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Uma Noite de Natal


Chovia torrencialmente. As beiras das casas gotejavam como bicas de fontenário. A rua, cheia de sulcos do trânsito automóvel, mais parecia um lago e era impossível por ela transitarem os peões. A tarde caíra. No céu só se viam nuvens escuras a anunciar tempestade. As pessoas haviam-se recolhido às respectivas habitações e ninguém tinha a coragem de enfrentar a tempestade que se aproximava.

Ninguém, não. Debaixo de um velho telheiro esburacado que outrora servia para guardar os char-á-bancs e outros veículos, encontrava-se o Fábio, que descera dos montes onde o pai vivia a vigiar cabras e ovelhas, em direcção à povoação afim de comprar uma nica de bacalhau para a consoada do Natal, que se aproximava.

No campanário da velha igreja paroquial soaram os sinos, a anunciar a novena do Menino Jesus. Fábio não esperou. Debaixo daquela chuva torrencial correu para a igreja, que, mesmo assim, ficava perto. Ia todo encharcado, sem um fio dos trapos que o cobriam, enxuto. Mas não vacilou. Há muito que não saia dos montes e não conhecia o que era a festa do Natal. O pai lhe dissera que era a comemoração do nascimento do Menino, em Belém, mas mais não sabia. E já ia avançando na idade: nove anos feitos poucos dias antes, sem festas nem prendas…

Entrou no templo que já estava todo iluminado com luzes coloridas e flores imensas pelos lados da igreja e nos altares. Um deslumbramento, uma coisa nova que não conhecia.

Quando entrou eram poucas as pessoas que ali estavam aguardando o início do acto litúrgico. Os seus olhos surpresos percorriam todo o templo, cheios de admiração. O frio começava a atormenta-lo. E ele, no meio daquele esplendor, não sabia o que fazer. Encostou-se ao guarda-vento, enquanto a água escorria encharcando o chão à sua volta. Nisto entrou uma senhora, envolta numa capa de chuva, que, ao passar, deu de frente com o Fábio e ficou muito impressionada.

Tratava-se de uma senhora viúva e que, há anos, havia perdido, vítima de um desastre de trânsito, o seu único filho, de idade aproximada ao miúdo que tinha na sua frente.

Aproximou-se e perguntou-lhe donde era e o que fazia ali. O Fábio em poucas palavras contou-lhe a sua história: Que vivia com pai no monte, que a mãe havia falecido no ano anterior, vítima de uma doença, e que não conhecia mais nenhum parente. Descera à Vila, por ordem do pai, para comprar um pouco de bacalhau para a ceia da consoada mas que tinha sido “apanhado” pelas chuvas e que agora, noite escura, não sabia como regressar a casa.

A Dona Márcia, era o seu nome, impressionou-se com a história do Fábio e perguntou-lhe se não sentia frio e se não queria mudar de roupa. Escusado será dizer que o miúdo, muito contente, respondeu afirmativamente. D. Márcia não pensou duas vezes, como soe dizer-se. Tomou a mão do Fábio e conduziu-o até ao seu carro, que se encontrava perto da porta do templo, e levou-o a sua casa. Deu-lhe um banho quente, vestiu-o de roupa enxuta, a mesma que ficara do filho, serviu-lhe uma refeição, fez uma trouxa com outras roupas do filho, levou-o no carro até ao monte onde ele morava com o Pai, as cabras e as ovelhas.

O pai, ao sentir o barulho do motor do carro, abriu a porta e, de lampião na mão, veio ver o que acontecera. D. Márcia contou rapidamente o que se havia passado, e entregou-lhe a pequena trouxa, convidando pai e filho para irem na noite da consoada até sua casa.

E assim aconteceu.

Para o Fábio e o pai foi um Natal diferente. 

O Fábio nunca recebera qualquer prenda naquela época festiva, nem mesmo sabia o que era o Menino Jesus. Foi D. Márcia que, a partir dali, o tomou à sua conta. Matriculou-o na escola e na catequese. Ia buscá-lo ao domingo para assistir à Missa e substituía-lhe as roupas quando estavam gastas. Encontrara de novo o filho que o Senhor havia levado há anos. Para ela um verdadeiro milagre do Menino Jesus.

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