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O Arrodeio


Antes do estabelecimento dos Serviços Florestais na Ilha do Pico, já lá vai um par de anos, cerca de cinquenta, era agradável chegar ao primeiro de Setembro e subir até à Serra do Topo para assistir ao “Arrodeio” ou, melhor dito, ajuntamento do gado lanígero que, durante o ano, pastava nos Baldios.

Do Sul e do Norte, noite serrada, caminhavam para a Serra gentes das Terras, Lajes, da Ribeira do Meio, Almagreira e Silveira, e até de São João e de Santa Bárbara,  do lado Sul e da Prainha do Norte, e São Miguel Arcanjo, e Santo Amaro,  do lado Norte. Era um dia de festa. Todos levavam seus farnéis que repartiam, fraternalmente, entre amigos e conhecidos. Alguns levavam violas da terra ou guitarras, para as horas de folguedo.  

De princípio era o gado conduzido para currais improvisados e aí seleccionados pelos donos respectivos. Não era difícil a selecção pois havia sempre o cuidado de marcar os novos animais com sinais especiais nas orelhas. E nenhum era igual. 

Depois de junto o gado, estendiam-se aqui e ali as toalhas onde eram colocados os farnéis para a refeição à qual não faltava o garrafão com o vinho tinto do Pico e, naquelas alturas, era sobejamente apreciado.

Terminadas as refeições entre ditos chistosos de lado para lado e de olhares “interesseiros”, iniciavam os bailes e as “chamarritas”, onde as “cantigas” de despique iam surgindo consoante o entusiasmo dos bailadores e dos assistentes.  Entretanto, outros procediam à tosquia dos carneiros e ovelhas, cuja lã era cuidadosamente acautelada para ser trabalhada durante o Inverno.

O Sol iniciara já a sua “descida” para Ocidente e era tempo de se iniciarem os preparativos para o regresso. Entretanto, aqui e ali surgiam olhares apaixonados...

Não raro, aos domingos, os moços atravessavam a serra e desciam para Norte ou para Sul, para se encontrarem a reconditos com aquelas que haviam “escolhido” no “Arrodeio”. E, quantos casamentos não vieram a realizar-se!...

Com o estabelecimento dos Serviços Florestais os ranchos de cabras e ovelhas foram proibidos de pastar nos baldios. Uma medida que não deixou de ser contestada no início mas que o povo acabou por aceitar, dados os resultados benéficos dos tratamentos das pastagens e dos baldios que então se empreenderam, sem custos para os lavradores utentes.  Perdeu-se uma tradição simpática mas ganhou-se sobremaneira na fruição concertada das serras públicas e dos baldios comuns que não deixaram de ser aproveitados pelos lavradores mediante uma taxa de entrada e sem quaisquer outros encargos.

Mas não custa recordar os bons tempos dos “arrodeios” que eram motivo de amiga confraternização entre o Sul e o Norte, dois povos de origens comuns e que sempre se entenderam através dos tempos.

Hoje ninguém demandaria a serra a pé. As viaturas motorizadas vão até sem custo, aproveitando os caminhos que os ditos Serviços Florestais construiram. E se mais não abriram foi porque os proprietários dos terrenos onde seriam implantados, se recusaram, numa colaboração benéfica, a deixar “passar” as vias a construir pelas suas propriedades. Talvez hoje o seu procedimento seria diferente. Mas o mal ficou e tarde, ao que julgo, será reparado.

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