topo
linha2

Fotogaleria

 
» Home » Crónicas e Artigos » Ermelindo Ávila » Cantinho da Solidão


O Meu Cantinho da Solidão


Vivo na solidão recordando os meus tempos de menino e moço. Há tantos anos que isso foi! … Ainda me lembro…

Lembro-me dos companheiros de brincadeira já todos desaparecidos. Lembro-me dos jogos que fazíamos: a caça à baleia, a bola, o bilro, o pião, os jogos de apanhar e de esconder… Lembro-me até do susto, com as doenças epidémicas que tantos conhecidos levaram…

E a bandeira preta ou branca na Terra da Forca, a anunciar “baleia à vista” ou “botes fora”! … (Os foguetes vieram mais tarde e muito depois, a rádio…).

Lembro-me de alguns “enchentes de mar” que tanto medo provocavam principalmente nas pessoas que viviam na orla marítima… E o pavor que senti quando vi, cá de baixo, da entrada para o caneiro, a igreja da Silveira a arder…E até do abalo de terra de 1926, que tanto danificou a cidade da Horta. Soube-o anos depois, quando fui a primeira vez àquela cidade com meu Pai.

Mas o que mais me impressionou nesses recuados anos foram as “quedas do mistério”, anunciadas com muitos foguetes. Perguntava para que eram os foguetes e respondiam-me que o “mistério, (assim entendia), tinha caído.

Corria, com outros da minha idade para a zona da Pesqueira para ver o fenómeno, pois nesses tempos os terrenos calcinados pela lava estavam a descoberto e o Mistério tinha pouca vegetação e arvoredo, hoje lá está bastante frondoso e resultante da sementeira de penisco que ali fez a antiga Junta Geral. Quando havia foguetório não se tratava do mistério, mas do Ministério do Governo, que havia “caído”, porque o outro partido político tinha ocupado a governação. E isso acontecia de meses a meses, o que era motivo de regozijo para o partido contrário que se encarregava dos foguetes. Por cá havia dois: o democrático e o regionalista, ou do Dr. Neves, como era conhecido.

Ermelindo Ávila no seu cantinho da solidão

Depois foi o sair da terra… Ir para Angra estudar… E lá, naquele “ermo”, no meio de colegas por vezes rebeldes e escarninhos, as saudades não passavam. Eram os irmãos pequenos que deixara atrás, os pais ainda novos, as avós, (os avôs não os conheci), tios e primos estavam sempre na lembrança e, quando chegava a noite, ou o sono, as lágrimas apossavam-se de mim, o que constituía transgressão imperdoável para o inexperiente superior que não compreendia as situações e por isso nada perdoava, impondo um rigor de disciplina, impróprio de aplicar a jovens de uma dúzia de anos… Quanto se sofria! …

As cartas de casa eram “censuradas” e entregues abertas. Nunca compreendi a razão de tão drástica medida. Os jornais eram proibidos… O contacto com pessoas estranhas era evitado e até dos familiares quando se deslocavam à ilha, era difícil o encontro…

Valeu a pena? Responde o Poeta: “Tudo vale a pena / quando a alma não é pequena”. Mas, naqueles recuados anos, muitas dezenas de anos idos, a alma era ainda pequena e inocente…

Fátima Ferreira Lima e José Ferreira no cantinho de Ermelindo Ávila

Tudo passou. A vida transformou-se. A sociedade evoluiu. O progresso social surgiu após as duas guerras que a Europa sofreu.

Com que alegria não foi recebida a notícia do Armistício, festejada com muitos foguetes, ao estilo da época?! De outra forma mais responsável, foi recebido o cessar fogo da segunda guerra, já esperado, dadas as notícias que constantemente dia e noite eram transmitidas pelas estações de rádio e aqui escutadas no Rádio do “Grémio”, pois ainda não existiam os particulares…

Mas, convulsiva foi a segunda metade do Século XX. A sua história ainda não está feita. Demorará seu tempo.

E é cogitando nesse longo passado que vou vivendo os anos atribulados desta minha solidão.

Estou neste meu retiro onde não me falta carinho e amizade dos filhos e netos, e também dos bisnetos, e até dos poucos amigos, que ainda me restam.

Voltar para Crónicas e Artigos

bottom
Copyright - Adiaspora.com - 2007