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Reportagem na “Califórnia Lusófona”

De como os açorianos se ‘continentalizaram’
na Grande Costa do Pacífico

José Ferreira e Leonel Salvador
Adiaspora.com

(Julho 2006)

Há mais de cinco gerações que os portugueses dos Açores se estabeleceram com um dos grandes grupos de exploração dos recursos agro-pecuários na Califórnia, a mais densamente povoada, rica e tecnologicamente avançada região dos Estados Unidos da América do Norte.



O percurso da nossa viagem

Uma viagem informal, de fim-de-semana, quase que de turismo, virou para os repórteres atentos como que uma obrigatoriedade de informar o leitor do que viram, relatado do ponto de vista pessoal, mas objectivo, pormenores do estabelecimento dos açorianos ao longo dos férteis vales das Montanhas Rochosas, ao longo da costa do Oceano Pacífico, local que muitos continuam a relacionar de imediato com o que Hollywood popularizou.

Só que a realidade é muito mais do que isso e a emigração do arquipélago dos Açores para a costa oeste dos Estados Unidos, ao longo dos últimos 250 anos é já parte indelével da história da América do Norte e uma das alavancas principais da rica economia local, mormente nas áreas da agro-pecuária, lacticínios e pescas.

O que em escassos dias vimos de perto respondeu em parte à pergunta pertinente se a chamada agricultura corporativa está ou não a destruir completamente o conceito da fazenda familiar onde, de geração em geração se vai singrando e vingando na dura labuta de arrancar à terra as suas riquezas hortícolas, frutícolas, juntando-se-lhe a componente da pecuária.


Lúcia e José Correia com Leonel Salvador

Não nos pareceu ser esse o caso dos lavradores de origem lusa. Certo que o governo americano deve subsidiar muito esta verdadeira indústria, mas um familiar nosso, por exemplo, que se encontra lá a trabalhar (sem a “green card”) há 15 anos, já conta com uma vacaria de mais de um milhar de cabeças de gado produtor de leite. Que lhe movimentam 120.000 dólares (US) por mês, só em leite. Só que 8.000 vão logo para o arrendamento do terreno em que se encontra estabelecido. Pode mesmo dizer-se que a vaca do Texas é criada para dar carne e a da Califórnia para produzir leite.

O que nos impressionou foi o aproveitamento dos terrenos. Enquanto que no Canadá podemos conduzir por centenas de quilómetros sem ver um terreno cultivado, na Califórnia, está tudo aproveitadinho até ao máximo. Curiosamente, todos os grandes depósitos de água, destinada à irrigação e ao gado, só depois destinada à filtragem para fornecimento de cidades como Los Angeles, o que dá já uma ideia das prioridades locais.


Planta do algodão

Outra das grandes riquezas que observámos foi a das plantações de algodão, sobretudo em Firebaugh, Mercedes County, junto às montanhas, por onde se penetra no interior do estado através do Pacheco Pass, um acesso que leva nome de português.


Pacheco Pass

Esta grande actividade agrícola tem sido a base do desenvolvimento de cidades como San José, mormente nos últimos 12 anos em que as visitamos frequentemente. Curiosamente, o centro desta urbe pouco ou nada mudou.

O grande desenvolvimento, esse, observa-se nos arredores. Os portugueses de lá, todavia, estão numa fase de saída para os subúrbios, na procura de melhores casas, de mais espaço, tal como aconteceu já aqui nas deslocações para Mississauga e Brampton, por exemplo. O que representa um movimento quase paralelo entre as duas comunidades: a da Califórnia e a do Ontário, no Canadá.


As Coroas do Divino

O que se mantém é a sua ‘portugalidade’, o seu apego às tradições ancestrais, a religiosidade que trouxeram das ilhas, a observação dos costumes em si. Talvez que não tão activo, esse apego, como aqui. Mas é impressionante verificar como foi possível transmitir a cultura ao longo de tantas gerações. A professora Sophia Muniz, de quem voltaremos a falar e que nos acompanhou e guiou durante as visitas, embora de segunda geração, é conhecedora profunda dos rituais religiosos e profanos das Sopas do Espírito Santo.



A Irmandade do Divino Espírito Santo

Aliás, nem há mais tradução, são conhecidas pelo nome original tanto as festas como as sopas do Espírito Santo. Foi numa destas festas, de San Pedro em Easton, que soubémos estarem a actuar Dinis Paiva e a cantora Luso-canadiana Sarah Pacheco, aí já bem conhecida e de valor firmado.

O que impressionou os viajantes, por toda a Califórnia, foi a “sede” de regresso às origens manifestada pela aproximação dos jovens de terceira geração lusa. E até o culto pelas touradas está presente como foi evidenciado num convite que nos formularam para assistir a um desses espectáculos tradicionais e que, infelizmente, tivemos de rejeitar porque a festa brava se realizada na segunda-feira à noite, altura em que já estávamos de regresso a Toronto. Um sobrinho da Professora Muniz, já de terceira geração, com origens em Santa Bárbara, é um aficionado de respeito, que adora toiros, e várias vezes se desloca à Terceira em altura das festas. Parece até já ser de lá...

O que a reportagem não teve coragem, e agora o lamenta, foi de aceitar o convite para um voo sobre os vales de Fresno, zona de uma fertilidade célebre. Isto porque se tratava de um aparelho pequeno, especialmente concebido para sulfatagem dos terrenos. Só que voam baixinho, né? Fica para outra vez, até porque são pilotados pelos proprietários, gente da nossa, portugueses de origem, o que dá todo um outro sentimento de segurança...


Preparação dos carros alegóricos

Mas o que reparámos neste reaproximar dos luso-americanos da Califórnia, em relação à cultura portuguesa, foi a importância que a RTP Internacional desempenha no reviver de tradições e na constante informação que veicula entre Portugal e as suas comunidades exercendo um tremenda influência sobre quem, até há pouco, pouco tinha para relacionar para além da tradição oral, das festas anuais e de uma ou outra viagem nem sempre ao alcance da maioria. E isso até se vê pela presença de antenas parabólicas junto às casas, das mais modestas às mais sumptuosas. É que graças aos noticiários, toda a gente está agora a par do que se passa em Portugal, a despeito das diferenças horárias. E o “Canadá Contacto” não é excepção, toda a gente o vê. E, claro, toda a gente segue assiduamente o desenrolar das novelas, coisa que passou a fazer parte do quotidiano lúdico dos portugueses da Califórnia.

......
As batatas e o pão

O que verificámos também, foi a similaridade do que se passou connosco no Brasil onde, os descendentes dos portugueses, ansiaram por nos mostrar e contar em pormenor tudo aquilo que conseguiram realizar ao longo dos tempos e que nunca havia sido reconhecido até agora por Portugal. A frase constante é: “Era bom que os senhores vissem, isto... Era bom que os senhores vissem aquilo... certamente que gostariam de ver...” – e por aí adiante numa ânsia de mostrar o fruto que produz a força do seu trabalho duro, de geração em geração. Uma saga que tem de ser melhor contada e de forma que todos possam entender e compreender.

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