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O Pico do Pico


Fica a 2.351 metros de altitude. Está no meio da Ilha, uma ilha que, segundo os geólogos, nasceu em duas épocas distintas. Domina a ilha e as outras do Grupo Central do Arquipélago. Razão tinha Raul Brandão quando escreveu: “O que me vale é que saio e dou logo com o Pico que é eterno. Encontro-o sempre: ao voltar duma esquina, a sair de casa, ao saltar da cama.” (l). O Pico está rodeado de algumas ilhas-irmãs como rei soberano cortejado por suas damas. Mas essa posição de bem pouco lhe serve. É o rei mudo, sem voz nem autoridade. Talvez as damas, que o rodeiam, só o galanteiam sarcasticamente, desprezando-o ou esquecendo-o e dele só se lembrando quando necessitem de lhes captar a beleza e o encanto que oferece às suas paisagens.

É o próprio Raul Brandão que o afirma:”O Pico é a mais bela, a mais extraordinária ilha dos Açores, duma beleza que só a ela lhe pertence, duma cor admirável e com um estranho poder de atracção. É mais que uma ilha – é uma estátua erguida até ao céu e moldada pelo fogo – é outro Adamastor como o do cabo das Tormentas.”(2)

Mas há mais quem admire o Pico pela sua majestade e grandeza. Ele continua a ser o farol que guia a navegação que, por estas ilhas, passa a caminha da Europa ou da América.

É o barómetro dos marinheiros que se fazem ao mar, ontem para a caça da baleia, hoje para a pesca do atum, ou de outras espécies piscícolas durante as noites luarentas.

Para os naturais, o Pico é tudo. Companheiro inseparável, para ele nos voltamos quando a manhã desperta, a ver qual o aspecto que apresenta, pois são raros os picoenses que não sabem “ler”, nas nuvens que o rodeiam, qual o tempo que se aproxima…

Subir a montanha é uma das façanhas mais apetecidas dos picoenses e de muitos estrangeiros que à ilha aportam para ter o prazer de descobrir os Açores, lá de cima, por entre as nuvens.

Nunca tive o prazer, por mazelas físicas, de ir até ao cimo da montanha; mas já me foi dado rodear, em avião, o Pico do Pico e sobrevoar a cratera, um espaço grandioso que lhe fica à ilharga e que já serviu até de “altar” na celebração de uma Missa comemorativa. José Carlos, em “Os Maiores Dias da Vila Madalena - 1960”, assim descreve esse acontecimento histórico; “Ás 7 horas, ao centro do Eirado Grande, a perto de 2. 300 metros de altitude e num altar de lava, o M. R. Ouvidor, José Fortuna principiava a Missa Votiva da Santíssima Trindade. Impossível escolher outro acto que fosse mais lídima afirmação da Fé que abrasou o Pico em cinco séculos de história, esse Pico do qual confirmou o Pe. António Cordeiro”…é tanta limpeza junta com tão bons procedimentos em os povos, que não sei que desta Ilha viesse ainda alguns preso ao Santo Ofício, pois nem da raça do Judaísmo, nem ainda de herejes estrangeiros há nela”.

Há uns anos passados, viajava com minha Mulher, de saudosa memória, de S. Miguel para o Pico, via Terceira. Era uma manhã primaveril. No Nascente raiavam os primeiros rubores da Aurora. O céu estava todo límpido e nem uns frangalhos de nuvem toldava aquele quadro de infinita beleza. Quando nos aproximávamos da Ponta da Ferraria, à saída de S. Miguel, fazendo rumo à Terceira, ela chama a minha atenção para o ineditismo que se nos apresentava para as bandas do Oeste. A montanha do Pico surgia esplendorosa no horizonte, sem uma nuvem que a envolvesse. Um encanto! Pouco depois foram aparecendo as nuvens e, só quando nos aproximávamos da Terceira, é que esse Pico nos surge, com toda a sua imponência e esplendor maravilhoso. Não mais isso aconteceu. Agora, limito-me a olhar o Pico do Pico nas manhãs calmas e nos poentes primaveris, soberbos e maravilhosos, quando o tempo está de feição e o mar se mostra numa quietude embevecida.

É assim este Pico, o nosso Pico, com um interior cheio de paisagens de uma beleza extraordinária e de um encanto que mal apreciamos.

Uma ilha que dá sinal ao longe, e serve de orientação aos navegantes, quando os laranjais estão em flor ou os incensos se cobrem de um manto branco de aromáticas roupagens. A terra do Pico cheira, escreveu alguém.

O Pico é um gigante adormecido, mal respeitado e menos querido por aqueles que lhe fazem vizinhança. E bem merecia que o soubessem aproveitar.

Aproveitar as suas belezas naturais, as suas paisagens inebriantes, o seu clima tonificante, os dons extraordinários com que foi dotado pela Natureza.
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(1)Raúl Brandão. In “Ilhas Desconhecidas”, Edição Perspectivas e Realidades – pág.79
(2)Ibidem – pág.105

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