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DO CANADÁ AO BRASIL POR TERRA - DIA 2

A VERY, VERY AMERICAN
ROACH MOTEL...

Vasco Oswaldo Santos (Texto e fotos)
Adiaspora.com
António Perinú (Fotos)
Sol Português 

Waco, Texas, EUA, 6 de Outubro – Repousados e ‘breakfastados’ arrancámos para o segundo dia da expedição pelas 08h20 de uma manhã radiosa e quente de domingo. Céu de um azul quase portuga, sem núvens, iluminando a transparência das colinas do Kentucky e Tennessee, com laivos azulados na neblina que as tornou famosas como ‘smoky hills and blue grass states’. Nota triste a de um jovem veado, já de presas salientes, morto à beira da estrada, vítima de atropelamento nocturno (?). É que a competição entre o homem e a Natureza acaba quase sempre por vitimar esta última. Até quando?

De manha e que se começa o dia.... - Prontos para a partida em direcção ao Texas!

Durante a manhã os nossos telemóveis não pararam com mensagens de amigos e até de desconhecidos. Alguém nos comunicou que a Rádio 9 do Faial falava animadamente da nossa odisseia. De Montreal, era o amigo Araújo felicitando o Luis Sousa e o resto da equipa. Ao telefone, o António Perinú continuava a trabalhar para a edição da “Voice”, no dia seguinte, como se em Toronto continuasse. Para o Zé Ferreira era também a família, de Toronto às margens do Lago Erie, do Faial ao Pico.
Pelas 10h30, entrávamos no Tennessee. Condutor muito atento, que não “brinca em serviço”, o Luis ia devorando milhas ao volante enquanto a gente se desfazia em esforços aritmeticamente mentais para converter para quilómetros e rir a bom rir com os resultados obtidos nas façanhas da multiplicação.
Pelas 11h00, avistávamos Memphis, a capital do estado de Graceland onde Elvis Presley continua a ser “avistado” regularmente... e onde o grande Martin Luther King desenvolveu grande parte da sua campanha pela igualdade dos direitos da população negra dos States que, por essa altura, ainda não havia sido alcandorada ao estatuto de afro-americana. Coisas históricas que também fomos comentando.

Primeiro estado a atravessarmos depois do Kentucky - Atravessando
o Mississippi em Memphis

Depois de uma refeição ligeira – só para alguns, claro... – já tomada no Arkansas, foi a corrida para o Texas, cada vez mais perto, entre campos de cultivo e enormes stands de venda de camiões, ocupando áreas incríveis, testemunho da crescente importância desta forma de mover mercadorias no norte-américa. Numa brevíssima paragem para distender as pernas numa área de descanso, a nossa equipa até invejou um camião parado com a maior das adições à cabina de condução que se possa imaginar: um espaço tão longo que tinha janelas e portas privativas, ar-condicionado no tejadilho, antena parabólica e uma bateria de outros gadgets electrónicos para conforto do motorista. Um destes dias acrescentam uma casa móvel e levam a família, o gato e o papagaio...
Pelas 15h15, descobrimos que a hora havia mudado, provavelmente na travessia do Mississippi em Memphis e eram apenas 14h15. Isso deu-nos a satisfação de uma hora a mais para ganhar tempo. Contabilista que é também, e estatístico indomável, o Zé anunciou 25 minutos mais tarde que havíamos ultrapassado os primeiros 4.000 kms da expedição. Alguém comentou filosoficamente que já não faltava tudo.

Luxo camionistico! - Uma pausa antes do Texas

Entrados no Estado da Estrela Solitária, o Texas das cóboiadas que na infância nos deliciaram nas páginas coloridas de tudo o que era “Mosquito”, “Mundo de Aventuras”, “Condor”, “Cavaleiro Andante” e “Ciclone”, para mencionar os mais populares. Isto deu origem a uma pequena Hora da Saudade, muito bem aproveitada e divertida.
Outra curiosidade que levantou alguma dúvida até se passar por outros sinais idênticos por todo o Texas: a velocidade máxima permitida, de dia, 70 milhas/hora, é reduzida para 65 durante a noite. A que velocidade, pergunta-se, se deverá conduzir ao lusco-fusco?
Na terra do Jack Taxas, desde as 19h00, conduziu-nos, já noite cerrada a Dallas, terra do JR Ewing e de outras personagens conhecidas do mundo, como Bushes e LBJs, Pattons e steaks avantajados comidos com a pistola ao lado e em tom de machismo ultrapassado.
Aí se deu o primeiro precalço da viagem: a estrada com o número 35 Sul, apareceu no delírio das auto-estradas envolventes e pejadas de veículos mas, subitamente, desapareceu do firmamento do nosso destino: San António e Laredo. Andámos muito, tivémos de voltar para trás, bem frustrados, e afinal o raio da estrada, a que serve a capital do estado (Austin), apenas indicava uma cidadezita onde um crime de trazer por casa originou, há uns anos, um assalto de grande espalhafato que deixou mortas mulheres, crianças e alguns homens cuja única falta era a de resistir ao abrigo do direito à liberdade de espressão. O inquérito que colocou a localidade no mapa veio a provar excesso de força por parte da polícia. Mas numa altura em que as vítimas já estavam no cemitério. Bom, Waco, para nós, acabou por se revestir de outra faceta, a da hilariedade e que se passa a contar em separado:

Um motel barato... e de baratas!

Por causa do irritante atraso do engano com a 35 Sul, chegámos a Waco (não deveria ser Whacko?) bem depois das 23h00 quando jantámos uma refeição tipicamente mexicana num restaurante aprazível e modesto, num dos muitos desvios que acolhem viajantes estafados à beira das grandes rodovias.
Alimentados e sonolentos fomos à procura de quarto num dos hoteis locais. Estava tudo cheio. Um, mais afastado, ostentava o nome de Delta Inn. O escriba, que se ocupa dos mapas, inquirições, linguajar espanholado e de encher o depósito da viatura, foi despachado a inquirir no dito motel se havia quarto. Isto na rua, à frente de uma janela mal iluminada, onde tudo se dialoga através de um ralo no vidro e uma fresta onde mal cabe um cartão de crédito e que se abre e fecha por dentro, não vá o diabo tecê-las.

Baratinha escondida com rabo de fora...

Aí, o escriba deveria ter desconfiado porque era um cãozito pouco simpático que se empoleirava do lado de dentro do Office. Eis que aparece a funcionária da noite, uma moça irremediavelmente obesa e mal encarada, vestida de roupas de sala de operações e de boné de basebol a tapar-lhe parte das feições. Inquirida, disse ter um quarto disponível. Chamei o Zé e quando preencheu por nós a ficha obrigatória, o sarnoso do cão, arreganhou os dentes e tentou morder os dedos do nosso amigo, num gesto de ferocidade exagerado em relação ao seu corpinho peludo. O Zé levou aquilo para a brincadeira e até brincou com o bicho, que não achou graça nenhuma à ideia.

Baratinha na cama do Director

Subidos ao quarto, pensámos que não era verdade o que nos deparava. Era um antro pouco higiénico e mal iluminado, com lâmpadas nuas no tecto em matais ferrugentos e sem globo de vidro. A casa de banho não tinha toalhas, nem suporte para o papel que era a única coisa higiénica, de nome, naquele tugúrio! Uma saleta ao lado tinha um lavatório rasca, uma lampada fluorescente num plástico partido e um frigorífico nojento onde algém com sentido de humor escreveu, antes de nós, comentários pouco abonatórios, ainda que apropriados, ao quarto.
Cansadíssimos, fomos em busca das toalhas e não refilámos porque ninguém tinha forças para ir procurar coisa melhor a uma hora daquelas.

Carochinha esperando o João Ratão!

Adormecemos cansados do dia e da risota. Sei que sonhei algo kafkiano, em que a recepcionista do motel nos trazia toalhas conspurcadas, transformada em barata gigante...
De manhã, já prontos para saír, deu-se a descoberta mor do Luís: a gente tinha falado em baratas e elas fizeram a sua aparição antes do sol nascer: uma passeava-se pelos lençóis da cama do Zé e dele, enquanto que uma outra, mais tímida, se tentava esconder na cabeceira da cama que eu e o Perinú havíamos partilhado! Fotografámo-las para a posteridade. Como fotografámos a prova do que acabámos de contar. Para que a História o registe e não deixe caír no esquecimento!
Ah, já esquecia: ao sairmos, deu-se o render da guarda: a matrona da noite foi substituída por outra dos mesmos moldes e o cão rosnador deveria estar a treinar as baratas que na noite seguinte apavorariam outra geração de clientes.

Não vá alguém gamar o frigorífico....

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Percurso percorrido: 1,300 kms e 13 horas de condução

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