CONVERSAS DA DIÁSPORA

- Com o Pioneiro Manuel Pavão -

(Angra de Heroísmo, 21 de Novembro de 2003)

Por José Ferreira - Adiaspora.com

Adiaspora.com: Quando emigrou para o Canadá?

Manuel Pavão: Em 1953. Vim com mais 17 açorianos integrados no primeiro grupo oficial de emigrantes portugueses que embarcou de Lisboa para o Canadá.

Adiaspora.com: Quer informar-nos do local e data de nascimento?

Manuel Pavão: Sou natural da Candelária, S. Miguel, onde nasci a 18 de Março de 1929.

Adiaspora.com: Como foi a sua ida para o Canadá?

Manuel Pavão: A minha ida para o Canadá foi uma aventura. Ouvia falar que muita gente embarcava e eu também quis experimentar e deixar a casa dos meus pais. Tive a sorte de conseguir ir para o Canadá.

Adiaspora.com: Quando chegou a Montreal, foi directamente para Kitimat onde presentemente reside?

Manuel Pavão: Não. A Imigração encaminhou-nos para Cherbourg. Fomos um grupo de quatro ou cinco para essa localidade onde o inspector de Imigração ofereceu os nossos serviços pelas casas dos arredores. Embora não compreendêssemos a língua, depreendemos que só ficaram lá dois porque quando os farmeiros (quinteiros) ouviam dizer que éramos portugueses não nos queriam. Voltei para Montreal onde a Imigração arranjou um farmeiro que em empregou. Levaram-me à sua quinta que ficava nas proximidades de Valleyfield. O meu trabalho era tratar de vacas como fizera nos Açores. A única diferença era que havia máquinas de tirar leite, como hoje já há nos Açores. Ao fim de um mês e meio, aventurei-me e saí do farm. Dirigi-me a Montreal onde consegui arranjar trabalho como ajudante na niquelagem de brincos de senhora, cordões, pulseiras de relógios e relógios. O trabalho e o salário sempre eram melhores. Nos processos que antecedem a niquelagem, os artefactos ficam muito enegrecidos e é preciso limpá-los. O trabalho diminuiu ao fim de pouco mais de um ano e todo o empregado que não era casado foi despedido. Depois de dois dias, consegui colocação num hotel em Montreal na cozinha. Não foi mau. Depois, um meu amigo e eu decidimos ir para Vancouver. Mais tarde, mudei-me, com mais cinco colegas, para a cidade de Kitimat onde fomos procurar trabalho na fábrica de alumínio Alcan. (Um destes, o Manuel Franco, ainda reside, como eu, em Kitimat. Um já faleceu e não desconheço do paradeiro dos outros três.) Fui trabalhar para as linhas ferroviárias de suporte à fábrica. Durante vários meses, tentei ingressar na fábrica propriamente dita mas nunca consegui passar as provas. Acabei por trabalhar algum tempo nas docas mas fazia muito frio. Regressei novamente às linhas ferroviárias. Fui trabalhar para a Alcan em 1955 onde estive 38 anos até receber a reforma antecipada. Agora vivo dos meus rendimentos, e dos benefícios (prestações sociais) a que tenho direito.

Adiaspora.com: Fez muitos investimentos em Kitimat?

Manuel Pavão: Ultimamente. A companhia para a qual trabalhava, a Alcan, deu-me uma linha de crédito para comprar uma casa quando a minha esposa foi para o Canadá. Vim casar a S. Miguel em 1961, mas a vida não me correu bem e enviuvei ao fim de 13 anos. Vim novamente a S. Miguel para contrair segundas núpcias mas acabei por ter que casar no Canadá por causa da burocracia que havia nos Açores por ser viúvo. O nome da minha segunda esposa é Maria da Luz Pereira Pavão.

Adiaspora.com: O que, na verdade, o levou a partir? Foi falta de trabalho ou sede de aventura?

Manuel Pavão: Para dizer a verdade, houve sempre trabalho na casa do meu pai para os seus seis filhos. Foi uma ilusão. Fui à Câmara, candidatei-me, fui aceite e parti. Não posso dizer que foi uma má experiência mas a maior dificuldade com a qual me debati foi a língua que eu julgava ser mais fácil!

Adiaspora.com: O que o levou a optar pelo Canadá? Era o que havia na altura ou existiam oportunidades para outros países?

Manuel Pavão: Na altura, já tinha pedido a uma minha prima que se encontrava emigrada no Brasil há três anos, para me fazer a carta de chamada mas esta nunca chegou a responder.

Adiaspora.com: Ao embarcar já tinha conhecimento de algum português radicado no Canadá?

Manuel Pavão: Não, mas certa ocasião li um documento que dizia haver portugueses no Canadá. Não sei quem o escreveu. Não conhecia ninguém no Canadá quando cheguei.

Adiaspora.com: Que apoios ou orientação tiveram quando chegaram ao Canadá?

Manuel Pavão: Veio um inspector de Imigração connosco do continente, mas, obviamente, o seu conhecimento do Canadá era limitado. Entre as autoridades em Montreal, havia o Cônsul Português que não emitia quaisquer opiniões ou críticas ou nos aconselhava a mudarmos de sítio, se fosse o caso.


Os Pioneiros Manuel Arruda e Manuel Pavão em convívio com o
Presidente do Governo Regional dos Açores, Dr. Carlos César.

Adiaspora.com: Como era Kitimat quando lá chegou?

Manuel Pavão: Estava em construção. Estavam a construir casas e a alargar a fábrica. Estava tudo em movimento. Não se vivia em casas mas em acampamentos, pois estava-se a fundar a cidade. Havia poucos homens casados lá na altura. Chegaram a trabalhar 15 000 pessoas na construção.

Adiaspora.com: Como era o mercado de trabalho para os portugueses que lá chegavam?

Manuel Pavão: Uns trabalhavam na construção e outros na fábrica. Nesses tempos, só havia uma. Agora já existem três e onde trabalham portugueses.

Adiaspora.com: Quais foram os maior obstáculos com quais se defrontou?

Manuel Pavão: A língua e não possuir uma arte profissional. O que podia saber? Nos Açores só tirava leite às vacas! Não quis enveredar pela soldagem pois não é um trabalho muito saudável.

Adiaspora.com: Como decorreu a sua aprendizagem de inglês?

Manuel Pavão: Frequentei as aulas nocturnas. Hoje, posso não falar inglês muito bem mas escrevo o que quero.

Adiaspora.com: Existia, nesse tempo, algum apoio do estado canadiano aos novos imigrantes, por exemplo, se estes quisessem deslocar-se para outra região do país?

Manuel Pavão: Não. Foi tudo à minha custa. Mais tarde, houve incentivos por parte da Alcan e do Governo provincial para os trabalhadores da fábrica que quisessem comprar casa própria mas estes tinham de permanecer na casa uns certos anos.

Adiaspora.com: Alguma vez arrependeu-se de ter emigrado?

Manuel Pavão: Nunca me arrependi e digo a todos que o façam, pois o Canadá é um país muito grande e precisa de mais gente. Quanto mais gente houver lá, melhor será para aquele país.

Adiaspora.com: Já regressou a Portugal depois de ter emigrado?

Manuel Pavão: Talvez umas dez vezes. Regressei a primeira vez em 1965. Na altura, a fábrica aconselhou-me a manter-me em S. Miguel mais algum tempo do que o previsto por não haver trabalho, mas depois chamaram-me de novo e voltei. Cheguei a Kitimat à uma da manhã e fui trabalhar pelas 4 da tarde desse mesmo dia!

Adiaspora.com: Gostou de Kitimat?

Manuel Pavão: Sim. É um lugar muito sossegado. Não há tanto crime como em Surrey, Vancouver, ou Langley. Podemos deixar as portas abertas. Em Kitimat, a vida correu-me bem. Houve dificuldades para alguns mas não para mim. Depois de estar lá a trabalhar, cheguei a chamar alguns rapazes de Montreal. Quando lá chegaram, não lhes foi possível ingressar logo na Alcan.

Adiaspora.com: Tem filhos?

Manuel Pavão: Tenho três, um da minha primeira esposa e dois da segunda esposa.

Adiaspora.com: O que pensa desta viagem aos Açores e da Homenagem em honra dos Pioneiros prestada pelo Governo Regional, onde foi possível reunir-se com amigos que não via há quase cinquenta anos?

Manuel Pavão: Nunca julgava chegar a isto! Só acreditei quando vi o Presidente do Governo Regional dos Açores, o Dr. Carlos César! Enfim, nunca esperei. Quando cheguei ao hotel, a minha cunhada apareceu acompanhada do seu marido. Perguntou-me o que pensava eu durante o encontro com o Sr. Presidente! Não foi só isto. Veio gente do Canadá a acompanhar-nos. Foram todos tão delicados connosco! Este povo destas ilhas tão honesto, feliz e satisfeito que até parece impossível!

Adiaspora.com deseja ao Sr. Manuel Pavão e sua família as melhores venturas para o futuro e agradece a disponibilidade e amabilidade que teve para connosco ao conceder-nos esta entrevista aquando da nossa deslocação aos Açores para efectuar a cobertura jornalística da Homenagem aos Pioneiros do Governo Regional, realizada nas ilhas entre os dias 15 e 22 de Novembro de 2003.


(Da esquerda para a direita) Afonso Tavares, Jaime Barbosa, António do Couto, Manuel Arruda, a Directora Regional das Comunidades, Dra. Alzira Serpa Silva, Manuel Vieira, João Martins,
Manuel Pavão e Armando Vieira.

Entrevista exclusiva de Adiaspora.com