas, por minha culpa, nunca fui à escola. O pouco ou muito inglês que sei, aprendi-o todo fora, no trabalho, com os amigos. Em Montreal aprendi o francês, que, para mim, era mais fácil. Estive dez meses no farm e quando de lá vim, já falava alguma coisa.

Adiaspora.com: Que apoios, se alguns, teve do estado canadiano, por exemplo se quisessem frequentar uma escola ou deslocar-se de uma província para outra?

Eurico da Silva: Nunca houve apoio algum. Nunca.

Adiaspora.com: Sente algum arrependimento em ter emigrado?

Eurico da Silva: Não. Criei aqui dois filhos, uma filha e sete netos.

Adiaspora.com: Já era casado quando saiu de Portugal?

Eurico da Silva: Sim. A minha esposa ficou atrás, tendo vindo mais tarde, em Outubro de 1959.

Adiaspora.com: Na sua opinião, o que é preciso para singrar nesta terra?

Eurico da Silva: Como nascemos num país pobre, os nossos pais ensinaram-nos a poupar. Nós trabalhávamos e poupávamos. Então, poupando um bocadinho cada dia, vai-se amealhando. É como a formiga. Depois, quando chegarmos a velhos, temos o nosso celeirozinho cheio.

Adiaspora.com: Tem alguma recomendação a fazer aos novos imigrante. Acha que hoje é tudo bem mais fácil para quem chega a este país?

Eurico da Silva: Bem, todos têm de investir no seu desenvolvimento e têm de poupar um pouco. Nós vimos que a juventude agora não pensa bem assim. Passado pouco tempo já querem um carro, uma casa, uma caravana e assim por diante. Não vamos pensar em ter, em dois ou três anos, o que construí ao longo de cinquenta anos. Quem não poupar, tem de jogar na lotaria, pois, assim pode ser que saia alguma coisa!

Adiaspora.com: Já alguma vez regressou à terra natal?

Eurico da Silva: Já lá fui muitas vezes, a última vez foi há dois anos.

Adiaspora.com: Está mudada? Como?

Eurico da Silva: Está pois. Aquela juventude tem uma maneira de estar bem diferente da nossa. Naquele tempo, trabalhávamos no campo. Agora há máquinas para tudo naqueles terrenos regadios...é tudo muito diferente!

Adiaspora.com: Este ano, decorrem por todo o país as comemorações dos 50 Anos da Imigração Portuguesa para o Canadá. O que pensa desta vaga de homenagens aos nossos pioneiros?

Eurico da Silva: Para mim, foi uma coisa boa que os portugueses tenham pensado em fazer isto. Achei que foi uma coisa bem feita...estas homenagens que nos fizeram, as pequenas lembranças que nos ofereceram... para nos recordar, os primeiros imigrantes que aqui chegaram.


Os Pioneiros Eurico da Silva (direita) e Jaime Barbosa (esquerda) e Maria dos Anjos da Silva,
filha do falecido Pioneiro Carlos Augusto da Silva

Adiaspora.com agradece ao Senhor Eurico da Silva, e sua esposa, a disponibilidade e hospitalidade que nos demonstraram aquando da nossa passagem pela bela cidade de Vancouver, desejando-lhes o melhor e muitos anos de vida na paz e no repouso que tanto merecem.

Entrevista exclusiva de Adiaspora.com