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DO CANADÁ AO BRASIL POR TERRA - DIA 14

PERFUME BARATO “EMBRUJOS DE COLÓN”
E DE COMO O EQUADOR (PAÍS) FOI RISCADO DO ITINERÁRIO!


Vasco Oswaldo Santos (Texto e fotos)
José Ilídio Ferreira (Fotos)
Adiaspora.com
António Perinú (Texto e Fotos)
Sol Português

Colón, Zona Livre do Panamá, 18 de Outubro – No creemos en brujas. Pero que las hay, hay!!! O dia começou cedo para que houvesse mais tempo para azares. Como um trovão electrónico, o toque do telefone atirou-nos para fora da cama eram 4 horas da madrugada (mesma hora em que na canção brasileira “se levanta Zé Marmita” e no Alentejo “um passarinho cantou-ou-ou...).

O quarto rescendia ao aroma do bacon com ovos que o Luis fritava na cozinha, madrugador que é, ainda mais que cozinheiros brasucas ou passarocos alentejanos. Lavadinhos e barbeados, devorámos o banquete matinal. Mas nem com os estômagos aconchegados o coração desapertou. Seguimos silenciosos a caminho de Colón, na última etapa do “nosso” Mercedes em terras do meio do Mundo.

Eram 7h00 da manhã quando aproximámos a guarita da segurança do Terminal de Contentores de Colón, que aqui é conhecido pelas iniciais CCT (tradução inglesa da entidade). Pois não senhor! A abertura é às 8 e não às 7. Mandam-nos os guardas para o estacionamento contíguo, “secar” durante uma hora inteirinha que poderia ter sido aproveitada em “vale de lençóis”...

Para matar o tempo, e poupando palavras, fomos observando os abutres e o posicionamento de um canito que esteve bem uns dez minutos, absolutamente imóvel, sem atender a chamadas ou assobios, a olhar para os passarocos, marcando território e explicando telepáticamente à “força aérea” que em terra manda o “exército”!

Estava a gente numa destas, passeando pelo asfalto do parque quando um polícia do porto se aproxima e nos diz que era proíbido andar por ali a passear. Ou nos sentávamos no carro ou teríamos de permanecer bem junto a ele. A tentativa de explicação que estávamos a ver quantas matrículas de carros diferentes por ali haviam não resultou. Agradecemos e prometemos portar-nos muito bem doravante.

O mesmo guarda, 5 minutos antes das oito, fez-nos sinal para entrar no complexo portuário, depois das contumazes verificações de passaportes trocados por cartões de visitantes. Ora, como a partir deste momento tudo se desenrolou como num filme de proporções maquiavélicas, vamos narrar a odisseia, passo a passo, em forma pontual, sem muitas divagações, à guisa de reportagem absolutamente objectiva, para permitir aos leitores o exercício dos seus próprios ensaios, crónicas e críticas. E foi assim:

08h05 – Entrámos na sala dos visitantes da Unigreen, onde nos esperavam, solícitas, as funcionárias. Que o Sr. Orlando (?) nos viria atender de imediato.

08h30 – Uma das funcionárias informa que o Sr. Orlando vem a caminho.

08h40 – O Sr. Orlando não aparece mas entra na sala a Señorita Ana Raquel, com quem havíamos acertado tudo (?) em Setembro. Se já tinhamos falado com a funcionária do Porto de Colón, inquiriu. Respondi que não, que ela própria me havia dito para não o fazer antes de falar consigo. Entendeu e foi ao telefone. Voltou: o Sr. Adrian do CCT esperava-nos para processar a Bill of Lading. Mostrei-a, orgulhoso do meu trabalho da véspera e tal e qual o Sr. Orlando, na passada segunda-feira, havia revisto e aprovado in loco. Estava mal, disse a Ana Raquel. Coisa sem importância. Emendou solícita. Descubro que o Sr. Orlando está sentado à secretária e nem para nós olha.

08h50 – Decidimos caminhar a pé para os escritórios portuários, a coisa de 100 metros de distância. A segurança não permitiu. Sequência do processo: Buscar o carro, entregar os cartões, receber os passaportes, entrar no porto, parar na segurança, entregar os passaportes e receber outros cartões. Ah, e abrir as maletas de mão. Escapou o Perinú, cada vez que se repetiu esta operação. Os guardas devem ter pensado que a bolsa dele era pequena demais para guardar um pistolão. Ordem de estacionar no primeiro parque onde entrámos às 07h00 da manhã, vedações contíguas.

Admitidos no escritório do Sr. Adrian, diz-nos ele que havia um problema para levar o carro para o Equador e que a Srta. Ana Raquel estava em contacto com o Porto de Guayaquil. Ao meu lado, o António Perinú diz-me que a minha cara se tinha transfigurado e mostrado uma expressão atónita...  Avanço que acabava de deixar a Ana Raquel há minutos e que ela disse tudo estar bem.

09h05 - O Adrian não tinha conhecimento dos detalhes mas mandou-nos sentar e esperar pela chamada da señorita. Ali, “cheirou-me a índios”, como nos velhos filmes do Tim McCoy, antes do politicamente correcto ter sido inventado.

09h06 – Para dominar os meus nervos e não assustar os companheiros – como se eles não estivessem cientes que algo estava errado... – entrei em observação directa do funcionamento deste escritório. Era um ambiente caoticamente eficiente. O Adrian a comandar quatro secretárias processadoras de documentos de entrada e saída de contentores. Uns seis funcionários, perfeitamente especializados, de camiseta laranja, na recolha e entrega de declarações de carga, bills of lading, selos, verificações de peso, etc. É assim: o Adrian recebe os documentos dos motoristas que entram, verifica-os rapidamente, fotografa-os através da janela e prepara o documento de liberação. Tudo em sequência perfeita, sem atropelos, discussões, interrupções ou erros detectados. Do outro lado, as funcionárias registam o peso dos veículos que param na báscula, verificam os documentos de saída, e os contentores seguem para os navios. Um vaivém constante, eficientíssimo, a contrariar a nossa própria experiência.

09h45 – Depois de receber um telefonema, o Sr. Adrian explica-me que “Guayaquil não pode receber o carro, o carro não pode seguir”. Mas que na Unigreen “estão a tentar tudo para que o carro siga hoje”. Continuemos então a aguardar.

10h05 – Telefone para mim. Uma outra funcionária da Unigreen, a Señora Eyra, informa-me que “o Ecuador só permite a importação de carros de 2007”. Expliquei que isso teria de ser irrelevante pois não se tratava de uma importação. Que na ausência de estrada do Panamá para o resto da América do Sul o transporte teria de se efectuar de barco! Ninguém ia importar nada, o carro não estava à venda, era o nosso meio de transporte para prosseguir viagem, tal como vinha acontecendo desde de Toronto. Simplifiquei tudo para que o argumento pudesse ser facilmente compreendido em Guayaquil, se bem explicado do Panamá. Eyra prometeu voltar a telefonar dentro de 10 minutos.

10h35  - Chamada de Eyra (afinal) do escritório da Unigreen... na Cidade do Panamá! Informa que acaba de receber uma mensagem (e-mail?) de Guayaquil informando da “proíbição de importação de carros para o Equador, desta maneira, excepto para diplomatas”. Aí eu respirei fundo e contei mentalmente até 10. Neste momento assalta-me o pensamento que havia grande bruxaria metida no assunto. Ora se a Sra. Eyra me falava da sede na Cidade do Panamá, porque razão não me mandaram lá ir, logo na segunda-feira, tratar de tudo e tomar conhecimento destes trâmites? Voltei a invocar as facilidades de Setembro, da deslocação propositada, e do facto deste problema de agora ter acontecido entre a saída do escritório de Colón e a chegada à secretaria de expedição do Porto. Uns meros 100 metros! Sugiro aos meus companheiros parar com a farsa e voltar de imediato a falar com a Ana Raquel. Para o que tivemos de repetir o processo das trocas de cartões por passaportes nas duas guaritas da segurança.

10h40 – Irrompemos pelos escritórios da Unigreen, dominando a cólera. Ana Raquel, de ar consternado, recebe-nos. O Sr. Orlando continua de olhos postos nos papéis...  Na sala de conferência/visitantes, perante a minha argumentação lógica, a moça apenas indica que foi a primeira vez que foram notificados destes procedimentos por parte das autoridades equatorianas. Returco estranhar que só hoje isso haja acontecido. E pensei que ela tinha tido todo o tempo do mundo para tratar disto. Tanto pior me senti por tomar conhecimento, aqui nesta hora, que as reservas de contentores da Unigreen se efectuam na Cidade do Panamá. Então o que andámos nós a fazer com as deslocações a Colón onde só nos deveríamos ter apresentado com a Bill of Lading e a confirmação da reserva feita na Sede? Ora bem, porque a señorita Ana Raquel certamente que só na hora de se dignar encontrar-nos nessa manhã solicitou a autorização para o transporte. Durante o tal nosso percurso de 100 metros para o edifício do Porto, munidos do documento que o Sr. Adrian deveria processar sem quaisquer engulhos. Mas calei o palpite porque o importante era resolver a questão da forma mais pacífica possível. Nessa altura, aproveitando uma rápida saída dela da sala, optámos por sugerir se o carro poderia ser enviado para o porto seguinte, Callao, no Peru; as instalações marítimas que servem a capital, Lima, tal como as de Leixões servem a cidade do Porto.

10h45 – Informo a Ana Raquel desta nossa decisão. Iria ver. E acrescentei que, infelizmente, esta situação iria redundar numa bela peça de reportagem sobre tanta ineficácia... Nisto vem um telefonema da Sra. Eyra: o mesmo barco que levaria o carro para o Equador, escalaria em seguida o porto de Callao. Ia solicitar outra reserva. Aproveitando a oportunidade para uma última démarche,  perguntei se valeria a pena, na qualidade de jornalistas profissionais, contactarmos a Embaixada do Equador no Panamá para expor o problema. A resposta foi que falaria com a Ana Raquel, Sales Representative. E falou porque a outra me telefonou logo de seguida: - Señor Vasco, si Usted desea hablar con la Embajada, muy bién. Pero... muy buena suerte! – Entendi. Assunto arrumado, não vale mesmo a pena assar carapaus fritos!

11h05 – Acho que, de qualquer forma, a sugestão de escrever uma boa história não caíu em saco roto: entra na sala um senhor muito distinto, com ar de chefe, que nunca havíamos visto, acompanhado de uma secretária jovem, a inquirir solicitamente se desjávamos tomar chá ou café, coisa que nem em Setembro foi oferecido. Recusámos polidamente.

11h10 – Uma secretária vem informar que a Sra. Eyra continuava diligenciando com Callao.

11h23 – Ana Raquel informa sorridente que Callao havia aceite o desembarque. Volto a pedir a tarifa.

11h30 – Ana Raquel diz que não há mudança na tarifa. Aqui interiorizámos, olhando uns para os outros, sem proferir palavra, que alguém no meio disto havia feito realmente uma grande asneira.

11h35 – Refeitos os documentos (Bill of Lading).

11h45 – Dois processos de mudança de credenciais e passaportes, ante o ar divertido dos guardas, que já nos tratavam como velhos conhecidos.

11h50 – O Sr. Adrian manda carimbar a papelada. Fomos pagar. Surpreso fico quando me entregam um recibo de US$89.00, pelas despesas portuárias, o mesmo que foi prometido em Setembro, a contrariar o aumento louco de mais de US$550.00 de há dias. Esta despesa nada tem a ver com o envio do carro, uma despesa (frete) à parte, paga exclusivamente à companhia marítima.

12h05 – Processamento das verificações alfandegárias e inspecção do carro. Tudo rápido, sem problemas, com o funcionário a insistir apresentar-me à sua supervisora. Nunca tinham visto ninguém passar por ali a caminho do Brasil!

12h10 – A funcionária da caixa, procura-me com outros documentos, a dizer que o custo portuário era de $550.00. Protestei mostrando o recibo já em minha posse. Que não, que tinha havido uma alteração.
12h30 – Despachados da verificação sanitária, mais carimbos, foi-se pagar a diferença. Entrega da chave ao Sr. Adrian. Colocação do carro num estacionamento próprio, junto aos contentores.

13h00 – O próprio guarda do porto chama um táxi que nos conduziu à Cidade do Panamá.

Enlatados os nossos quatro corpinhos num carrinho sem amortecedores, regressámos a casa, não sem termos sido parados a meio caminho por uma patrulha policial a indagar a nossa identidade.

Vocês lembram-se de uma canção das ‘Doce’, “Uma da manhã / Duas da manhã...”? Pois aqui a música  - e outro tipo de letra - “tocou” das quatro da manhã à uma da tarde. Irra!

De tarde, ainda o escriba trabalhou com a redacção de Adiaspora.com, em Toronto, antes de iniciar o processo de consulta para alterar os bilhetes de avião para o novo destino de Lima (Peru) em vez de Guayaquil (Equador).

Para um dia destes, já bastou!

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